STF HC 95009 / SP - SÃO PAULO HABEAS CORPUS
EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. CORRUPÇÃO
ATIVA. CONVERSÃO DE HC PREVENTIVO EM LIBERATÓRIO E EXCEÇÃO À
SÚMULA 691/STF. PRISÃO TEMPORÁRIA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA DA
PRISÃO PREVENTIVA. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL PARA
VIABILIZAR A INSTAURAÇÃO DA AÇÃO PENAL. GARANTIA DA APLICAÇÃO DA
LEI PENAL FUNDADA NA SITUAÇÃO ECONÔMICA DO PACIENTE. PRESERVAÇÃO
DA ORDEM ECONÔMICA. QUEBRA DA IGUALDADE (ARTIGO 5º, CAPUT E
INCISO I DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL). AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO
CONCRETA DA PRISÃO PREVENTIVA. PRISÃO CAUTELAR COMO ANTECIPAÇÃO
DA PENA. INCONSTITUCIONALIDADE. PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE
(ARTIGO 5º, LVII DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL). CONSTRANGIMENTO
ILEGAL. ESTADO DE DIREITO E DIREITO DE DEFESA. COMBATE À
CRIMINALIDADE NO ESTADO DE DIREITO. ÉTICA JUDICIAL, NEUTRALIDADE,
INDEPENDÊNCIA E IMPARCIALIDADE DO JUIZ. AFRONTA ÀS GARANTIAS
CONSTITUCIONAIS CONSAGRADAS NO ARTIGO 5º, INCISOS XI, XII E XLV
DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIREITO, DO ACUSADO, DE PERMANECER
CALADO (ARTIGO 5º, LXIII DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL).
CONVERSÃO DE HABEAS CORPUS PREVENTIVO EM HABEAS CORPUS
LIBERATÓRIO. O habeas corpus preventivo diz com o futuro.
Respeita ao temor de futura violação do direito de ir e vir.
Temor que, no caso, decorrendo do conhecimento de notícia
veiculada em jornal de grande circulação, veio a ser
concretizado. Justifica-se a conversão do habeas corpus
preventivo em liberatório em razão da amplitude do pedido inicial
e porque abrange a proteção mediata e imediata do direito de ir e
vir.
SÚMULA 691. EXCEÇÃO. DECISÃO FUNDAMENTADA NA NECESSIDADE,
NO CASO CONCRETO, DE PRONTA ATUAÇÃO DESTA CORTE. Esta Corte tem
abrandado o rigor da Súmula 691/STF nos casos em que (i) seja
premente a necessidade de concessão do provimento cautelar e (ii)
a negativa de liminar pelo tribunal superior importe na
caracterização ou manutenção de situações manifestamente
contrárias ao entendimento do Supremo Tribunal Federal.
PRISÃO
TEMPORÁRIA REVOGADA POR AUSÊNCIA DE SEUS REQUISITOS E PORQUE
CUMPRIDAS AS PROVIDÊNCIAS CAUTELARES DESTINADAS À COLHEITA DE
PROVAS. Prisão temporária que não se justifica em razão da
ausência dos requisitos da Lei n. 7.960/89 e, ainda, porque no
caso foram cumpridas as providências cautelares destinadas à
colheita de provas.
PRISÃO PREVENTIVA: Indeferimento, pelo
Juiz, sob o fundamento de ausência de conduta, do paciente,
necessária ao estabelecimento de nexo de causalidade entre ela e
fatos imputados a outros investigados. Reconsideração com
fundamento em prova nova consistente na apreensão de papéis
apócrifos na residência do paciente. Insuficiência de provas que
se reportam a circunstâncias remotas, dissociadas do contexto
atual.
FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA:
I) CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO
CRIMINAL PARA VIABILIZAR, COM A COLHEITA DE PROVAS, A INSTAURAÇÃO
DA AÇÃO PENAL. Tendo o Juiz da causa autorizado a quebra de
sigilos telefônicos e determinado a realização de inúmeras buscas
e apreensões, com o intuito de viabilizar a eventual instauração
da ação penal, torna-se desnecessária a prisão preventiva do
paciente por conveniência da instrução penal. Medidas que
lograram êxito, cumpriram seu desígnio. Daí que a prisão por esse
fundamento somente seria possível se o magistrado tivesse
explicitado, justificadamente, o prejuízo decorrente da liberdade
do paciente. A não ser assim ter-se-á prisão arbitrária e, por
conseqüência, temerária, autêntica antecipação da pena. O
propalado "suborno" de autoridade policial, a fim de que esta se
abstivesse de investigar determinadas pessoas, à primeira vista
se confunde com os elementos constitutivos do tipo descrito no
art. 333 do Código Penal (corrupção ativa).
II) GARANTIA DA
APLICAÇÃO DA LEI PENAL, FUNDADA NA SITUAÇÃO ECONÔMICA DO
PACIENTE. A prisão cautelar, tendo em conta a capacidade
econômica do paciente e contatos seus no exterior não encontra
ressonância na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, pena
de estabelecer-se, mediante quebra da igualdade (artigo 5º, caput
e inciso I da Constituição do Brasil) distinção entre ricos e
pobres, para o bem e para o mal. Precedentes.
III) GARANTIA DA
ORDEM PÚBLICA, COM ESTEIO EM SUPOSIÇÕES. Mera suposição ---
vocábulo abundantemente utilizado no decreto prisional --- de que
o paciente obstruirá as investigações ou continuará delinqüindo
não autorizam a medida excepcional de constrição prematura da
liberdade de locomoção. Indispensável, também aí, a indicação de
elementos concretos que demonstrassem, cabalmente, a necessidade
da prisão.
IV) PRESERVAÇÃO DA ORDEM ECONÔMICA. No decreto
prisional nada se vê a justificar a prisão cautelar do paciente,
que não há de suportar esse gravame por encontrar-se em situação
econômica privilegiada. As conquistas das classes subalternas,
não se as produz no plano processual penal; outras são as arenas
nas quais devem ser imputadas responsabilidades aos que acumulam
riquezas.
PRISÃO PREVENTIVA COMO ANTECIPAÇÃO DA PENA.
INCONSTITUCIONALIDADE. A prisão preventiva em situações que
vigorosamente não a justifiquem equivale a antecipação da pena,
sanção a ser no futuro eventualmente imposta, a quem a mereça,
mediante sentença transitada em julgado. A afronta ao princípio
da presunção de não culpabilidade, contemplado no plano
constitucional (artigo 5º, LVII da Constituição do Brasil), é,
desde essa perspectiva, evidente. Antes do trânsito em julgado da
sentença condenatória a regra é a liberdade; a prisão, a exceção.
Aquela cede a esta em casos excepcionais. É necessária a
demonstração de situações efetivas que justifiquem o sacrifício
da liberdade individual em prol da viabilidade do
processo.
ESTADO DE DIREITO E DIREITO DE DEFESA. O Estado de
direito viabiliza a preservação das práticas democráticas e,
especialmente, o direito de defesa. Direito a, salvo
circunstâncias excepcionais, não sermos presos senão após a
efetiva comprovação da prática de um crime. Por isso usufruímos a
tranqüilidade que advém da segurança de sabermos que se um irmão,
amigo ou parente próximo vier a ser acusado de ter cometido algo
ilícito, não será arrebatado de nós e submetido a ferros sem
antes se valer de todos os meios de defesa em qualquer
circunstância à disposição de todos. Tranqüilidade que advém de
sabermos que a Constituição do Brasil assegura ao nosso irmão,
amigo ou parente próximo a garantia do habeas corpus, por conta
da qual qualquer violência que os alcance, venha de onde vier,
será coibida.
COMBATE À CRIMINALIDADE NO ESTADO DE DIREITO. O
que caracteriza a sociedade moderna, permitindo o aparecimento do
Estado moderno, é por um lado a divisão do trabalho; por outro a
monopolização da tributação e da violência física. Em nenhuma
sociedade na qual a desordem tenha sido superada admite-se que
todos cumpram as mesmas funções. O combate à criminalidade é
missão típica e privativa da Administração (não do Judiciário),
através da polícia, como se lê nos incisos do artigo 144 da
Constituição, e do Ministério Público, a quem compete,
privativamente, promover a ação penal pública (artigo 129, I).
ÉTICA JUDICIAL, NEUTRALIDADE, INDEPENDÊNCIA E IMPARCIALIDADE
DO JUIZ. A neutralidade impõe que o juiz se mantenha em situação
exterior ao conflito objeto da lide a ser solucionada. O juiz há
de ser estranho ao conflito. A independência é expressão da
atitude do juiz em face de influências provenientes do sistema e
do governo. Permite-lhe tomar não apenas decisões contrárias a
interesses do governo --- quando o exijam a Constituição e a lei
--- mas também impopulares, que a imprensa e a opinião pública
não gostariam que fossem adotadas. A imparcialidade é expressão
da atitude do juiz em face de influências provenientes das partes
nos processos judiciais a ele submetidos. Significa julgar com
ausência absoluta de prevenção a favor ou contra alguma das
partes. Aqui nos colocamos sob a abrangência do princípio da
impessoalidade, que a impõe.
AFRONTA ÀS GARANTIAS
CONSTITUCIONAIS CONSAGRADAS NO ARTIGO 5º, INCISOS XI, XII E XLV
DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. De que vale declarar, a Constituição,
que "a casa é asilo inviolável do indivíduo" (art. 5º, XI) se
moradias são invadidas por policiais munidos de mandados que
consubstanciem verdadeiras cartas brancas, mandados com poderes
de a tudo devassar, só porque o habitante é suspeito de um crime?
Mandados expedidos sem justa causa, isto é sem especificar o que
se deve buscar e sem que a decisão que determina sua expedição
seja precedida de perquirição quanto à possibilidade de adoção de
meio menos gravoso para chegar-se ao mesmo fim. A polícia é
autorizada, largamente, a apreender tudo quanto possa vir a
consubstanciar prova de qualquer crime, objeto ou não da
investigação. Eis aí o que se pode chamar de autêntica "devassa".
Esses mandados ordinariamente autorizam a apreensão de
computadores, nos quais fica indelevelmente gravado tudo quanto
respeite à intimidade das pessoas e possa vir a ser, quando e se
oportuno, no futuro usado contra quem se pretenda atingir. De que
vale a Constituição dizer que "é inviolável o sigilo da
correspondência" (art. 5º, XII) se ela, mesmo eliminada ou
"deletada", é neles encontrada? E a apreensão de toda a sorte de
coisas, o que eventualmente privará a família do acusado da posse
de bens que poderiam ser convertidos em recursos financeiros com
os quais seriam eventualmente enfrentados os tempos amargos que
se seguem a sua prisão. A garantia constitucional da pessoalidade
da pena (art. 5º, XLV) para nada vale quando esses excessos
tornam-se rotineiros.
DIREITO, DO ACUSADO, DE PERMANECER
CALADO (ARTIGO 5º, LXIII DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL). O controle
difuso da constitucionalidade da prisão temporária deverá ser
desenvolvido perquirindo-se necessidade e indispensabilidade da
medida. A primeira indagação a ser feita no curso desse controle
há de ser a seguinte: em que e no que o corpo do suspeito é
necessário à investigação? Exclua-se desde logo a afirmação de
que se prende para ouvir o detido. Pois a Constituição garante a
qualquer um o direito de permanecer calado (art. 5º, LXIII), o
que faz com que a resposta à inquirição investigatória
consubstancie uma faculdade. Ora, não se prende alguém para que
exerça uma faculdade. Sendo a privação da liberdade a mais grave
das constrições que a alguém se pode impor, é imperioso que o
paciente dessa coação tenha a sua disposição alternativa de
evitá-la. Se a investigação reclama a oitiva do suspeito, que a
tanto se o intime e lhe sejam feitas perguntas, respondendo-as o
suspeito se quiser, sem necessidade de prisão.
Ordem
concedida.
Ementa
HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. CORRUPÇÃO
ATIVA. CONVERSÃO DE HC PREVENTIVO EM LIBERATÓRIO E EXCEÇÃO À
SÚMULA 691/STF. PRISÃO TEMPORÁRIA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA DA
PRISÃO PREVENTIVA. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL PARA
VIABILIZAR A INSTAURAÇÃO DA AÇÃO PENAL. GARANTIA DA APLICAÇÃO DA
LEI PENAL FUNDADA NA SITUAÇÃO ECONÔMICA DO PACIENTE. PRESERVAÇÃO
DA ORDEM ECONÔMICA. QUEBRA DA IGUALDADE (ARTIGO 5º, CAPUT E
INCISO I DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL). AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO
CONCRETA DA PRISÃO PREVENTIVA. PRISÃO CAUTELAR COMO ANTECIPAÇÃO
DA PENA. INCONSTITUCIONALIDADE. PRESUNÇÃO DE NÃO CULPABILIDADE
(ARTIGO 5º, LVII DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL). CONSTRANGIMENTO
ILEGAL. ESTADO DE DIREITO E DIREITO DE DEFESA. COMBATE À
CRIMINALIDADE NO ESTADO DE DIREITO. ÉTICA JUDICIAL, NEUTRALIDADE,
INDEPENDÊNCIA E IMPARCIALIDADE DO JUIZ. AFRONTA ÀS GARANTIAS
CONSTITUCIONAIS CONSAGRADAS NO ARTIGO 5º, INCISOS XI, XII E XLV
DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIREITO, DO ACUSADO, DE PERMANECER
CALADO (ARTIGO 5º, LXIII DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL).
CONVERSÃO DE HABEAS CORPUS PREVENTIVO EM HABEAS CORPUS
LIBERATÓRIO. O habeas corpus preventivo diz com o futuro.
Respeita ao temor de futura violação do direito de ir e vir.
Temor que, no caso, decorrendo do conhecimento de notícia
veiculada em jornal de grande circulação, veio a ser
concretizado. Justifica-se a conversão do habeas corpus
preventivo em liberatório em razão da amplitude do pedido inicial
e porque abrange a proteção mediata e imediata do direito de ir e
vir.
SÚMULA 691. EXCEÇÃO. DECISÃO FUNDAMENTADA NA NECESSIDADE,
NO CASO CONCRETO, DE PRONTA ATUAÇÃO DESTA CORTE. Esta Corte tem
abrandado o rigor da Súmula 691/STF nos casos em que (i) seja
premente a necessidade de concessão do provimento cautelar e (ii)
a negativa de liminar pelo tribunal superior importe na
caracterização ou manutenção de situações manifestamente
contrárias ao entendimento do Supremo Tribunal Federal.
PRISÃO
TEMPORÁRIA REVOGADA POR AUSÊNCIA DE SEUS REQUISITOS E PORQUE
CUMPRIDAS AS PROVIDÊNCIAS CAUTELARES DESTINADAS À COLHEITA DE
PROVAS. Prisão temporária que não se justifica em razão da
ausência dos requisitos da Lei n. 7.960/89 e, ainda, porque no
caso foram cumpridas as providências cautelares destinadas à
colheita de provas.
PRISÃO PREVENTIVA: Indeferimento, pelo
Juiz, sob o fundamento de ausência de conduta, do paciente,
necessária ao estabelecimento de nexo de causalidade entre ela e
fatos imputados a outros investigados. Reconsideração com
fundamento em prova nova consistente na apreensão de papéis
apócrifos na residência do paciente. Insuficiência de provas que
se reportam a circunstâncias remotas, dissociadas do contexto
atual.
FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA:
I) CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO
CRIMINAL PARA VIABILIZAR, COM A COLHEITA DE PROVAS, A INSTAURAÇÃO
DA AÇÃO PENAL. Tendo o Juiz da causa autorizado a quebra de
sigilos telefônicos e determinado a realização de inúmeras buscas
e apreensões, com o intuito de viabilizar a eventual instauração
da ação penal, torna-se desnecessária a prisão preventiva do
paciente por conveniência da instrução penal. Medidas que
lograram êxito, cumpriram seu desígnio. Daí que a prisão por esse
fundamento somente seria possível se o magistrado tivesse
explicitado, justificadamente, o prejuízo decorrente da liberdade
do paciente. A não ser assim ter-se-á prisão arbitrária e, por
conseqüência, temerária, autêntica antecipação da pena. O
propalado "suborno" de autoridade policial, a fim de que esta se
abstivesse de investigar determinadas pessoas, à primeira vista
se confunde com os elementos constitutivos do tipo descrito no
art. 333 do Código Penal (corrupção ativa).
II) GARANTIA DA
APLICAÇÃO DA LEI PENAL, FUNDADA NA SITUAÇÃO ECONÔMICA DO
PACIENTE. A prisão cautelar, tendo em conta a capacidade
econômica do paciente e contatos seus no exterior não encontra
ressonância na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, pena
de estabelecer-se, mediante quebra da igualdade (artigo 5º, caput
e inciso I da Constituição do Brasil) distinção entre ricos e
pobres, para o bem e para o mal. Precedentes.
III) GARANTIA DA
ORDEM PÚBLICA, COM ESTEIO EM SUPOSIÇÕES. Mera suposição ---
vocábulo abundantemente utilizado no decreto prisional --- de que
o paciente obstruirá as investigações ou continuará delinqüindo
não autorizam a medida excepcional de constrição prematura da
liberdade de locomoção. Indispensável, também aí, a indicação de
elementos concretos que demonstrassem, cabalmente, a necessidade
da prisão.
IV) PRESERVAÇÃO DA ORDEM ECONÔMICA. No decreto
prisional nada se vê a justificar a prisão cautelar do paciente,
que não há de suportar esse gravame por encontrar-se em situação
econômica privilegiada. As conquistas das classes subalternas,
não se as produz no plano processual penal; outras são as arenas
nas quais devem ser imputadas responsabilidades aos que acumulam
riquezas.
PRISÃO PREVENTIVA COMO ANTECIPAÇÃO DA PENA.
INCONSTITUCIONALIDADE. A prisão preventiva em situações que
vigorosamente não a justifiquem equivale a antecipação da pena,
sanção a ser no futuro eventualmente imposta, a quem a mereça,
mediante sentença transitada em julgado. A afronta ao princípio
da presunção de não culpabilidade, contemplado no plano
constitucional (artigo 5º, LVII da Constituição do Brasil), é,
desde essa perspectiva, evidente. Antes do trânsito em julgado da
sentença condenatória a regra é a liberdade; a prisão, a exceção.
Aquela cede a esta em casos excepcionais. É necessária a
demonstração de situações efetivas que justifiquem o sacrifício
da liberdade individual em prol da viabilidade do
processo.
ESTADO DE DIREITO E DIREITO DE DEFESA. O Estado de
direito viabiliza a preservação das práticas democráticas e,
especialmente, o direito de defesa. Direito a, salvo
circunstâncias excepcionais, não sermos presos senão após a
efetiva comprovação da prática de um crime. Por isso usufruímos a
tranqüilidade que advém da segurança de sabermos que se um irmão,
amigo ou parente próximo vier a ser acusado de ter cometido algo
ilícito, não será arrebatado de nós e submetido a ferros sem
antes se valer de todos os meios de defesa em qualquer
circunstância à disposição de todos. Tranqüilidade que advém de
sabermos que a Constituição do Brasil assegura ao nosso irmão,
amigo ou parente próximo a garantia do habeas corpus, por conta
da qual qualquer violência que os alcance, venha de onde vier,
será coibida.
COMBATE À CRIMINALIDADE NO ESTADO DE DIREITO. O
que caracteriza a sociedade moderna, permitindo o aparecimento do
Estado moderno, é por um lado a divisão do trabalho; por outro a
monopolização da tributação e da violência física. Em nenhuma
sociedade na qual a desordem tenha sido superada admite-se que
todos cumpram as mesmas funções. O combate à criminalidade é
missão típica e privativa da Administração (não do Judiciário),
através da polícia, como se lê nos incisos do artigo 144 da
Constituição, e do Ministério Público, a quem compete,
privativamente, promover a ação penal pública (artigo 129, I).
ÉTICA JUDICIAL, NEUTRALIDADE, INDEPENDÊNCIA E IMPARCIALIDADE
DO JUIZ. A neutralidade impõe que o juiz se mantenha em situação
exterior ao conflito objeto da lide a ser solucionada. O juiz há
de ser estranho ao conflito. A independência é expressão da
atitude do juiz em face de influências provenientes do sistema e
do governo. Permite-lhe tomar não apenas decisões contrárias a
interesses do governo --- quando o exijam a Constituição e a lei
--- mas também impopulares, que a imprensa e a opinião pública
não gostariam que fossem adotadas. A imparcialidade é expressão
da atitude do juiz em face de influências provenientes das partes
nos processos judiciais a ele submetidos. Significa julgar com
ausência absoluta de prevenção a favor ou contra alguma das
partes. Aqui nos colocamos sob a abrangência do princípio da
impessoalidade, que a impõe.
AFRONTA ÀS GARANTIAS
CONSTITUCIONAIS CONSAGRADAS NO ARTIGO 5º, INCISOS XI, XII E XLV
DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. De que vale declarar, a Constituição,
que "a casa é asilo inviolável do indivíduo" (art. 5º, XI) se
moradias são invadidas por policiais munidos de mandados que
consubstanciem verdadeiras cartas brancas, mandados com poderes
de a tudo devassar, só porque o habitante é suspeito de um crime?
Mandados expedidos sem justa causa, isto é sem especificar o que
se deve buscar e sem que a decisão que determina sua expedição
seja precedida de perquirição quanto à possibilidade de adoção de
meio menos gravoso para chegar-se ao mesmo fim. A polícia é
autorizada, largamente, a apreender tudo quanto possa vir a
consubstanciar prova de qualquer crime, objeto ou não da
investigação. Eis aí o que se pode chamar de autêntica "devassa".
Esses mandados ordinariamente autorizam a apreensão de
computadores, nos quais fica indelevelmente gravado tudo quanto
respeite à intimidade das pessoas e possa vir a ser, quando e se
oportuno, no futuro usado contra quem se pretenda atingir. De que
vale a Constituição dizer que "é inviolável o sigilo da
correspondência" (art. 5º, XII) se ela, mesmo eliminada ou
"deletada", é neles encontrada? E a apreensão de toda a sorte de
coisas, o que eventualmente privará a família do acusado da posse
de bens que poderiam ser convertidos em recursos financeiros com
os quais seriam eventualmente enfrentados os tempos amargos que
se seguem a sua prisão. A garantia constitucional da pessoalidade
da pena (art. 5º, XLV) para nada vale quando esses excessos
tornam-se rotineiros.
DIREITO, DO ACUSADO, DE PERMANECER
CALADO (ARTIGO 5º, LXIII DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL). O controle
difuso da constitucionalidade da prisão temporária deverá ser
desenvolvido perquirindo-se necessidade e indispensabilidade da
medida. A primeira indagação a ser feita no curso desse controle
há de ser a seguinte: em que e no que o corpo do suspeito é
necessário à investigação? Exclua-se desde logo a afirmação de
que se prende para ouvir o detido. Pois a Constituição garante a
qualquer um o direito de permanecer calado (art. 5º, LXIII), o
que faz com que a resposta à inquirição investigatória
consubstancie uma faculdade. Ora, não se prende alguém para que
exerça uma faculdade. Sendo a privação da liberdade a mais grave
das constrições que a alguém se pode impor, é imperioso que o
paciente dessa coação tenha a sua disposição alternativa de
evitá-la. Se a investigação reclama a oitiva do suspeito, que a
tanto se o intime e lhe sejam feitas perguntas, respondendo-as o
suspeito se quiser, sem necessidade de prisão.
Ordem
concedida.Decisão
Preliminarmente, o Tribunal conheceu do habeas corpus,
vencido em parte o Senhor Ministro Marco Aurélio, que também
superava a Súmula 691 mas averbava a prejudicialidade quanto à
prisão preventiva. No mérito, o Tribunal concedeu o habeas corpus,
nos termos do voto do Relator, vencido parcialmente o Senhor
Ministro Marco Aurélio. Votou o Presidente, Ministro Gilmar
Mendes. Ausente, justificadamente, porque em representação do
Tribunal Superior Eleitoral no exterior, o Senhor Ministro
Joaquim Barbosa. Falaram, pelos pacientes, o Dr. Nélio Roberto
Seidl Machado e o Dr. Alberto Pavie Ribeiro e, pelo Ministério
Público Federal, o Procurador-Geral da República, Dr. Antônio
Fernando Barros e Silva de Souza. Plenário, 06.11.2008.
Data do Julgamento
:
06/11/2008
Data da Publicação
:
DJe-241 DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-06 PP-01275 RTJ VOL-00208-02 PP-00640
Órgão Julgador
:
Tribunal Pleno
Relator(a)
:
Min. EROS GRAU
Parte(s)
:
PACTE.(S): DANIEL VALENTE DANTAS
PACTE.(S): VERÔNICA VALENTE DANTAS
IMPTE.(S): NÉLIO ROBERTO SEIDL MACHADO E OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES): RELATOR DO HC Nº 107.514 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA
Mostrar discussão