STF MS 26603 / DF - DISTRITO FEDERAL MANDADO DE SEGURANÇA
E M E N T A: MANDADO DE SEGURANÇA - QUESTÕES PRELIMINARES
REJEITADAS - O MANDADO DE SEGURANÇA COMO PROCESSO DOCUMENTAL E A
NOÇÃO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO - NECESSIDADE DE PROVA
PRÉ-CONSTITUÍDA - A COMPREENSÃO DO CONCEITO DE AUTORIDADE COATORA,
PARA FINS MANDAMENTAIS - RESERVA ESTATUTÁRIA, DIREITO AO
PROCESSO E EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO - INOPONIBILIDADE, AO PODER
JUDICIÁRIO, DA RESERVA DE ESTATUTO, QUANDO INSTAURADO LITÍGIO
CONSTITUCIONAL EM TORNO DE ATOS PARTIDÁRIOS "INTERNA CORPORIS" -
COMPETÊNCIA NORMATIVA DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL - O
INSTITUTO DA "CONSULTA" NO ÂMBITO DA JUSTIÇA ELEITORAL: NATUREZA
E EFEITOS JURÍDICOS - POSSIBILIDADE DE O TRIBUNAL SUPERIOR
ELEITORAL, EM RESPOSTA À CONSULTA, NELA EXAMINAR TESE JURÍDICA EM
FACE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - CONSULTA/TSE N° 1.398/DF -
FIDELIDADE PARTIDÁRIA - A ESSENCIALIDADE DOS PARTIDOS POLÍTICOS
NO PROCESSO DE PODER - MANDATO ELETIVO - VÍNCULO PARTIDÁRIO E
VÍNCULO POPULAR - INFIDELIDADE PARTIDÁRIA - CAUSA GERADORA DO
DIREITO DE A AGREMIAÇÃO PARTIDÁRIA PREJUDICADA PRESERVAR A VAGA
OBTIDA PELO SISTEMA PROPORCIONAL - HIPÓTESES EXCEPCIONAIS QUE
LEGITIMAM O ATO DE DESLIGAMENTO PARTIDÁRIO - POSSIBILIDADE, EM
TAIS SITUAÇÕES, DESDE QUE CONFIGURADA A SUA OCORRÊNCIA, DE O
PARLAMENTAR, NO ÂMBITO DE PROCEDIMENTO DE JUSTIFICAÇÃO INSTAURADO
PERANTE A JUSTIÇA ELEITORAL, MANTER A INTEGRIDADE DO MANDATO
LEGISLATIVO - NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA, NO PROCEDIMENTO DE
JUSTIFICAÇÃO, DO PRINCÍPIO DO "DUE PROCESS OF LAW" (CF, ART. 5º,
INCISOS LIV E LV) - APLICAÇÃO ANALÓGICA DOS ARTS. 3º A 7º DA LEI
COMPLEMENTAR Nº 64/90 AO REFERIDO PROCEDIMENTO DE JUSTIFICAÇÃO -
ADMISSIBILIDADE DE EDIÇÃO, PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, DE
RESOLUÇÃO QUE REGULAMENTE O PROCEDIMENTO DE JUSTIFICAÇÃO - MARCO
INICIAL DA EFICÁCIA DO PRONUNCIAMENTO DESTA SUPREMA CORTE NA
MATÉRIA: DATA EM QUE O TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL APRECIOU A
CONSULTA N° 1.398/DF - OBEDIÊNCIA AO POSTULADO DA SEGURANÇA
JURÍDICA - A SUBSISTÊNCIA DOS ATOS ADMINISTRATIVOS E LEGISLATIVOS
PRATICADOS PELOS PARLAMENTARES INFIÉIS: CONSEQÜÊNCIA DA APLICAÇÃO
DA TEORIA DA INVESTIDURA APARENTE - O PAPEL DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL NO EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E A
RESPONSABILIDADE POLÍTICO-JURÍDICA QUE LHE INCUMBE NO PROCESSO DE
VALORIZAÇÃO DA FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO - O MONOPÓLIO DA
"ÚLTIMA PALAVRA", PELA SUPREMA CORTE, EM MATÉRIA DE INTERPRETAÇÃO
CONSTITUCIONAL - MANDADO DE SEGURANÇA INDEFERIDO.
PARTIDOS
POLÍTICOS E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.
- A Constituição da
República, ao delinear os mecanismos de atuação do regime
democrático e ao proclamar os postulados básicos concernentes às
instituições partidárias, consagrou, em seu texto, o próprio
estatuto jurídico dos partidos políticos, definindo princípios,
que, revestidos de estatura jurídica incontrastável, fixam
diretrizes normativas e instituem vetores condicionantes da
organização e funcionamento das agremiações partidárias.
Precedentes.
- A normação constitucional dos partidos
políticos - que concorrem para a formação da vontade política do
povo - tem por objetivo regular e disciplinar, em seus aspectos
gerais, não só o processo de institucionalização desses corpos
intermediários, como também assegurar o acesso dos cidadãos ao
exercício do poder estatal, na medida em que pertence às
agremiações partidárias - e somente a estas - o monopólio das
candidaturas aos cargos eletivos.
- A essencialidade dos
partidos políticos, no Estado de Direito, tanto mais se acentua
quando se tem em consideração que representam eles um instrumento
decisivo na concretização do princípio democrático e exprimem, na
perspectiva do contexto histórico que conduziu à sua formação e
institucionalização, um dos meios fundamentais no processo de
legitimação do poder estatal, na exata medida em que o Povo -
fonte de que emana a soberania nacional - tem, nessas
agremiações, o veículo necessário ao desempenho das funções de
regência política do Estado.
As agremiações partidárias, como
corpos intermediários que são, posicionando-se entre a sociedade
civil e a sociedade política, atuam como canais
institucionalizados de expressão dos anseios políticos e das
reivindicações sociais dos diversos estratos e correntes de
pensamento que se manifestam no seio da comunhão nacional.
A
NATUREZA PARTIDÁRIA DO MANDATO REPRESENTATIVO TRADUZ EMANAÇÃO DA
NORMA CONSTITUCIONAL QUE PREVÊ O "SISTEMA PROPORCIONAL".
- O
mandato representativo não constitui projeção de um direito
pessoal titularizado pelo parlamentar eleito, mas representa, ao
contrário, expressão que deriva da indispensável vinculação do
candidato ao partido político, cuja titularidade sobre as vagas
conquistadas no processo eleitoral resulta de "fundamento
constitucional autônomo", identificável tanto no art. 14, § 3º,
inciso V (que define a filiação partidária como condição de
elegibilidade) quanto no art. 45, "caput" (que consagra o
"sistema proporcional"), da Constituição da República.
- O
sistema eleitoral proporcional: um modelo mais adequado ao
exercício democrático do poder, especialmente porque assegura, às
minorias, o direito de representação e viabiliza, às correntes
políticas, o exercício do direito de oposição parlamentar.
Doutrina.
- A ruptura dos vínculos de caráter partidário e de
índole popular, provocada por atos de infidelidade do
representante eleito (infidelidade ao partido e infidelidade ao
povo), subverte o sentido das instituições, ofende o senso de
responsabilidade política, traduz gesto de deslealdade para com
as agremiações partidárias de origem, compromete o modelo de
representação popular e frauda, de modo acintoso e reprovável, a
vontade soberana dos cidadãos eleitores, introduzindo fatores de
desestabilização na prática do poder e gerando, como imediato
efeito perverso, a deformação da ética de governo, com projeção
vulneradora sobre a própria razão de ser e os fins visados pelo
sistema eleitoral proporcional, tal como previsto e consagrado
pela Constituição da República.
A INFIDELIDADE PARTIDÁRIA COMO
GESTO DE DESRESPEITO AO POSTULADO DEMOCRÁTICO.
- A exigência
de fidelidade partidária traduz e reflete valor constitucional
impregnado de elevada significação político- -jurídica, cuja
observância, pelos detentores de mandato legislativo, representa
expressão de respeito tanto aos cidadãos que os elegeram (vínculo
popular) quanto aos partidos políticos que lhes propiciaram a
candidatura (vínculo partidário).
- O ato de infidelidade,
seja ao partido político, seja, com maior razão, ao próprio
cidadão-eleitor, constitui grave desvio ético-político, além de
representar inadmissível ultraje ao princípio democrático e ao
exercício legítimo do poder, na medida em que migrações
inesperadas, nem sempre motivadas por justas razões, não só
surpreendem o próprio corpo eleitoral e as agremiações
partidárias de origem - desfalcando-as da representatividade por
elas conquistada nas urnas -, mas culminam por gerar um
arbitrário desequilíbrio de forças no Parlamento, vindo, até, em
clara fraude à vontade popular e em frontal transgressão ao
sistema eleitoral proporcional, a asfixiar, em face de súbita
redução numérica, o exercício pleno da oposição política.
A
prática da infidelidade partidária, cometida por detentores de
mandato parlamentar, por implicar violação ao sistema
proporcional, mutila o direito das minorias que atuam no âmbito
social, privando-as de representatividade nos corpos legislativos,
e ofende direitos essenciais - notadamente o direito de oposição
- que derivam dos fundamentos que dão suporte legitimador ao
próprio Estado Democrático de Direito, tais como a soberania
popular, a cidadania e o pluralismo político (CF, art. 1º, I, II
e V).
- A repulsa jurisdicional à infidelidade partidária,
além de prestigiar um valor eminentemente constitucional (CF,
art. 17, § 1º, "in fine"), (a) preserva a legitimidade do
processo eleitoral, (b) faz respeitar a vontade soberana do
cidadão, (c) impede a deformação do modelo de representação
popular, (d) assegura a finalidade do sistema eleitoral
proporcional, (e) valoriza e fortalece as organizações
partidárias e (f) confere primazia à fidelidade que o Deputado
eleito deve observar em relação ao corpo eleitoral e ao próprio
partido sob cuja legenda disputou as eleições.
HIPÓTESES EM
QUE SE LEGITIMA, EXCEPCIONALMENTE, O VOLUNTÁRIO DESLIGAMENTO
PARTIDÁRIO.
- O parlamentar, não obstante faça cessar, por sua
própria iniciativa, os vínculos que o uniam ao partido sob cuja
legenda foi eleito, tem o direito de preservar o mandato que lhe
foi conferido, se e quando ocorrerem situações excepcionais que
justifiquem esse voluntário desligamento partidário, como, p. ex.,
nos casos em que se demonstre "a existência de mudança
significativa de orientação programática do partido" ou "em caso
de comprovada perseguição política dentro do partido que
abandonou" (Min. Cezar Peluso).
A INSTAURAÇÃO, PERANTE A
JUSTIÇA ELEITORAL, DE PROCEDIMENTO DE JUSTIFICAÇÃO.
- O
Tribunal Superior Eleitoral, no exercício da competência
normativa que lhe é atribuída pelo ordenamento positivo, pode,
validamente, editar resolução destinada a disciplinar o
procedimento de justificação, instaurável perante órgão
competente da Justiça Eleitoral, em ordem a estruturar, de modo
formal, as fases rituais desse mesmo procedimento, valendo-se,
para tanto, se assim o entender pertinente, e para colmatar a
lacuna normativa existente, da "analogia legis", mediante
aplicação, no que couber, das normas inscritas nos arts. 3º a 7º
da Lei Complementar nº 64/90.
- Com esse procedimento de
justificação, assegura-se, ao partido político e ao parlamentar
que dele se desliga voluntariamente, a possibilidade de
demonstrar, com ampla dilação probatória, perante a própria
Justiça Eleitoral - e com pleno respeito ao direito de defesa (CF,
art. 5º, inciso LV) -, a ocorrência, ou não, de situações
excepcionais legitimadoras do desligamento partidário do
parlamentar eleito (Consulta TSE nº 1.398/DF), para que se possa,
se e quando for o caso, submeter, ao Presidente da Casa
legislativa, o requerimento de preservação da vaga obtida nas
eleições proporcionais.
INFIDELIDADE PARTIDÁRIA E LEGITIMIDADE
DOS ATOS LEGISLATIVOS PRATICADOS PELO PARLAMENTAR INFIEL.
A
desfiliação partidária do candidato eleito e a sua filiação a
partido diverso daquele sob cuja legenda se elegeu, ocorridas sem
justo motivo, assim reconhecido por órgão competente da Justiça
Eleitoral, embora configurando atos de transgressão à fidelidade
partidária - o que permite, ao partido político prejudicado,
preservar a vaga até então ocupada pelo parlamentar infiel -, não
geram nem provocam a invalidação dos atos legislativos e
administrativos, para cuja formação concorreu, com a integração
de sua vontade, esse mesmo parlamentar. Aplicação, ao caso, da
teoria da investidura funcional aparente. Doutrina.
Precedentes.
REVISÃO JURISPRUDENCIAL E SEGURANÇA JURÍDICA: A
INDICAÇÃO DE MARCO TEMPORAL DEFINIDOR DO MOMENTO INICIAL DE
EFICÁCIA DA NOVA ORIENTAÇÃO PRETORIANA.
- Os precedentes
firmados pelo Supremo Tribunal Federal desempenham múltiplas e
relevantes funções no sistema jurídico, pois lhes cabe conferir
previsibilidade às futuras decisões judiciais nas matérias por
eles abrangidas, atribuir estabilidade às relações jurídicas
constituídas sob a sua égide e em decorrência deles, gerar
certeza quanto à validade dos efeitos decorrentes de atos
praticados de acordo com esses mesmos precedentes e preservar,
assim, em respeito à ética do Direito, a confiança dos cidadãos
nas ações do Estado.
- Os postulados da segurança jurídica e
da proteção da confiança, enquanto expressões do Estado
Democrático de Direito, mostram-se impregnados de elevado
conteúdo ético, social e jurídico, projetando-se sobre as
relações jurídicas, inclusive as de direito público, sempre que
se registre alteração substancial de diretrizes hermenêuticas,
impondo-se à observância de qualquer dos Poderes do Estado e,
desse modo, permitindo preservar situações já consolidadas no
passado e anteriores aos marcos temporais definidos pelo próprio
Tribunal. Doutrina. Precedentes.
- A ruptura de paradigma
resultante de substancial revisão de padrões jurisprudenciais,
com o reconhecimento do caráter partidário do mandato eletivo
proporcional, impõe, em respeito à exigência de segurança
jurídica e ao princípio da proteção da confiança dos cidadãos,
que se defina o momento a partir do qual terá aplicabilidade a
nova diretriz hermenêutica.
- Marco temporal que o Supremo
Tribunal Federal definiu na matéria ora em julgamento: data em
que o Tribunal Superior Eleitoral apreciou a Consulta nº 1.398/DF
(27/03/2007) e, nela, respondeu, em tese, à indagação que lhe foi
submetida.
A FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO E O MONOPÓLIO DA
ÚLTIMA PALAVRA, PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, EM MATÉRIA DE
INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL.
- O exercício da jurisdição
constitucional, que tem por objetivo preservar a supremacia da
Constituição, põe em evidência a dimensão essencialmente política
em que se projeta a atividade institucional do Supremo Tribunal
Federal, pois, no processo de indagação constitucional,
assenta-se a magna prerrogativa de decidir, em última análise,
sobre a própria substância do poder.
- No poder de interpretar
a Lei Fundamental, reside a prerrogativa extraordinária de
(re)formulá-la, eis que a interpretação judicial acha-se
compreendida entre os processos informais de mutação
constitucional, a significar, portanto, que "A Constituição está
em elaboração permanente nos Tribunais incumbidos de aplicá-la".
Doutrina. Precedentes.
- A interpretação constitucional
derivada das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal -
a quem se atribuiu a função eminente de "guarda da Constituição"
(CF, art. 102, "caput") - assume papel de fundamental importância
na organização institucional do Estado brasileiro, a justificar o
reconhecimento de que o modelo político-jurídico vigente em nosso
País conferiu, à Suprema Corte, a singular prerrogativa de dispor
do monopólio da última palavra em tema de exegese das normas
inscritas no texto da Lei Fundamental.
Ementa
E M E N T A: MANDADO DE SEGURANÇA - QUESTÕES PRELIMINARES
REJEITADAS - O MANDADO DE SEGURANÇA COMO PROCESSO DOCUMENTAL E A
NOÇÃO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO - NECESSIDADE DE PROVA
PRÉ-CONSTITUÍDA - A COMPREENSÃO DO CONCEITO DE AUTORIDADE COATORA,
PARA FINS MANDAMENTAIS - RESERVA ESTATUTÁRIA, DIREITO AO
PROCESSO E EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO - INOPONIBILIDADE, AO PODER
JUDICIÁRIO, DA RESERVA DE ESTATUTO, QUANDO INSTAURADO LITÍGIO
CONSTITUCIONAL EM TORNO DE ATOS PARTIDÁRIOS "INTERNA CORPORIS" -
COMPETÊNCIA NORMATIVA DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL - O
INSTITUTO DA "CONSULTA" NO ÂMBITO DA JUSTIÇA ELEITORAL: NATUREZA
E EFEITOS JURÍDICOS - POSSIBILIDADE DE O TRIBUNAL SUPERIOR
ELEITORAL, EM RESPOSTA À CONSULTA, NELA EXAMINAR TESE JURÍDICA EM
FACE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - CONSULTA/TSE N° 1.398/DF -
FIDELIDADE PARTIDÁRIA - A ESSENCIALIDADE DOS PARTIDOS POLÍTICOS
NO PROCESSO DE PODER - MANDATO ELETIVO - VÍNCULO PARTIDÁRIO E
VÍNCULO POPULAR - INFIDELIDADE PARTIDÁRIA - CAUSA GERADORA DO
DIREITO DE A AGREMIAÇÃO PARTIDÁRIA PREJUDICADA PRESERVAR A VAGA
OBTIDA PELO SISTEMA PROPORCIONAL - HIPÓTESES EXCEPCIONAIS QUE
LEGITIMAM O ATO DE DESLIGAMENTO PARTIDÁRIO - POSSIBILIDADE, EM
TAIS SITUAÇÕES, DESDE QUE CONFIGURADA A SUA OCORRÊNCIA, DE O
PARLAMENTAR, NO ÂMBITO DE PROCEDIMENTO DE JUSTIFICAÇÃO INSTAURADO
PERANTE A JUSTIÇA ELEITORAL, MANTER A INTEGRIDADE DO MANDATO
LEGISLATIVO - NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA, NO PROCEDIMENTO DE
JUSTIFICAÇÃO, DO PRINCÍPIO DO "DUE PROCESS OF LAW" (CF, ART. 5º,
INCISOS LIV E LV) - APLICAÇÃO ANALÓGICA DOS ARTS. 3º A 7º DA LEI
COMPLEMENTAR Nº 64/90 AO REFERIDO PROCEDIMENTO DE JUSTIFICAÇÃO -
ADMISSIBILIDADE DE EDIÇÃO, PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, DE
RESOLUÇÃO QUE REGULAMENTE O PROCEDIMENTO DE JUSTIFICAÇÃO - MARCO
INICIAL DA EFICÁCIA DO PRONUNCIAMENTO DESTA SUPREMA CORTE NA
MATÉRIA: DATA EM QUE O TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL APRECIOU A
CONSULTA N° 1.398/DF - OBEDIÊNCIA AO POSTULADO DA SEGURANÇA
JURÍDICA - A SUBSISTÊNCIA DOS ATOS ADMINISTRATIVOS E LEGISLATIVOS
PRATICADOS PELOS PARLAMENTARES INFIÉIS: CONSEQÜÊNCIA DA APLICAÇÃO
DA TEORIA DA INVESTIDURA APARENTE - O PAPEL DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL NO EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E A
RESPONSABILIDADE POLÍTICO-JURÍDICA QUE LHE INCUMBE NO PROCESSO DE
VALORIZAÇÃO DA FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO - O MONOPÓLIO DA
"ÚLTIMA PALAVRA", PELA SUPREMA CORTE, EM MATÉRIA DE INTERPRETAÇÃO
CONSTITUCIONAL - MANDADO DE SEGURANÇA INDEFERIDO.
PARTIDOS
POLÍTICOS E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.
- A Constituição da
República, ao delinear os mecanismos de atuação do regime
democrático e ao proclamar os postulados básicos concernentes às
instituições partidárias, consagrou, em seu texto, o próprio
estatuto jurídico dos partidos políticos, definindo princípios,
que, revestidos de estatura jurídica incontrastável, fixam
diretrizes normativas e instituem vetores condicionantes da
organização e funcionamento das agremiações partidárias.
Precedentes.
- A normação constitucional dos partidos
políticos - que concorrem para a formação da vontade política do
povo - tem por objetivo regular e disciplinar, em seus aspectos
gerais, não só o processo de institucionalização desses corpos
intermediários, como também assegurar o acesso dos cidadãos ao
exercício do poder estatal, na medida em que pertence às
agremiações partidárias - e somente a estas - o monopólio das
candidaturas aos cargos eletivos.
- A essencialidade dos
partidos políticos, no Estado de Direito, tanto mais se acentua
quando se tem em consideração que representam eles um instrumento
decisivo na concretização do princípio democrático e exprimem, na
perspectiva do contexto histórico que conduziu à sua formação e
institucionalização, um dos meios fundamentais no processo de
legitimação do poder estatal, na exata medida em que o Povo -
fonte de que emana a soberania nacional - tem, nessas
agremiações, o veículo necessário ao desempenho das funções de
regência política do Estado.
As agremiações partidárias, como
corpos intermediários que são, posicionando-se entre a sociedade
civil e a sociedade política, atuam como canais
institucionalizados de expressão dos anseios políticos e das
reivindicações sociais dos diversos estratos e correntes de
pensamento que se manifestam no seio da comunhão nacional.
A
NATUREZA PARTIDÁRIA DO MANDATO REPRESENTATIVO TRADUZ EMANAÇÃO DA
NORMA CONSTITUCIONAL QUE PREVÊ O "SISTEMA PROPORCIONAL".
- O
mandato representativo não constitui projeção de um direito
pessoal titularizado pelo parlamentar eleito, mas representa, ao
contrário, expressão que deriva da indispensável vinculação do
candidato ao partido político, cuja titularidade sobre as vagas
conquistadas no processo eleitoral resulta de "fundamento
constitucional autônomo", identificável tanto no art. 14, § 3º,
inciso V (que define a filiação partidária como condição de
elegibilidade) quanto no art. 45, "caput" (que consagra o
"sistema proporcional"), da Constituição da República.
- O
sistema eleitoral proporcional: um modelo mais adequado ao
exercício democrático do poder, especialmente porque assegura, às
minorias, o direito de representação e viabiliza, às correntes
políticas, o exercício do direito de oposição parlamentar.
Doutrina.
- A ruptura dos vínculos de caráter partidário e de
índole popular, provocada por atos de infidelidade do
representante eleito (infidelidade ao partido e infidelidade ao
povo), subverte o sentido das instituições, ofende o senso de
responsabilidade política, traduz gesto de deslealdade para com
as agremiações partidárias de origem, compromete o modelo de
representação popular e frauda, de modo acintoso e reprovável, a
vontade soberana dos cidadãos eleitores, introduzindo fatores de
desestabilização na prática do poder e gerando, como imediato
efeito perverso, a deformação da ética de governo, com projeção
vulneradora sobre a própria razão de ser e os fins visados pelo
sistema eleitoral proporcional, tal como previsto e consagrado
pela Constituição da República.
A INFIDELIDADE PARTIDÁRIA COMO
GESTO DE DESRESPEITO AO POSTULADO DEMOCRÁTICO.
- A exigência
de fidelidade partidária traduz e reflete valor constitucional
impregnado de elevada significação político- -jurídica, cuja
observância, pelos detentores de mandato legislativo, representa
expressão de respeito tanto aos cidadãos que os elegeram (vínculo
popular) quanto aos partidos políticos que lhes propiciaram a
candidatura (vínculo partidário).
- O ato de infidelidade,
seja ao partido político, seja, com maior razão, ao próprio
cidadão-eleitor, constitui grave desvio ético-político, além de
representar inadmissível ultraje ao princípio democrático e ao
exercício legítimo do poder, na medida em que migrações
inesperadas, nem sempre motivadas por justas razões, não só
surpreendem o próprio corpo eleitoral e as agremiações
partidárias de origem - desfalcando-as da representatividade por
elas conquistada nas urnas -, mas culminam por gerar um
arbitrário desequilíbrio de forças no Parlamento, vindo, até, em
clara fraude à vontade popular e em frontal transgressão ao
sistema eleitoral proporcional, a asfixiar, em face de súbita
redução numérica, o exercício pleno da oposição política.
A
prática da infidelidade partidária, cometida por detentores de
mandato parlamentar, por implicar violação ao sistema
proporcional, mutila o direito das minorias que atuam no âmbito
social, privando-as de representatividade nos corpos legislativos,
e ofende direitos essenciais - notadamente o direito de oposição
- que derivam dos fundamentos que dão suporte legitimador ao
próprio Estado Democrático de Direito, tais como a soberania
popular, a cidadania e o pluralismo político (CF, art. 1º, I, II
e V).
- A repulsa jurisdicional à infidelidade partidária,
além de prestigiar um valor eminentemente constitucional (CF,
art. 17, § 1º, "in fine"), (a) preserva a legitimidade do
processo eleitoral, (b) faz respeitar a vontade soberana do
cidadão, (c) impede a deformação do modelo de representação
popular, (d) assegura a finalidade do sistema eleitoral
proporcional, (e) valoriza e fortalece as organizações
partidárias e (f) confere primazia à fidelidade que o Deputado
eleito deve observar em relação ao corpo eleitoral e ao próprio
partido sob cuja legenda disputou as eleições.
HIPÓTESES EM
QUE SE LEGITIMA, EXCEPCIONALMENTE, O VOLUNTÁRIO DESLIGAMENTO
PARTIDÁRIO.
- O parlamentar, não obstante faça cessar, por sua
própria iniciativa, os vínculos que o uniam ao partido sob cuja
legenda foi eleito, tem o direito de preservar o mandato que lhe
foi conferido, se e quando ocorrerem situações excepcionais que
justifiquem esse voluntário desligamento partidário, como, p. ex.,
nos casos em que se demonstre "a existência de mudança
significativa de orientação programática do partido" ou "em caso
de comprovada perseguição política dentro do partido que
abandonou" (Min. Cezar Peluso).
A INSTAURAÇÃO, PERANTE A
JUSTIÇA ELEITORAL, DE PROCEDIMENTO DE JUSTIFICAÇÃO.
- O
Tribunal Superior Eleitoral, no exercício da competência
normativa que lhe é atribuída pelo ordenamento positivo, pode,
validamente, editar resolução destinada a disciplinar o
procedimento de justificação, instaurável perante órgão
competente da Justiça Eleitoral, em ordem a estruturar, de modo
formal, as fases rituais desse mesmo procedimento, valendo-se,
para tanto, se assim o entender pertinente, e para colmatar a
lacuna normativa existente, da "analogia legis", mediante
aplicação, no que couber, das normas inscritas nos arts. 3º a 7º
da Lei Complementar nº 64/90.
- Com esse procedimento de
justificação, assegura-se, ao partido político e ao parlamentar
que dele se desliga voluntariamente, a possibilidade de
demonstrar, com ampla dilação probatória, perante a própria
Justiça Eleitoral - e com pleno respeito ao direito de defesa (CF,
art. 5º, inciso LV) -, a ocorrência, ou não, de situações
excepcionais legitimadoras do desligamento partidário do
parlamentar eleito (Consulta TSE nº 1.398/DF), para que se possa,
se e quando for o caso, submeter, ao Presidente da Casa
legislativa, o requerimento de preservação da vaga obtida nas
eleições proporcionais.
INFIDELIDADE PARTIDÁRIA E LEGITIMIDADE
DOS ATOS LEGISLATIVOS PRATICADOS PELO PARLAMENTAR INFIEL.
A
desfiliação partidária do candidato eleito e a sua filiação a
partido diverso daquele sob cuja legenda se elegeu, ocorridas sem
justo motivo, assim reconhecido por órgão competente da Justiça
Eleitoral, embora configurando atos de transgressão à fidelidade
partidária - o que permite, ao partido político prejudicado,
preservar a vaga até então ocupada pelo parlamentar infiel -, não
geram nem provocam a invalidação dos atos legislativos e
administrativos, para cuja formação concorreu, com a integração
de sua vontade, esse mesmo parlamentar. Aplicação, ao caso, da
teoria da investidura funcional aparente. Doutrina.
Precedentes.
REVISÃO JURISPRUDENCIAL E SEGURANÇA JURÍDICA: A
INDICAÇÃO DE MARCO TEMPORAL DEFINIDOR DO MOMENTO INICIAL DE
EFICÁCIA DA NOVA ORIENTAÇÃO PRETORIANA.
- Os precedentes
firmados pelo Supremo Tribunal Federal desempenham múltiplas e
relevantes funções no sistema jurídico, pois lhes cabe conferir
previsibilidade às futuras decisões judiciais nas matérias por
eles abrangidas, atribuir estabilidade às relações jurídicas
constituídas sob a sua égide e em decorrência deles, gerar
certeza quanto à validade dos efeitos decorrentes de atos
praticados de acordo com esses mesmos precedentes e preservar,
assim, em respeito à ética do Direito, a confiança dos cidadãos
nas ações do Estado.
- Os postulados da segurança jurídica e
da proteção da confiança, enquanto expressões do Estado
Democrático de Direito, mostram-se impregnados de elevado
conteúdo ético, social e jurídico, projetando-se sobre as
relações jurídicas, inclusive as de direito público, sempre que
se registre alteração substancial de diretrizes hermenêuticas,
impondo-se à observância de qualquer dos Poderes do Estado e,
desse modo, permitindo preservar situações já consolidadas no
passado e anteriores aos marcos temporais definidos pelo próprio
Tribunal. Doutrina. Precedentes.
- A ruptura de paradigma
resultante de substancial revisão de padrões jurisprudenciais,
com o reconhecimento do caráter partidário do mandato eletivo
proporcional, impõe, em respeito à exigência de segurança
jurídica e ao princípio da proteção da confiança dos cidadãos,
que se defina o momento a partir do qual terá aplicabilidade a
nova diretriz hermenêutica.
- Marco temporal que o Supremo
Tribunal Federal definiu na matéria ora em julgamento: data em
que o Tribunal Superior Eleitoral apreciou a Consulta nº 1.398/DF
(27/03/2007) e, nela, respondeu, em tese, à indagação que lhe foi
submetida.
A FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO E O MONOPÓLIO DA
ÚLTIMA PALAVRA, PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, EM MATÉRIA DE
INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL.
- O exercício da jurisdição
constitucional, que tem por objetivo preservar a supremacia da
Constituição, põe em evidência a dimensão essencialmente política
em que se projeta a atividade institucional do Supremo Tribunal
Federal, pois, no processo de indagação constitucional,
assenta-se a magna prerrogativa de decidir, em última análise,
sobre a própria substância do poder.
- No poder de interpretar
a Lei Fundamental, reside a prerrogativa extraordinária de
(re)formulá-la, eis que a interpretação judicial acha-se
compreendida entre os processos informais de mutação
constitucional, a significar, portanto, que "A Constituição está
em elaboração permanente nos Tribunais incumbidos de aplicá-la".
Doutrina. Precedentes.
- A interpretação constitucional
derivada das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal -
a quem se atribuiu a função eminente de "guarda da Constituição"
(CF, art. 102, "caput") - assume papel de fundamental importância
na organização institucional do Estado brasileiro, a justificar o
reconhecimento de que o modelo político-jurídico vigente em nosso
País conferiu, à Suprema Corte, a singular prerrogativa de dispor
do monopólio da última palavra em tema de exegese das normas
inscritas no texto da Lei Fundamental.Decisão
O Tribunal rejeitou, por unanimidade, as preliminares de
ilegitimidade ativa e de falta de interesse de agir do impetrante,
bem como a de impossibilidade do Poder Judiciário interferir em
matéria interna e peculiar à organização dos Partidos Políticos,
sujeita à reserva constitucional de estatuto, e a de
impossibilidade jurídica do pedido por se embasar em consulta do
Tribunal Superior Eleitoral. Por maioria, rejeitou a preliminar
de ausência de liquidez e a de impossibilidade de dilação
probatória em sede de mandado de segurança, vencido o Senhor
Ministro Eros Grau, que as acolhia para não conhecer do writ. Em
seguida foi o julgamento suspenso. Falaram: pelo impetrado, o Dr.
Fernando Neves da Silva; pelos litisconsortes passivos, Átila
Freitas Lira, Djalma Vando Berger e Partido Socialista Brasileiro
- PSB, o Dr. José Antônio Figueiredo de Almeida Silva; Leonardo
Rosário de Alcântara, Antônio Marcelo Teixeira Sousa, Vicente
Ferreira de Arruda Coelho e Vicente Alves de Oliveira, o Dr.
Eduardo Ferrão; Partido da República - PR, o Dr. Marcelo Luiz
Ávila de Bessa; Partido Trabalhista Brasileiro - PTB, o Dr.
Itapuã Prestes de Messias; e, pelo Ministério Público Federal o
Dr. Antônio Fernando Barros e Silva de Souza, Procurador-Geral da
República. Presidência da Senhora Ministra Ellen Gracie. Plenário,
03.10.2007.
Decisão: Prosseguindo no julgamento, o Tribunal,
por maioria, conheceu do mandado de segurança e denegou a ordem,
vencidos os Senhores Ministros Carlos Britto e Marco Aurélio, que
a concediam tal como requerida. Votou a Presidente, Ministra
Ellen Gracie. Plenário, 04.10.2007.
Data do Julgamento
:
04/10/2007
Data da Publicação
:
DJe-241 DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-02 PP-00318
Órgão Julgador
:
Tribunal Pleno
Relator(a)
:
Min. CELSO DE MELLO
Parte(s)
:
IMPTE.(S): PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA - PSDB
ADV.(A/S): JOSÉ EDUARDO RANGEL DE ALCKMIN E OUTRO(A/S)
IMPDO.(A/S): PRESIDENTE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
LIT.PAS.(A/S): ATILA FREITAS LIRA
LIT.PAS.(A/S): PSB - PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO
LIT.PAS.(A/S): DJALMA VANDO BERGER
ADV.(A/S): JOSÉ ANTONIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA SILVA E OUTRO(A/S)
LIT.PAS.(A/S): LEONARDO ROSÁRIO DE ALCÂNTARA
LIT.PAS.(A/S): ANTONIO MARCELO TEIXEIRA SOUSA
LIT.PAS.(A/S): VICENTE FERREIRA DE ARRUDA COELHO
LIT.PAS.(A/S): VICENTE ALVES DE OLIVEIRA
LIT.PAS.(A/S): PR - PARTIDO DA REPÚBLICA
ADV.(A/S): MARCELO LUIZ ÁVILA DE BESSA E OUTRO(A/S)
LIT.PAS.(A/S): ARMANDO ABÍLIO VIEIRA
LIT.PAS.(A/S): PTB - PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO
ADV.(A/S): ITAPUÃ PRESTES DE MESSIAS E OUTRAS