STF HC 94408 / MG - MINAS GERAIS HABEAS CORPUS
EMENTA: HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA "EXECUÇÃO
ANTECIPADA DA PENA". ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO
BRASIL.
1. O art. 637 do CPP estabelece que "[o] recurso
extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados
pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à
primeira instância para a execução da sentença". A Lei de
Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de
liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A
Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso
LVII, que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória".
2. Daí que os preceitos
veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem
constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente,
ao disposto no art. 637 do CPP.
3. A prisão antes do trânsito em
julgado da condenação somente pode ser decretada a título
cautelar.
4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo
restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as
recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da
sentença após o julgamento do recurso de apelação significa,
também, restrição do direito de defesa, caracterizando
desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o
direito, do acusado, de elidir essa pretensão.
5. Prisão
temporária, restrição dos efeitos da interposição de recursos em
matéria penal e punição exemplar, sem qualquer contemplação, nos
"crimes hediondos" exprimem muito bem o sentimento que EVANDRO
LINS sintetizou na seguinte assertiva: "Na realidade, quem está
desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o
mal, se equipara um pouco ao próprio delinqüente".
6. A
antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o
texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da
conveniência dos magistrados --- não do processo penal. A
prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais
[leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e
extraordinários e subseqüentes agravos e embargos, além do que
"ninguém mais será preso". Eis o que poderia ser apontado como
incitação à "jurisprudência defensiva", que, no extremo, reduz a
amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade,
a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser
lograda a esse preço.
7. No RE 482.006, relator o Ministro
Lewandowski, quando foi debatida a constitucionalidade de
preceito de lei estadual mineira que impõe a redução de
vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por
responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime
funcional [art. 2º da Lei n. 2.364/61, que deu nova redação à Lei
n. 869/52], o STF afirmou, por unanimidade, que o preceito
implica flagrante violação do disposto no inciso LVII do art. 5º
da Constituição do Brasil. Isso porque --- disse o relator --- "a
se admitir a redução da remuneração dos servidores em tais
hipóteses, estar-se-ia validando verdadeira antecipação de pena,
sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal, e
antes mesmo de qualquer condenação, nada importando que haja
previsão de devolução das diferenças, em caso de absolvição". Daí
porque a Corte decidiu, por unanimidade, sonoramente, no sentido
do não recebimento do preceito da lei estadual pela Constituição
de 1.988, afirmando de modo unânime a impossibilidade de
antecipação de qualquer efeito afeto à propriedade anteriormente
ao seu trânsito em julgado. A Corte que vigorosamente prestigia o
disposto no preceito constitucional em nome da garantia da
propriedade não a deve negar quando se trate da garantia da
liberdade, mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as
elites; a ameaça às liberdades alcança de modo efetivo as classes
subalternas.
8. Nas democracias mesmo os criminosos são
sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se
transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas
entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua
dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É
inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas,
em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração
penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada
em julgado a condenação de cada qual.
Ordem concedida.
Ementa
HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA "EXECUÇÃO
ANTECIPADA DA PENA". ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO
BRASIL.
1. O art. 637 do CPP estabelece que "[o] recurso
extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados
pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à
primeira instância para a execução da sentença". A Lei de
Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de
liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A
Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso
LVII, que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória".
2. Daí que os preceitos
veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem
constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente,
ao disposto no art. 637 do CPP.
3. A prisão antes do trânsito em
julgado da condenação somente pode ser decretada a título
cautelar.
4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo
restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as
recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da
sentença após o julgamento do recurso de apelação significa,
também, restrição do direito de defesa, caracterizando
desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o
direito, do acusado, de elidir essa pretensão.
5. Prisão
temporária, restrição dos efeitos da interposição de recursos em
matéria penal e punição exemplar, sem qualquer contemplação, nos
"crimes hediondos" exprimem muito bem o sentimento que EVANDRO
LINS sintetizou na seguinte assertiva: "Na realidade, quem está
desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o
mal, se equipara um pouco ao próprio delinqüente".
6. A
antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o
texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da
conveniência dos magistrados --- não do processo penal. A
prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais
[leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e
extraordinários e subseqüentes agravos e embargos, além do que
"ninguém mais será preso". Eis o que poderia ser apontado como
incitação à "jurisprudência defensiva", que, no extremo, reduz a
amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade,
a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser
lograda a esse preço.
7. No RE 482.006, relator o Ministro
Lewandowski, quando foi debatida a constitucionalidade de
preceito de lei estadual mineira que impõe a redução de
vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por
responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime
funcional [art. 2º da Lei n. 2.364/61, que deu nova redação à Lei
n. 869/52], o STF afirmou, por unanimidade, que o preceito
implica flagrante violação do disposto no inciso LVII do art. 5º
da Constituição do Brasil. Isso porque --- disse o relator --- "a
se admitir a redução da remuneração dos servidores em tais
hipóteses, estar-se-ia validando verdadeira antecipação de pena,
sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal, e
antes mesmo de qualquer condenação, nada importando que haja
previsão de devolução das diferenças, em caso de absolvição". Daí
porque a Corte decidiu, por unanimidade, sonoramente, no sentido
do não recebimento do preceito da lei estadual pela Constituição
de 1.988, afirmando de modo unânime a impossibilidade de
antecipação de qualquer efeito afeto à propriedade anteriormente
ao seu trânsito em julgado. A Corte que vigorosamente prestigia o
disposto no preceito constitucional em nome da garantia da
propriedade não a deve negar quando se trate da garantia da
liberdade, mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as
elites; a ameaça às liberdades alcança de modo efetivo as classes
subalternas.
8. Nas democracias mesmo os criminosos são
sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se
transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas
entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua
dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É
inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas,
em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração
penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada
em julgado a condenação de cada qual.
Ordem concedida.Decisão
A Turma, por votação unânime, deferiu o pedido de habeas
corpus, nos termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente,
neste julgamento, a Senhora Ministra Ellen Gracie. Julgamento
presidido pelo Senhor Ministro Celso de Mello. 2ª Turma,
10.02.2009.
Data do Julgamento
:
10/02/2009
Data da Publicação
:
DJe-059 DIVULG 26-03-2009 PUBLIC 27-03-2009 EMENT VOL-02354-03 PP-00571 RT v. 98, n. 885, 2009, p. 493-501 RF v. 105, n. 401, 2009, p. 572-582 REVJMG v. 60, n. 188, 2009, p. 337-342
Órgão Julgador
:
Segunda Turma
Relator(a)
:
Min. EROS GRAU
Parte(s)
:
V.PACTE.(S): GILBERTO DA CRUZ ROCHA
IMPTE.(S): GERALDO COSTA DE FARIA E OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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