STF MS 23452 / RJ - RIO DE JANEIRO MANDADO DE SEGURANÇA
E M E N T A: COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - PODERES DE
INVESTIGAÇÃO (CF, ART. 58, §3º) - LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS -
LEGITIMIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL - POSSIBILIDADE DE A CPI
ORDENAR, POR AUTORIDADE PRÓPRIA, A QUEBRA DOS SIGILOS BANCÁRIO,
FISCAL E TELEFÔNICO - NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DO ATO
DELIBERATIVO - DELIBERAÇÃO DA CPI QUE, SEM FUNDAMENTAÇÃO, ORDENOU
MEDIDAS DE RESTRIÇÃO A DIREITOS - MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO.
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
- Compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar,
em sede originária, mandados de segurança e habeas corpus impetrados
contra Comissões Parlamentares de Inquérito constituídas no âmbito
do Congresso Nacional ou no de qualquer de suas Casas.
É que a Comissão Parlamentar de Inquérito, enquanto
projeção orgânica do Poder Legislativo da União, nada mais é senão a
longa manus do próprio Congresso Nacional ou das Casas que o
compõem, sujeitando-se, em conseqüência, em tema de mandado de
segurança ou de habeas corpus, ao controle jurisdicional originário
do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, I, "d" e "i").
Precedentes.
O CONTROLE JURISDICIONAL DE ABUSOS PRATICADOS POR COMISSÃO
PARLAMENTAR DE INQUÉRITO NÃO OFENDE O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE
PODERES.
- A essência do postulado da divisão funcional do poder,
além de derivar da necessidade de conter os excessos dos órgãos que
compõem o aparelho de Estado, representa o princípio conservador das
liberdades do cidadão e constitui o meio mais adequado para tornar
efetivos e reais os direitos e garantias proclamados pela
Constituição.
Esse princípio, que tem assento no art. 2º da Carta
Política, não pode constituir e nem qualificar-se como um
inaceitável manto protetor de comportamentos abusivos e arbitrários,
por parte de qualquer agente do Poder Público ou de qualquer
instituição estatal.
- O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as
franquias constitucionais e para garantir a integridade e a
supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente
legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da
República.
O regular exercício da função jurisdicional, por isso
mesmo, desde que pautado pelo respeito à Constituição, não
transgride o princípio da separação de poderes.
Desse modo, não se revela lícito afirmar, na hipótese de
desvios jurídico-constitucionais nas quais incida uma Comissão
Parlamentar de Inquérito, que o exercício da atividade de controle
jurisdicional possa traduzir situação de ilegítima interferência na
esfera de outro Poder da República.
O CONTROLE DO PODER CONSTITUI UMA EXIGÊNCIA DE ORDEM
POLÍTICO-JURÍDICA ESSENCIAL AO REGIME DEMOCRÁTICO.
- O sistema constitucional brasileiro, ao consagrar o
princípio da limitação de poderes, teve por objetivo instituir
modelo destinado a impedir a formação de instâncias hegemônicas de
poder no âmbito do Estado, em ordem a neutralizar, no plano
político-jurídico, a possibilidade de dominação institucional de
qualquer dos Poderes da República sobre os demais órgãos da
soberania nacional.
Com a finalidade de obstar que o exercício abusivo das
prerrogativas estatais possa conduzir a práticas que transgridam o
regime das liberdades públicas e que sufoquem, pela opressão do
poder, os direitos e garantias individuais, atribuiu-se, ao Poder
Judiciário, a função eminente de controlar os excessos cometidos por
qualquer das esferas governamentais, inclusive aqueles praticados
por Comissão Parlamentar de Inquérito, quando incidir em abuso de
poder ou em desvios inconstitucionais, no desempenho de sua
competência investigatória.
OS PODERES DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO, EMBORA
AMPLOS, NÃO SÃO ILIMITADOS E NEM ABSOLUTOS.
- Nenhum dos Poderes da República está acima da
Constituição. No regime político que consagra o Estado democrático
de direito, os atos emanados de qualquer Comissão Parlamentar de
Inquérito, quando praticados com desrespeito à Lei Fundamental,
submetem-se ao controle jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV).
As Comissões Parlamentares de Inquérito não têm mais
poderes do que aqueles que lhes são outorgados pela Constituição e
pelas leis da República.
É essencial reconhecer que os poderes das Comissões
Parlamentares de Inquérito - precisamente porque não são absolutos -
sofrem as restrições impostas pela Constituição da República e
encontram limite nos direitos fundamentais do cidadão, que só podem
ser afetados nas hipóteses e na forma que a Carta Política
estabelecer. Doutrina. Precedentes.
LIMITAÇÕES AOS PODERES INVESTIGATÓRIOS DA COMISSÃO
PARLAMENTAR DE INQUÉRITO.
- A Constituição da República, ao outorgar às Comissões
Parlamentares de Inquérito "poderes de investigação próprios das
autoridades judiciais" (art. 58, § 3º), claramente delimitou a
natureza de suas atribuições institucionais, restringindo-as,
unicamente, ao campo da indagação probatória, com absoluta exclusão
de quaisquer outras prerrogativas que se incluem, ordinariamente, na
esfera de competência dos magistrados e Tribunais, inclusive aquelas
que decorrem do poder geral de cautela conferido aos juízes, como o
poder de decretar a indisponibilidade dos bens pertencentes a
pessoas sujeitas à investigação parlamentar.
A circunstância de os poderes investigatórios de uma CPI
serem essencialmente limitados levou a jurisprudência constitucional
do Supremo Tribunal Federal a advertir que as Comissões
Parlamentares de Inquérito não podem formular acusações e nem punir
delitos (RDA 199/205, Rel. Min. PAULO BROSSARD), nem desrespeitar o
privilégio contra a auto-incriminação que assiste a qualquer
indiciado ou testemunha (RDA 196/197, Rel. Min. CELSO DE MELLO -
HC 79.244-DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), nem decretar a prisão
de qualquer pessoa, exceto nas hipóteses de flagrância (RDA 196/195,
Rel. Min. CELSO DE MELLO - RDA 199/205, Rel. Min. PAULO BROSSARD).
OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER
ABSOLUTO.
Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou
garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões
de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio
de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente,
a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das
prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os
termos estabelecidos pela própria Constituição.
O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao
delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e
considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre
elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a
proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar
a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou
garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com
desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.
A QUEBRA DO SIGILO CONSTITUI PODER INERENTE À COMPETÊNCIA
INVESTIGATÓRIA DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO.
- O sigilo bancário, o sigilo fiscal e o sigilo telefônico
(sigilo este que incide sobre os dados/registros telefônicos e que
não se identifica com a inviolabilidade das comunicações
telefônicas) - ainda que representem projeções específicas do
direito à intimidade, fundado no art. 5º, X, da Carta Política - não
se revelam oponíveis, em nosso sistema jurídico, às Comissões
Parlamentares de Inquérito, eis que o ato que lhes decreta a quebra
traduz natural derivação dos poderes de investigação que foram
conferidos, pela própria Constituição da República, aos órgãos de
investigação parlamentar.
As Comissões Parlamentares de Inquérito, no entanto, para
decretarem, legitimamente, por autoridade própria, a quebra do
sigilo bancário, do sigilo fiscal e/ou do sigilo telefônico,
relativamente a pessoas por elas investigadas, devem demonstrar, a
partir de meros indícios, a existência concreta de causa provável
que legitime a medida excepcional (ruptura da esfera de intimidade
de quem se acha sob investigação), justificando a necessidade de sua
efetivação no procedimento de ampla investigação dos fatos
determinados que deram causa à instauração do inquérito parlamentar,
sem prejuízo de ulterior controle jurisdicional dos atos em
referência (CF, art. 5º, XXXV).
- As deliberações de qualquer Comissão Parlamentar de
Inquérito, à semelhança do que também ocorre com as decisões
judiciais (RTJ 140/514), quando destituídas de motivação, mostram-se
írritas e despojadas de eficácia jurídica, pois nenhuma medida
restritiva de direitos pode ser adotada pelo Poder Público, sem que
o ato que a decreta seja adequadamente fundamentado pela autoridade
estatal.
- O caráter privilegiado das relações Advogado-cliente: a
questão do sigilo profissional do Advogado, enquanto depositário de
informações confidenciais resultantes de suas relações com o
cliente.
MOTIVAÇÃO PER RELATIONEM CONSTANTE DA DELIBERAÇÃO EMANADA
DA COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO.
Tratando-se de motivação per relationem, impõe-se à
Comissão Parlamentar de Inquérito - quando esta faz remissão a
elementos de fundamentação existentes aliunde ou constantes de outra
peça - demonstrar a efetiva existência do documento consubstanciador
da exposição das razões de fato e de direito que justificariam o ato
decisório praticado, em ordem a propiciar, não apenas o conhecimento
do que se contém no relato expositivo, mas, sobretudo, para
viabilizar o controle jurisdicional da decisão adotada pela CPI. É
que tais fundamentos - considerada a remissão a eles feita - passam
a incorporar-se ao próprio ato decisório ou deliberativo que a eles
se reportou.
Não se revela viável indicar, a posteriori, já no âmbito do
processo de mandado de segurança, as razões que deveriam ter sido
expostas por ocasião da deliberação tomada pela Comissão Parlamentar
de Inquérito, pois a existência contemporânea da motivação - e não a
sua justificação tardia - constitui pressuposto de legitimação da
própria resolução adotada pelo órgão de investigação legislativa,
especialmente quando esse ato deliberativo implicar ruptura da
cláusula de reserva pertinente a dados sigilosos.
A QUESTÃO DA DIVULGAÇÃO DOS DADOS RESERVADOS E O DEVER DE
PRESERVAÇÃO DOS REGISTROS SIGILOSOS.
- A Comissão Parlamentar de Inquérito, embora disponha, ex
propria auctoritate, de competência para ter acesso a dados
reservados, não pode, agindo arbitrariamente, conferir indevida
publicidade a registros sobre os quais incide a cláusula de reserva
derivada do sigilo bancário, do sigilo fiscal e do sigilo
telefônico.
Com a transmissão das informações pertinentes aos dados
reservados, transmite-se à Comissão Parlamentar de Inquérito -
enquanto depositária desses elementos informativos -, a nota de
confidencialidade relativa aos registros sigilosos.
Constitui conduta altamente censurável - com todas as
conseqüências jurídicas (inclusive aquelas de ordem penal) que dela
possam resultar - a transgressão, por qualquer membro de uma
Comissão Parlamentar de Inquérito, do dever jurídico de respeitar e
de preservar o sigilo concernente aos dados a ela transmitidos.
Havendo justa causa - e achando-se configurada a
necessidade de revelar os dados sigilosos, seja no relatório final
dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (como razão
justificadora da adoção de medidas a serem implementadas pelo Poder
Público), seja para efeito das comunicações destinadas ao Ministério
Público ou a outros órgãos do Poder Público, para os fins a que se
refere o art. 58, § 3º, da Constituição, seja, ainda, por razões
imperiosas ditadas pelo interesse social - a divulgação do segredo,
precisamente porque legitimada pelos fins que a motivaram, não
configurará situação de ilicitude, muito embora traduza providência
revestida de absoluto grau de excepcionalidade.
POSTULADO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE JURISDIÇÃO: UM TEMA
AINDA PENDENTE DE DEFINIÇÃO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
O postulado da reserva constitucional de jurisdição importa
em submeter, à esfera única de decisão dos magistrados, a prática de
determinados atos cuja realização, por efeito de explícita
determinação constante do próprio texto da Carta Política, somente
pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive daqueles a quem
se haja eventualmente atribuído o exercício de "poderes de
investigação próprios das autoridades judiciais".
A cláusula constitucional da reserva de jurisdição - que
incide sobre determinadas matérias, como a busca domiciliar (CF,
art. 5º, XI), a interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e a
decretação da prisão de qualquer pessoa, ressalvada a hipótese de
flagrância (CF, art. 5º, LXI) - traduz a noção de que, nesses temas
específicos, assiste ao Poder Judiciário, não apenas o direito de
proferir a última palavra, mas, sobretudo, a prerrogativa de dizer,
desde logo, a primeira palavra, excluindo-se, desse modo, por força
e autoridade do que dispõe a própria Constituição, a possibilidade
do exercício de iguais atribuições, por parte de quaisquer outros
órgãos ou autoridades do Estado. Doutrina.
- O princípio constitucional da reserva de jurisdição,
embora reconhecido por cinco (5) Juízes do Supremo Tribunal Federal
- Min. CELSO DE MELLO (Relator), Min. MARCO AURÉLIO, Min. SEPÚLVEDA
PERTENCE, Min. NÉRI DA SILVEIRA e Min. CARLOS VELLOSO (Presidente) -
não foi objeto de consideração por parte dos demais eminentes
Ministros do Supremo Tribunal Federal, que entenderam suficiente,
para efeito de concessão do writ mandamental, a falta de motivação
do ato impugnado.
7
Ementa
E M E N T A: COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - PODERES DE
INVESTIGAÇÃO (CF, ART. 58, §3º) - LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS -
LEGITIMIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL - POSSIBILIDADE DE A CPI
ORDENAR, POR AUTORIDADE PRÓPRIA, A QUEBRA DOS SIGILOS BANCÁRIO,
FISCAL E TELEFÔNICO - NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DO ATO
DELIBERATIVO - DELIBERAÇÃO DA CPI QUE, SEM FUNDAMENTAÇÃO, ORDENOU
MEDIDAS DE RESTRIÇÃO A DIREITOS - MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO.
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
- Compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar,
em sede originária, mandados de segurança e habeas corpus impetrados
contra Comissões Parlamentares de Inquérito constituídas no âmbito
do Congresso Nacional ou no de qualquer de suas Casas.
É que a Comissão Parlamentar de Inquérito, enquanto
projeção orgânica do Poder Legislativo da União, nada mais é senão a
longa manus do próprio Congresso Nacional ou das Casas que o
compõem, sujeitando-se, em conseqüência, em tema de mandado de
segurança ou de habeas corpus, ao controle jurisdicional originário
do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, I, "d" e "i").
Precedentes.
O CONTROLE JURISDICIONAL DE ABUSOS PRATICADOS POR COMISSÃO
PARLAMENTAR DE INQUÉRITO NÃO OFENDE O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE
PODERES.
- A essência do postulado da divisão funcional do poder,
além de derivar da necessidade de conter os excessos dos órgãos que
compõem o aparelho de Estado, representa o princípio conservador das
liberdades do cidadão e constitui o meio mais adequado para tornar
efetivos e reais os direitos e garantias proclamados pela
Constituição.
Esse princípio, que tem assento no art. 2º da Carta
Política, não pode constituir e nem qualificar-se como um
inaceitável manto protetor de comportamentos abusivos e arbitrários,
por parte de qualquer agente do Poder Público ou de qualquer
instituição estatal.
- O Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as
franquias constitucionais e para garantir a integridade e a
supremacia da Constituição, desempenha, de maneira plenamente
legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da
República.
O regular exercício da função jurisdicional, por isso
mesmo, desde que pautado pelo respeito à Constituição, não
transgride o princípio da separação de poderes.
Desse modo, não se revela lícito afirmar, na hipótese de
desvios jurídico-constitucionais nas quais incida uma Comissão
Parlamentar de Inquérito, que o exercício da atividade de controle
jurisdicional possa traduzir situação de ilegítima interferência na
esfera de outro Poder da República.
O CONTROLE DO PODER CONSTITUI UMA EXIGÊNCIA DE ORDEM
POLÍTICO-JURÍDICA ESSENCIAL AO REGIME DEMOCRÁTICO.
- O sistema constitucional brasileiro, ao consagrar o
princípio da limitação de poderes, teve por objetivo instituir
modelo destinado a impedir a formação de instâncias hegemônicas de
poder no âmbito do Estado, em ordem a neutralizar, no plano
político-jurídico, a possibilidade de dominação institucional de
qualquer dos Poderes da República sobre os demais órgãos da
soberania nacional.
Com a finalidade de obstar que o exercício abusivo das
prerrogativas estatais possa conduzir a práticas que transgridam o
regime das liberdades públicas e que sufoquem, pela opressão do
poder, os direitos e garantias individuais, atribuiu-se, ao Poder
Judiciário, a função eminente de controlar os excessos cometidos por
qualquer das esferas governamentais, inclusive aqueles praticados
por Comissão Parlamentar de Inquérito, quando incidir em abuso de
poder ou em desvios inconstitucionais, no desempenho de sua
competência investigatória.
OS PODERES DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO, EMBORA
AMPLOS, NÃO SÃO ILIMITADOS E NEM ABSOLUTOS.
- Nenhum dos Poderes da República está acima da
Constituição. No regime político que consagra o Estado democrático
de direito, os atos emanados de qualquer Comissão Parlamentar de
Inquérito, quando praticados com desrespeito à Lei Fundamental,
submetem-se ao controle jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV).
As Comissões Parlamentares de Inquérito não têm mais
poderes do que aqueles que lhes são outorgados pela Constituição e
pelas leis da República.
É essencial reconhecer que os poderes das Comissões
Parlamentares de Inquérito - precisamente porque não são absolutos -
sofrem as restrições impostas pela Constituição da República e
encontram limite nos direitos fundamentais do cidadão, que só podem
ser afetados nas hipóteses e na forma que a Carta Política
estabelecer. Doutrina. Precedentes.
LIMITAÇÕES AOS PODERES INVESTIGATÓRIOS DA COMISSÃO
PARLAMENTAR DE INQUÉRITO.
- A Constituição da República, ao outorgar às Comissões
Parlamentares de Inquérito "poderes de investigação próprios das
autoridades judiciais" (art. 58, § 3º), claramente delimitou a
natureza de suas atribuições institucionais, restringindo-as,
unicamente, ao campo da indagação probatória, com absoluta exclusão
de quaisquer outras prerrogativas que se incluem, ordinariamente, na
esfera de competência dos magistrados e Tribunais, inclusive aquelas
que decorrem do poder geral de cautela conferido aos juízes, como o
poder de decretar a indisponibilidade dos bens pertencentes a
pessoas sujeitas à investigação parlamentar.
A circunstância de os poderes investigatórios de uma CPI
serem essencialmente limitados levou a jurisprudência constitucional
do Supremo Tribunal Federal a advertir que as Comissões
Parlamentares de Inquérito não podem formular acusações e nem punir
delitos (RDA 199/205, Rel. Min. PAULO BROSSARD), nem desrespeitar o
privilégio contra a auto-incriminação que assiste a qualquer
indiciado ou testemunha (RDA 196/197, Rel. Min. CELSO DE MELLO -
HC 79.244-DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), nem decretar a prisão
de qualquer pessoa, exceto nas hipóteses de flagrância (RDA 196/195,
Rel. Min. CELSO DE MELLO - RDA 199/205, Rel. Min. PAULO BROSSARD).
OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER
ABSOLUTO.
Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou
garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões
de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio
de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente,
a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das
prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os
termos estabelecidos pela própria Constituição.
O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao
delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e
considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre
elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a
proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar
a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou
garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com
desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.
A QUEBRA DO SIGILO CONSTITUI PODER INERENTE À COMPETÊNCIA
INVESTIGATÓRIA DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO.
- O sigilo bancário, o sigilo fiscal e o sigilo telefônico
(sigilo este que incide sobre os dados/registros telefônicos e que
não se identifica com a inviolabilidade das comunicações
telefônicas) - ainda que representem projeções específicas do
direito à intimidade, fundado no art. 5º, X, da Carta Política - não
se revelam oponíveis, em nosso sistema jurídico, às Comissões
Parlamentares de Inquérito, eis que o ato que lhes decreta a quebra
traduz natural derivação dos poderes de investigação que foram
conferidos, pela própria Constituição da República, aos órgãos de
investigação parlamentar.
As Comissões Parlamentares de Inquérito, no entanto, para
decretarem, legitimamente, por autoridade própria, a quebra do
sigilo bancário, do sigilo fiscal e/ou do sigilo telefônico,
relativamente a pessoas por elas investigadas, devem demonstrar, a
partir de meros indícios, a existência concreta de causa provável
que legitime a medida excepcional (ruptura da esfera de intimidade
de quem se acha sob investigação), justificando a necessidade de sua
efetivação no procedimento de ampla investigação dos fatos
determinados que deram causa à instauração do inquérito parlamentar,
sem prejuízo de ulterior controle jurisdicional dos atos em
referência (CF, art. 5º, XXXV).
- As deliberações de qualquer Comissão Parlamentar de
Inquérito, à semelhança do que também ocorre com as decisões
judiciais (RTJ 140/514), quando destituídas de motivação, mostram-se
írritas e despojadas de eficácia jurídica, pois nenhuma medida
restritiva de direitos pode ser adotada pelo Poder Público, sem que
o ato que a decreta seja adequadamente fundamentado pela autoridade
estatal.
- O caráter privilegiado das relações Advogado-cliente: a
questão do sigilo profissional do Advogado, enquanto depositário de
informações confidenciais resultantes de suas relações com o
cliente.
MOTIVAÇÃO PER RELATIONEM CONSTANTE DA DELIBERAÇÃO EMANADA
DA COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO.
Tratando-se de motivação per relationem, impõe-se à
Comissão Parlamentar de Inquérito - quando esta faz remissão a
elementos de fundamentação existentes aliunde ou constantes de outra
peça - demonstrar a efetiva existência do documento consubstanciador
da exposição das razões de fato e de direito que justificariam o ato
decisório praticado, em ordem a propiciar, não apenas o conhecimento
do que se contém no relato expositivo, mas, sobretudo, para
viabilizar o controle jurisdicional da decisão adotada pela CPI. É
que tais fundamentos - considerada a remissão a eles feita - passam
a incorporar-se ao próprio ato decisório ou deliberativo que a eles
se reportou.
Não se revela viável indicar, a posteriori, já no âmbito do
processo de mandado de segurança, as razões que deveriam ter sido
expostas por ocasião da deliberação tomada pela Comissão Parlamentar
de Inquérito, pois a existência contemporânea da motivação - e não a
sua justificação tardia - constitui pressuposto de legitimação da
própria resolução adotada pelo órgão de investigação legislativa,
especialmente quando esse ato deliberativo implicar ruptura da
cláusula de reserva pertinente a dados sigilosos.
A QUESTÃO DA DIVULGAÇÃO DOS DADOS RESERVADOS E O DEVER DE
PRESERVAÇÃO DOS REGISTROS SIGILOSOS.
- A Comissão Parlamentar de Inquérito, embora disponha, ex
propria auctoritate, de competência para ter acesso a dados
reservados, não pode, agindo arbitrariamente, conferir indevida
publicidade a registros sobre os quais incide a cláusula de reserva
derivada do sigilo bancário, do sigilo fiscal e do sigilo
telefônico.
Com a transmissão das informações pertinentes aos dados
reservados, transmite-se à Comissão Parlamentar de Inquérito -
enquanto depositária desses elementos informativos -, a nota de
confidencialidade relativa aos registros sigilosos.
Constitui conduta altamente censurável - com todas as
conseqüências jurídicas (inclusive aquelas de ordem penal) que dela
possam resultar - a transgressão, por qualquer membro de uma
Comissão Parlamentar de Inquérito, do dever jurídico de respeitar e
de preservar o sigilo concernente aos dados a ela transmitidos.
Havendo justa causa - e achando-se configurada a
necessidade de revelar os dados sigilosos, seja no relatório final
dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (como razão
justificadora da adoção de medidas a serem implementadas pelo Poder
Público), seja para efeito das comunicações destinadas ao Ministério
Público ou a outros órgãos do Poder Público, para os fins a que se
refere o art. 58, § 3º, da Constituição, seja, ainda, por razões
imperiosas ditadas pelo interesse social - a divulgação do segredo,
precisamente porque legitimada pelos fins que a motivaram, não
configurará situação de ilicitude, muito embora traduza providência
revestida de absoluto grau de excepcionalidade.
POSTULADO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE JURISDIÇÃO: UM TEMA
AINDA PENDENTE DE DEFINIÇÃO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
O postulado da reserva constitucional de jurisdição importa
em submeter, à esfera única de decisão dos magistrados, a prática de
determinados atos cuja realização, por efeito de explícita
determinação constante do próprio texto da Carta Política, somente
pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive daqueles a quem
se haja eventualmente atribuído o exercício de "poderes de
investigação próprios das autoridades judiciais".
A cláusula constitucional da reserva de jurisdição - que
incide sobre determinadas matérias, como a busca domiciliar (CF,
art. 5º, XI), a interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e a
decretação da prisão de qualquer pessoa, ressalvada a hipótese de
flagrância (CF, art. 5º, LXI) - traduz a noção de que, nesses temas
específicos, assiste ao Poder Judiciário, não apenas o direito de
proferir a última palavra, mas, sobretudo, a prerrogativa de dizer,
desde logo, a primeira palavra, excluindo-se, desse modo, por força
e autoridade do que dispõe a própria Constituição, a possibilidade
do exercício de iguais atribuições, por parte de quaisquer outros
órgãos ou autoridades do Estado. Doutrina.
- O princípio constitucional da reserva de jurisdição,
embora reconhecido por cinco (5) Juízes do Supremo Tribunal Federal
- Min. CELSO DE MELLO (Relator), Min. MARCO AURÉLIO, Min. SEPÚLVEDA
PERTENCE, Min. NÉRI DA SILVEIRA e Min. CARLOS VELLOSO (Presidente) -
não foi objeto de consideração por parte dos demais eminentes
Ministros do Supremo Tribunal Federal, que entenderam suficiente,
para efeito de concessão do writ mandamental, a falta de motivação
do ato impugnado.
7Decisão
O Tribunal, por unanimidade, deferiu o mandado de segurança. Votou o Presidente. Falou pelo impetrante o Dr. Manoel Messias Peixinho. Plenário, 16.9.99.
Data do Julgamento
:
16/09/1999
Data da Publicação
:
DJ 12-05-2000 PP-00020 EMENT VOL-01990-01 PP-00086
Órgão Julgador
:
Tribunal Pleno
Relator(a)
:
Min. CELSO DE MELLO
Parte(s)
:
IMPTE. : LUIZ CARLOS BARRETTI JUNIOR
ADVDOS. : MANOEL MESSIAS PEIXINHO E OUTROS
IMPDO. : PRESIDENTE DA COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO
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