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Jurisprudência


STF HC 93056 / PE - PERNAMBUCO HABEAS CORPUS

Ementa
E M E N T A: "HABEAS CORPUS" - PRISÃO EM FLAGRANTE MANTIDA COM FUNDAMENTO NA GRAVIDADE OBJETIVA DO DELITO - CARÁTER EXTRAORDINÁRIO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE INDIVIDUAL - UTILIZAÇÃO, PELO MAGISTRADO, NO INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA, DE CRITÉRIOS INCOMPATÍVEIS COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - SITUAÇÃO DE INJUSTO CONSTRANGIMENTO CONFIGURADA - CRIME DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES - ALEGADA INÉPCIA DA DENÚNCIA - INOCORRÊNCIA - PEÇA ACUSATÓRIA QUE ATENDE, PLENAMENTE, NA PARTE EM QUE REMANESCE VÁLIDA, ÀS EXIGÊNCIAS LEGAIS - RECEBIMENTO DE DENÚNCIA - AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO - ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO - INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL - PEDIDO DEFERIDO EM PARTE. A PRISÃO CAUTELAR CONSTITUI MEDIDA DE NATUREZA EXCEPCIONAL. - A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada ou mantida em situações de absoluta necessidade. A prisão cautelar, para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico, impõe - além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e presença de indícios suficientes de autoria) - que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu. - A questão da decretabilidade ou manutenção da prisão cautelar. Possibilidade excepcional, desde que satisfeitos os requisitos mencionados no art. 312 do CPP. Necessidade da verificação concreta, em cada caso, da imprescindibilidade da adoção dessa medida extraordinária. Precedentes. A MANUTENÇÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE - ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR - NÃO PODE SER UTILIZADA COMO INSTRUMENTO DE PUNIÇÃO ANTECIPADA DO INDICIADO OU DO RÉU. - A prisão cautelar não pode - e não deve - ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia. A prisão cautelar - que não deve ser confundida com a prisão penal - não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal. A GRAVIDADE EM ABSTRATO DO CRIME NÃO CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE. - A natureza da infração penal não constitui, só por si, fundamento justificador da decretação da prisão cautelar daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado. Precedentes. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, NO CASO, DA NECESSIDADE CONCRETA DE MANTER-SE A PRISÃO EM FLAGRANTE DO PACIENTE. - Sem que se caracterize situação de real necessidade, não se legitima a privação cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu. Ausentes razões de necessidade, revela-se incabível, ante a sua excepcionalidade, a decretação ou a subsistência da prisão cautelar. O POSTULADO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA IMPEDE QUE O ESTADO TRATE, COMO SE CULPADO FOSSE, AQUELE QUE AINDA NÃO SOFREU CONDENAÇÃO PENAL IRRECORRÍVEL. - A prerrogativa jurídica da liberdade - que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) - não pode ser ofendida por interpretações doutrinárias ou jurisprudenciais, que, fundadas em preocupante discurso de conteúdo autoritário, culminam por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de direitos e garantias fundamentais proclamados pela Constituição da República, a ideologia da lei e da ordem. - Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, e até que sobrevenha sentença penal condenatória irrecorrível, não se revela possível - por efeito de insuperável vedação constitucional (CF, art. 5º, LVII) - presumir-lhe a culpabilidade. No sistema jurídico brasileiro, não se admite, por evidente incompatibilidade com o texto da Constituição, presunção de culpa em sede processual penal. Inexiste, em conseqüência, no modelo que consagra o processo penal democrático, a possibilidade jurídico-constitucional de culpa por mera suspeita ou por simples presunção. - Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado. O princípio constitucional da presunção de inocência, em nosso sistema jurídico, consagra, além de outras relevantes conseqüências, uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados, definitivamente, por sentença do Poder Judiciário. Precedentes. INOCORRÊNCIA DE INÉPCIA DA DENÚNCIA QUANDO ELA ATENDE A TODAS AS EXIGÊNCIAS LEGAIS. - A denúncia, quando contém todos os elementos essenciais à adequada configuração típica do delito e atende, integralmente, às exigências de ordem formal impostas pelo art. 41 do CPP, não apresenta o vício nulificador da inépcia, pois permite, ao réu, a exata compreensão dos fatos expostos na peça acusatória, ensejando-lhe, desse modo, o pleno exercício do direito de defesa. NÃO SE EXIGE QUE O ATO DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA SEJA FUNDAMENTADO. - O ato judicial que formaliza o recebimento da denúncia oferecida pelo Ministério Público não se qualifica nem se equipara, para os fins a que se refere o art. 93, inciso IX, da Constituição, a ato de caráter decisório. O juízo positivo de admissibilidade da acusação penal, ainda que desejável e conveniente a sua motivação, não reclama, contudo, fundamentação. Precedentes.
Decisão
A Turma, por votação majoritária, deferiu, em parte, o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator, vencida a Senhora Ministra Ellen Gracie, que a denegava. 2ª Turma, 16.12.2008.

Data do Julgamento : 16/12/2008
Data da Publicação : DJe-089 DIVULG 14-05-2009 PUBLIC 15-05-2009 EMENT VOL-02360-02 PP-00320 LEXSTF v. 31, n. 365, 2009, p. 375-396
Órgão Julgador : Segunda Turma
Relator(a) : Min. CELSO DE MELLO
Parte(s) : PACTE.(S): ANTÔNIA FRUTUOSO COELHO IMPTE.(S): PLÍNIO LEITE NUNES COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Referência legislativa : LEG-FED CF ANO-1988 ART-00005 INC-00057 INC-00061 INC-00065 ART-00093 INC-00009 CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL LEG-FED DEL-003689 ANO-1941 ART-00041 ART-00310 PAR-ÚNICO ART-00312 CPP-1941 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL LEG-FED LEI-006368 ANO-1976 ART-00012 LTX-1976 LEI DE TÓXICOS LEG-FED RGI ANO-1980 ART-00148 PAR-ÚNICO RISTF-1980 REGIMENTO INTERNO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Observação : - Acórdãos citados: HC 54619, HC 68726, HC 70763, RHC 71954, HC 73590, HC 83266, HC 83943, HC 83947, HC 86755, RHC 87005, HC 89501, RHC 90376, HC 93883, HC 96219 MC; RTJ 64/77, RTJ 69/758, RTJ 79/436, RTJ 112/1115, RTJ 119/1056, RTJ 128/681, RTJ 133/280, RTJ 134/798, RTJ 134/1205, RTJ 137/287, RTJ 138/216, RTJ 142/582, RTJ 142/855, RTJ 142/878, RTJ 148/429, RTJ 160/299, RTJ 165/877, RTJ 172/184, RTJ 180/262, RTJ 182/601, RTJ 187/933, RTJ 198/1090, RSTJ 34/58, RT 521/352, RT 523/376, RT 510/365, RT 559/334, RT 562/329, RT 653/301, RT 662/279, RT 757/696. - Veja HC 75226 do STJ. Número de páginas: 30. Análise: 25/05/2009, CLM. Revisão: 28/05/2009, JBM.
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