STF HC 95464 / SP - SÃO PAULO HABEAS CORPUS
E M E N T A: "HABEAS CORPUS" - PROCESSO PENAL - PRISÃO CAUTELAR -
EXCESSO DE PRAZO - INADMISSIBILIDADE - OFENSA AO POSTULADO
CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (CF, ART. 1º, III) -
TRANSGRESSÃO À GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (CF, ART. 5º,
LIV) - CARÁTER EXTRAORDINÁRIO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE
INDIVIDUAL - UTILIZAÇÃO, PELO MAGISTRADO, DE CRITÉRIOS
INCOMPATÍVEIS COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL -
SITUAÇÃO DE INJUSTO CONSTRANGIMENTO CONFIGURADA - PEDIDO
DEFERIDO.
O EXCESSO DE PRAZO NÃO PODE SER TOLERADO,
IMPONDO-SE, AO PODER JUDICIÁRIO, EM OBSÉQUIO AOS PRINCÍPIOS
CONSAGRADOS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, O IMEDIATO RELAXAMENTO
DA PRISÃO CAUTELAR DO INDICIADO OU DO RÉU.
- Nada pode
justificar a permanência de uma pessoa na prisão, sem culpa
formada, quando configurado excesso irrazoável no tempo de sua
segregação cautelar (RTJ 137/287 - RTJ 157/633 - RTJ 180/262-264
- RTJ 187/933-934), considerada a excepcionalidade de que se
reveste, em nosso sistema jurídico, a prisão meramente processual
do indiciado ou do réu.
- O excesso de prazo, quando
exclusivamente imputável ao aparelho judiciário - não derivando,
portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente
atribuível ao réu - traduz situação anômala que compromete a
efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo
estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que
assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem
dilações indevidas (CF, art. 5º, LXXVIII) e com todas as
garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional, inclusive
a de não sofrer o arbítrio da coerção estatal representado pela
privação cautelar da liberdade por tempo irrazoável ou superior
àquele estabelecido em lei.
- A duração prolongada, abusiva e
irrazoável da prisão cautelar de alguém ofende, de modo frontal,
o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa -
considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º,
III) - significativo vetor interpretativo, verdadeiro
valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento
constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo
expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a
ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de
direito constitucional positivo. Constituição Federal (Art. 5º,
incisos LIV e LXXVIII). EC 45/2004. Convenção Americana sobre
Direitos Humanos (Art. 7º, ns. 5 e 6). Doutrina.
Jurisprudência.
- O indiciado e o réu, quando configurado
excesso irrazoável na duração de sua prisão cautelar, não podem
permanecer expostos a tal situação de evidente abusividade, sob
pena de o instrumento processual da tutela cautelar penal
transmudar-se, mediante subversão dos fins que o legitimam, em
inaceitável (e inconstitucional) meio de antecipação executória
da própria sanção penal. Precedentes.
A PRISÃO CAUTELAR
CONSTITUI MEDIDA DE NATUREZA EXCEPCIONAL.
- A privação
cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter
excepcional, somente devendo ser decretada em situações de
absoluta necessidade.
A prisão decorrente de decisão de
pronúncia, para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico,
impõe - além da satisfação dos pressupostos a que se refere o
art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e presença
de indícios suficientes de autoria) - que se evidenciem, com
fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da
imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de
privação da liberdade do indiciado ou do réu.
- A questão da
decretabilidade da prisão cautelar. Possibilidade excepcional,
desde que satisfeitos os requisitos mencionados no art. 312 do
CPP. Necessidade da verificação concreta, em cada caso, da
imprescindibilidade da adoção dessa medida extraordinária.
Precedentes.
A PRISÃO CAUTELAR NÃO PODE SER UTILIZADA COMO
INSTRUMENTO DE PUNIÇÃO ANTECIPADA DO INDICIADO OU DO RÉU.
- A
prisão cautelar não pode - e não deve - ser utilizada, pelo Poder
Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se
imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro,
fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da
liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável
com condenações sem defesa prévia.
A prisão decorrente de
decisão de pronúncia - que não deve ser confundida com a prisão
penal - não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua
decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe
é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal
desenvolvida no processo penal.
A GRAVIDADE EM ABSTRATO DO
CRIME NÃO CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA
LIBERDADE.
- A natureza da infração penal não constitui, só
por si, fundamento justificador da decretação da prisão cautelar
daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado.
Precedentes.
AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, NO CASO, DA
NECESSIDADE CONCRETA DE DECRETAR-SE A PRISÃO CAUTELAR DO
PACIENTE.
- Sem que se caracterize situação de real
necessidade, não se legitima a privação cautelar da liberdade
individual do indiciado ou do réu. Ausentes razões de necessidade,
revela-se incabível, ante a sua excepcionalidade, a decretação
ou a subsistência da prisão meramente processual.
PRISÃO
CAUTELAR E POSSIBILIDADE DE EVASÃO DO DISTRITO DA CULPA.
- A
mera possibilidade de evasão do distrito da culpa - seja para
evitar a configuração do estado de flagrância, seja, ainda, para
questionar a legalidade e/ou a validade da própria decisão de
custódia cautelar - não basta, só por si, para justificar a
decretação ou a manutenção da medida excepcional de privação
cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu.
- A
prisão cautelar - qualquer que seja a modalidade que ostente no
ordenamento positivo brasileiro (prisão em flagrante, prisão
temporária, prisão preventiva, prisão decorrente de decisão de
pronúncia ou prisão motivada por condenação penal recorrível)
-somente se legitima, se se comprovar, com apoio em base empírica
idônea, a real necessidade da adoção, pelo Estado, dessa
extraordinária medida de constrição do "status libertatis" do
indiciado ou do réu. Precedentes.
Ementa
E M E N T A: "HABEAS CORPUS" - PROCESSO PENAL - PRISÃO CAUTELAR -
EXCESSO DE PRAZO - INADMISSIBILIDADE - OFENSA AO POSTULADO
CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (CF, ART. 1º, III) -
TRANSGRESSÃO À GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (CF, ART. 5º,
LIV) - CARÁTER EXTRAORDINÁRIO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE
INDIVIDUAL - UTILIZAÇÃO, PELO MAGISTRADO, DE CRITÉRIOS
INCOMPATÍVEIS COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL -
SITUAÇÃO DE INJUSTO CONSTRANGIMENTO CONFIGURADA - PEDIDO
DEFERIDO.
O EXCESSO DE PRAZO NÃO PODE SER TOLERADO,
IMPONDO-SE, AO PODER JUDICIÁRIO, EM OBSÉQUIO AOS PRINCÍPIOS
CONSAGRADOS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, O IMEDIATO RELAXAMENTO
DA PRISÃO CAUTELAR DO INDICIADO OU DO RÉU.
- Nada pode
justificar a permanência de uma pessoa na prisão, sem culpa
formada, quando configurado excesso irrazoável no tempo de sua
segregação cautelar (RTJ 137/287 - RTJ 157/633 - RTJ 180/262-264
- RTJ 187/933-934), considerada a excepcionalidade de que se
reveste, em nosso sistema jurídico, a prisão meramente processual
do indiciado ou do réu.
- O excesso de prazo, quando
exclusivamente imputável ao aparelho judiciário - não derivando,
portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente
atribuível ao réu - traduz situação anômala que compromete a
efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo
estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que
assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem
dilações indevidas (CF, art. 5º, LXXVIII) e com todas as
garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional, inclusive
a de não sofrer o arbítrio da coerção estatal representado pela
privação cautelar da liberdade por tempo irrazoável ou superior
àquele estabelecido em lei.
- A duração prolongada, abusiva e
irrazoável da prisão cautelar de alguém ofende, de modo frontal,
o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa -
considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º,
III) - significativo vetor interpretativo, verdadeiro
valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento
constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo
expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a
ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de
direito constitucional positivo. Constituição Federal (Art. 5º,
incisos LIV e LXXVIII). EC 45/2004. Convenção Americana sobre
Direitos Humanos (Art. 7º, ns. 5 e 6). Doutrina.
Jurisprudência.
- O indiciado e o réu, quando configurado
excesso irrazoável na duração de sua prisão cautelar, não podem
permanecer expostos a tal situação de evidente abusividade, sob
pena de o instrumento processual da tutela cautelar penal
transmudar-se, mediante subversão dos fins que o legitimam, em
inaceitável (e inconstitucional) meio de antecipação executória
da própria sanção penal. Precedentes.
A PRISÃO CAUTELAR
CONSTITUI MEDIDA DE NATUREZA EXCEPCIONAL.
- A privação
cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter
excepcional, somente devendo ser decretada em situações de
absoluta necessidade.
A prisão decorrente de decisão de
pronúncia, para legitimar-se em face de nosso sistema jurídico,
impõe - além da satisfação dos pressupostos a que se refere o
art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e presença
de indícios suficientes de autoria) - que se evidenciem, com
fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da
imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de
privação da liberdade do indiciado ou do réu.
- A questão da
decretabilidade da prisão cautelar. Possibilidade excepcional,
desde que satisfeitos os requisitos mencionados no art. 312 do
CPP. Necessidade da verificação concreta, em cada caso, da
imprescindibilidade da adoção dessa medida extraordinária.
Precedentes.
A PRISÃO CAUTELAR NÃO PODE SER UTILIZADA COMO
INSTRUMENTO DE PUNIÇÃO ANTECIPADA DO INDICIADO OU DO RÉU.
- A
prisão cautelar não pode - e não deve - ser utilizada, pelo Poder
Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se
imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro,
fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da
liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável
com condenações sem defesa prévia.
A prisão decorrente de
decisão de pronúncia - que não deve ser confundida com a prisão
penal - não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua
decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe
é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal
desenvolvida no processo penal.
A GRAVIDADE EM ABSTRATO DO
CRIME NÃO CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA
LIBERDADE.
- A natureza da infração penal não constitui, só
por si, fundamento justificador da decretação da prisão cautelar
daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado.
Precedentes.
AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, NO CASO, DA
NECESSIDADE CONCRETA DE DECRETAR-SE A PRISÃO CAUTELAR DO
PACIENTE.
- Sem que se caracterize situação de real
necessidade, não se legitima a privação cautelar da liberdade
individual do indiciado ou do réu. Ausentes razões de necessidade,
revela-se incabível, ante a sua excepcionalidade, a decretação
ou a subsistência da prisão meramente processual.
PRISÃO
CAUTELAR E POSSIBILIDADE DE EVASÃO DO DISTRITO DA CULPA.
- A
mera possibilidade de evasão do distrito da culpa - seja para
evitar a configuração do estado de flagrância, seja, ainda, para
questionar a legalidade e/ou a validade da própria decisão de
custódia cautelar - não basta, só por si, para justificar a
decretação ou a manutenção da medida excepcional de privação
cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu.
- A
prisão cautelar - qualquer que seja a modalidade que ostente no
ordenamento positivo brasileiro (prisão em flagrante, prisão
temporária, prisão preventiva, prisão decorrente de decisão de
pronúncia ou prisão motivada por condenação penal recorrível)
-somente se legitima, se se comprovar, com apoio em base empírica
idônea, a real necessidade da adoção, pelo Estado, dessa
extraordinária medida de constrição do "status libertatis" do
indiciado ou do réu. Precedentes.Decisão
A Turma, por maioria, vencida a Senhora Ministra Ellen
Gracie, concedeu a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do
Relator. 2ª Turma, 03.02.2009.
Data do Julgamento
:
03/02/2009
Data da Publicação
:
DJe-048 DIVULG 12-03-2009 PUBLIC 13-03-2009 EMENT VOL-02352-03 PP-00466 RTJ VOL-00209-01 PP-00323
Órgão Julgador
:
Segunda Turma
Relator(a)
:
Min. CELSO DE MELLO
Parte(s)
:
PACTE.(S): CLAUDINEI DAMASCENA SANTOS DE JESUS OU CLAUDINEI
DAMASCENA DE JESUS
IMPTE.(S): VAGNER DA COSTA E OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Referência legislativa
:
LEG-FED CF ANO-1988
ART-00001 INC-00003 ART-00005 INC-00054
INC-00078
CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL
LEG-FED EMC-000045 ANO-2004
EMENDA CONSTITUCIONAL
LEG-FED DEL-003689 ANO-1941
ART-00312 ART-00648 INC-00002
CPP-1941 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
LEG-INT CVC ANO-1969
ART-00007 Nº 5 N º 6
PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA
CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE OS DIREITOS HUMANOS
ASSINADA EM SÃO JOSÉ DA COSTA RICA, OEA
Observação
:
- Acórdãos citados: HC 68726, RHC 71954, HC 83943, HC 89501, HC 93883;
RTJ 64/77, RTJ 93/1021, RTJ 128/652, RTJ 133/280, RTJ 134/798, RTJ
137/287, RTJ 138/216, RTJ 142/855, RTJ 142/878, RTJ 148/429, RTJ
157/633, RTJ 172/184, RTJ 175/715, RTJ 178/276, RTJ 180/262, RTJ
182/601, RTJ 187/933, RTJ 195/212, RTJ 196/306.
Número de páginas: 25
Análise: 26/04/2009, CLM.
Revisão: 30/03/2009, JBM.
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