STF HC 95515 / RJ - RIO DE JANEIRO HABEAS CORPUS
DIREITO PROCESSUAL PENAL E DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. INÉPCIA DA
DENÚNCIA E FALTA DE JUSTA CAUSA. CONCLUSÕES DA CVM E DA
SECRETARIA DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. CRIMES CONTRA O SISTEMA
FINANCEIRO NACIONAL. DENEGAÇÃO.
1. A questão controvertida
nestes autos consiste na possível nulidade da decisão que recebeu
a denúncia oferecida contra o paciente, por ausência de justa
causa para a deflagração da ação penal, bem como em razão da
inépcia da exordial (alegação de atipicidade das condutas
narradas).
2. A principal tese do impetrante diz respeito às
conclusões da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da
Secretaria de Previdência Complementar que, segundo a inicial,
seriam favoráveis ao reconhecimento da licitude das operações
consistentes na aquisição de títulos e valores mobiliários da
INEPAR pela PREVI - Caixa de Previdência dos Funcionários do
Banco do Brasil.
3. Observo que a questão foi bastante
debatida por ocasião do julgamento dos embargos de declaração no
âmbito do Superior Tribunal de Justiça, ocasião em que saiu
vencedora a tese da necessidade de se aprofundar a produção dos
meios de prova no bojo da ação penal para que seja possível a
avaliação da ocorrência (ou não) de crime contra o sistema
financeiro nacional.
4. Em se tratando de habeas corpus,
remédio constitucional que se notabiliza pela celeridade e,
consequentemente, pela insuscetibilidade de exame aprofundado de
provas, é imperioso o reconhecimento da necessidade do
desenvolvimento do processo penal para melhor esclarecimento dos
pontos controvertidos, inclusive do contexto em que se deu a
alegada aprovação das operações realizadas pela PREVI, por parte
dos órgãos públicos competentes (Secretaria de Previdência
Complementar e Comissão de Valores Mobiliários).
5. Vários
dos aspectos fáticos foram expressamente narrados na denúncia, o
que faz presumir a existência de elementos mínimos de prova
colhidos durante o inquérito judicial referente à ocorrência dos
fatos narrados, para autorizar o órgão do Ministério Público a
deduzir a pretensão punitiva através do oferecimento da denúncia.
As dúvidas e eventuais perplexidades relacionadas à aprovação das
operações pela CVM e pela Secretaria de Previdência Complementar
poderão - e deverão - ser objeto de aprofundado exame no curso da
ação penal, mas não cabe a esta Corte reconhecer a existência de
constrangimento ilegal quando há duas versões perfeitamente
possíveis relacionadas aos fatos narrados na exordial.
6. O
tipo penal contido no art. 4 , da Lei n 7.492/86, consiste em
crime de perigo, não sendo necessária a produção de resultado
naturalístico em razão da gestão fraudulenta. É relevante, para a
verificação da adequação típica, que haja conduta fraudulenta do
gestor da instituição financeira (ou a ela equiparada), eis que a
objetividade jurídica do tipo se relaciona à proteção da
transparência, da lisura, da honradez, da licitude na atividade
de gestão das instituições financeiras.
7. Exige-se que o
administrador cuide da higidez financeira da instituição
financeira que, por sua vez, se encontra inserida no Sistema
Financeiro Nacional, daí a preocupação em coibir e proibir a
gestão fraudulenta, pois do contrário há sério risco de
funcionamento de todo o sistema financeiro. Assim, o bem jurídico
protegido pela norma contida no art. 4 , da Lei n 7.492/86, é
também a saúde financeira da instituição financeira. A
repercussão da ruína de uma instituição financeira, de maneira
negativa em relação às outras instituições, caracteriza o crime
de perigo.
8. Em não se tratando de crime de dano, a figura
típica da gestão fraudulenta de instituição financeira não exige
a efetiva lesão ao Sistema Financeiro Nacional, sendo irrelevante
se houve (ou não) repercussão concreta das operações realizadas
na estabilidade do Sistema Financeiro Nacional.
9. A fraude,
no âmbito da compreensão do tipo penal previsto no art. 4 , da
Lei n 7.492/86, compreende a ação realizada de má-fé, com
intuito de enganar, iludir, produzindo resultado não amparado
pelo ordenamento jurídico através de expedientes ardilosos. A
gestão fraudulenta se configura pela ação do agente de praticar
atos de direção, administração ou gerência, mediante o emprego de
ardis e artifícios, com o intuito de obter vantagem indevida.
10. Não há que se cogitar que a denúncia atribui ao paciente
apenas a prática de um ato isolado. A denúncia descreve toda a
operação que redundou na aprovação dos empréstimos supostamente
dissimulados à empresa INEPAR. Houve vários atos consistentes na
gestão fraudulenta.
11. A tese da atipicidade das condutas não
merece acolhimento. A questão consistente na aferição acerca dos
atos do paciente terem sido integrantes dos tipos penais
previstos nos arts. 4°, 6° e 16, todos da Lei n° 7.492/86, ou
consistirem meramente atos de exaurimento, com efeito, depende de
instrução probatória, não cabendo ser avaliada em sede de habeas
corpus que, como se sabe, apresenta restrição quanto ao alcance
da matéria cogniscível.
12. Há clara narração de atos
concretos relacionados à prática das condutas previstas nos tipos
penais acima referidos. Foram atendidos os requisitos exigidos
do art. 41, do Código de Processo Penal. Os fatos e suas
circunstâncias foram descritos na denúncia, com expressa
indicação da suposta ilicitude na conduta do paciente,
proporcionando-lhe o exercício do direito de defesa, em
atendimento às exigências do CPP.
13. Os fundos de pensão,
como é o exemplo da PREVI, podem ser considerados instituições
financeiras por equiparação, por exercerem atividades de captação
e administração de recursos de terceiros, conforme previsão
contida no art. 1°, parágrafo único, I, da Lei n° 7.492/86.
Deve-se focar na espécie de atividade realizada pelo fundo de
pensão, daí a equiparação que é apresentada na própria lei.
14.
Habeas corpus denegado.
Ementa
DIREITO PROCESSUAL PENAL E DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. INÉPCIA DA
DENÚNCIA E FALTA DE JUSTA CAUSA. CONCLUSÕES DA CVM E DA
SECRETARIA DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. CRIMES CONTRA O SISTEMA
FINANCEIRO NACIONAL. DENEGAÇÃO.
1. A questão controvertida
nestes autos consiste na possível nulidade da decisão que recebeu
a denúncia oferecida contra o paciente, por ausência de justa
causa para a deflagração da ação penal, bem como em razão da
inépcia da exordial (alegação de atipicidade das condutas
narradas).
2. A principal tese do impetrante diz respeito às
conclusões da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da
Secretaria de Previdência Complementar que, segundo a inicial,
seriam favoráveis ao reconhecimento da licitude das operações
consistentes na aquisição de títulos e valores mobiliários da
INEPAR pela PREVI - Caixa de Previdência dos Funcionários do
Banco do Brasil.
3. Observo que a questão foi bastante
debatida por ocasião do julgamento dos embargos de declaração no
âmbito do Superior Tribunal de Justiça, ocasião em que saiu
vencedora a tese da necessidade de se aprofundar a produção dos
meios de prova no bojo da ação penal para que seja possível a
avaliação da ocorrência (ou não) de crime contra o sistema
financeiro nacional.
4. Em se tratando de habeas corpus,
remédio constitucional que se notabiliza pela celeridade e,
consequentemente, pela insuscetibilidade de exame aprofundado de
provas, é imperioso o reconhecimento da necessidade do
desenvolvimento do processo penal para melhor esclarecimento dos
pontos controvertidos, inclusive do contexto em que se deu a
alegada aprovação das operações realizadas pela PREVI, por parte
dos órgãos públicos competentes (Secretaria de Previdência
Complementar e Comissão de Valores Mobiliários).
5. Vários
dos aspectos fáticos foram expressamente narrados na denúncia, o
que faz presumir a existência de elementos mínimos de prova
colhidos durante o inquérito judicial referente à ocorrência dos
fatos narrados, para autorizar o órgão do Ministério Público a
deduzir a pretensão punitiva através do oferecimento da denúncia.
As dúvidas e eventuais perplexidades relacionadas à aprovação das
operações pela CVM e pela Secretaria de Previdência Complementar
poderão - e deverão - ser objeto de aprofundado exame no curso da
ação penal, mas não cabe a esta Corte reconhecer a existência de
constrangimento ilegal quando há duas versões perfeitamente
possíveis relacionadas aos fatos narrados na exordial.
6. O
tipo penal contido no art. 4 , da Lei n 7.492/86, consiste em
crime de perigo, não sendo necessária a produção de resultado
naturalístico em razão da gestão fraudulenta. É relevante, para a
verificação da adequação típica, que haja conduta fraudulenta do
gestor da instituição financeira (ou a ela equiparada), eis que a
objetividade jurídica do tipo se relaciona à proteção da
transparência, da lisura, da honradez, da licitude na atividade
de gestão das instituições financeiras.
7. Exige-se que o
administrador cuide da higidez financeira da instituição
financeira que, por sua vez, se encontra inserida no Sistema
Financeiro Nacional, daí a preocupação em coibir e proibir a
gestão fraudulenta, pois do contrário há sério risco de
funcionamento de todo o sistema financeiro. Assim, o bem jurídico
protegido pela norma contida no art. 4 , da Lei n 7.492/86, é
também a saúde financeira da instituição financeira. A
repercussão da ruína de uma instituição financeira, de maneira
negativa em relação às outras instituições, caracteriza o crime
de perigo.
8. Em não se tratando de crime de dano, a figura
típica da gestão fraudulenta de instituição financeira não exige
a efetiva lesão ao Sistema Financeiro Nacional, sendo irrelevante
se houve (ou não) repercussão concreta das operações realizadas
na estabilidade do Sistema Financeiro Nacional.
9. A fraude,
no âmbito da compreensão do tipo penal previsto no art. 4 , da
Lei n 7.492/86, compreende a ação realizada de má-fé, com
intuito de enganar, iludir, produzindo resultado não amparado
pelo ordenamento jurídico através de expedientes ardilosos. A
gestão fraudulenta se configura pela ação do agente de praticar
atos de direção, administração ou gerência, mediante o emprego de
ardis e artifícios, com o intuito de obter vantagem indevida.
10. Não há que se cogitar que a denúncia atribui ao paciente
apenas a prática de um ato isolado. A denúncia descreve toda a
operação que redundou na aprovação dos empréstimos supostamente
dissimulados à empresa INEPAR. Houve vários atos consistentes na
gestão fraudulenta.
11. A tese da atipicidade das condutas não
merece acolhimento. A questão consistente na aferição acerca dos
atos do paciente terem sido integrantes dos tipos penais
previstos nos arts. 4°, 6° e 16, todos da Lei n° 7.492/86, ou
consistirem meramente atos de exaurimento, com efeito, depende de
instrução probatória, não cabendo ser avaliada em sede de habeas
corpus que, como se sabe, apresenta restrição quanto ao alcance
da matéria cogniscível.
12. Há clara narração de atos
concretos relacionados à prática das condutas previstas nos tipos
penais acima referidos. Foram atendidos os requisitos exigidos
do art. 41, do Código de Processo Penal. Os fatos e suas
circunstâncias foram descritos na denúncia, com expressa
indicação da suposta ilicitude na conduta do paciente,
proporcionando-lhe o exercício do direito de defesa, em
atendimento às exigências do CPP.
13. Os fundos de pensão,
como é o exemplo da PREVI, podem ser considerados instituições
financeiras por equiparação, por exercerem atividades de captação
e administração de recursos de terceiros, conforme previsão
contida no art. 1°, parágrafo único, I, da Lei n° 7.492/86.
Deve-se focar na espécie de atividade realizada pelo fundo de
pensão, daí a equiparação que é apresentada na própria lei.
14.
Habeas corpus denegado.Decisão
A Turma, por votação unânime, indeferiu o pedido de habeas
corpus e revogou a medida cautelar anteriormente deferida, nos
termos do voto da Relatora. Falou, pelo paciente, o Dr. Antonio
Carlos Rosa. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o
Senhor Ministro Joaquim Barbosa. 2ª Turma, 30.09.2008.
Data do Julgamento
:
30/09/2008
Data da Publicação
:
DJe-202 DIVULG 23-10-2008 PUBLIC 24-10-2008 EMENT VOL-02338-04 PP-00758
Órgão Julgador
:
Segunda Turma
Relator(a)
:
Min. ELLEN GRACIE
Parte(s)
:
PACTE.(S): DERCI ALCÂNTARA
IMPTE.(S): BANCO DO BRASIL S/A
ADV.(A/S): ANTONIO PEDRO DA SILVA MACHADO E OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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