TJAC 0014232-98.2009.8.01.0001
DIREITO CONSTITUCIONAL E CIVIL. APELAÇÃO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. DOCUMENTOS E FOTOGRAFIAS. POSSE VELHA. INVESTIMENTOS PÚBLICOS. INVASORES HIPOSSUFICIENTES. DEMONSTRAÇÃO. JULGAMENTO. PROVAS. NORMA. ADSTRIÇÃO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. IMÓVEL. ADMINISTRAÇÃO. APOSSAMENTO, AFETAÇÃO E UTILIZAÇÃO PÚBLICA. IRREVERSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM INDENIZATÓRIA. CONVERSÃO: ART. 5º, XXIV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ENUNCIADO N.º 308, DO CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO DESPROVIDO.
a) Os documentos encartados pelo Espólio Apelante quando da interposição do recurso fotografias, coordenadas geográficas e lista de ocupantes da área não elidem a convicção delineada na sentença recorrida quanto à baixa renda da maior parte dos invasores do imóvel em litígio.
b) Embora mostrando as fotografias juntadas aos autos construções em padrão mediano (alvenaria, cobertura de telha e outros), não afastam a realidade dos autos que demonstra situação diversa invasores hipossuficientes, posse velha e antecedente a investimentos públicos consoante relatório de atividades do Instituto de Terras do Acre, inspeção judicial e manifestação da Promotoria Especializada de Habitação e Urbanismo do Ministério Público do Estado do Acre, acompanhada dos documentos intitulados "diagnósticos de regularização fundiária", "parecer técnico SEMOVUR", "exame do instituto de criminalística", "relatório de visita da SEMCAS", "requisição de abertura de inquérito policial", além de fotografias e outros documentos.
c) Inexiste julgamento distanciado das provas dos autos ou contra legem, embora a alegada coexistência dos requisitos necessários à reintegração de posse, porquanto demonstrada a irreversibilidade do esbulho.
d) O apossamento do imóvel pela administração, a afetação do bem e a respectiva destinação à utilização pública, além da irreversibilidade da situação fática, consubstanciam a hipótese de desapropriação indireta da área em litígio.
e) Precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
(i) "Desapropriação indireta caracterizada em razão: a) do apossamento do bem pelo Estado, sem prévia observância do devido processo de desapropriação; b) da afetação do bem, isto é, sua destinação à utilização pública; e c) da impossibilidade material da outorga da tutela específica ao proprietário, isto é, a irreversibilidade da situação fática resultante do indevido apossamento e da afetação. (...) (AgRg no AREsp 160.608/RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 05/12/2013, DJe 19/03/2014)"
(ii) "Evidenciado que o imóvel rural em foco foi ocupado por trabalhadores rurais sem terra como forma de forçar sua desapropriação para reforma agrária, mas as providências administrativas do Poder Público local, demandadas para a desocupação ordenada pelo Poder Judiciário, não foram atendidas por seguidas vezes, resta tecnicamente caracterizada a situação prevista no art. 36, II da CF, pois a recusa do Governador do Estado configura desobediência à ordem "judiciária", o que justificaria a intervenção para "prover a execução da ordem ou decisão judicial" (art. 34, VI, da CF). A remoção das 190 pessoas que ocupam o imóvel, já agora corridos vários anos, constituindo cerca de 56 famílias sem destino ou local de acomodação digna, revelam quadro de inviável atuação judicial, assim como não recomendam a intervenção federal para compelir a autoridade administrativa a praticar ato do qual vai resultar conflito social muito maior que o suposto prejuízo do particular. Mesmo presente a finalidade de garantia da autoridade da decisão judicial, a intervenção federal postulada perde a intensidade de sua razão constitucional ao gerar ambiente de insegurança e intranquilidade em contraste com os fins da atividade jurisdicional, que se caracteriza pela formulação de juízos voltados à paz social e à proteção de direitos. Pelo princípio da proporcionalidade, não deve o Poder Judiciário promover medidas que causem coerção ou sofrimento maior que sua justificação institucional e, assim, a recusa pelo Estado não é ilícita. Se ao Estado não resta senão respeitar a afetação pública do imóvel produzida pela ocupação de terceiros sobre o bem particular com o intuito de ocupá-lo para distribuí-lo, segue-se que, em razão da motivação identificada nos autos, cuida-se de caso de afetação por interesse público a submeter-se então ao regime próprio dessa modalidade jurisprudencial de perda e aquisição da propriedade, que, no caso, por construção, se resolverá em reparação a ser buscada via de ação de indenização (desapropriação indireta) promovida pelo interessado. (...) (IF 111/PR, Rel. Ministro Gilson Dipp, Corte Especial, julgado em 01/07/2014, REPDJe 06/08/2014, DJe 05/08/2014)"
f) A teor do art. 5º, XXIV, da Constituição Federal, apropriada a conversão do pedido de reintegração de posse em ação indenizatória, consoante julgado da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1060924/RJ, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 03/11/2009, DJe 11/11/2009) e Enunciado n.º 308, do Conselho da Justiça Federal: "A justa indenização devida ao proprietário em caso de desapropriação judicial (art. 1.228, § 5º) somente deverá ser suportada pela Administração Pública no contexto das políticas públicas de reforma urbana ou agrária, em se tratando de possuidores de baixa renda e desde que tenha havido intervenção daquela nos termos da lei processual. Não sendo os possuidores de baixa renda, aplica-se a orientação do Enunciado 84 da I Jornada de Direito Civil."
g) Admitida a conversão da reintegração de posse em indenizatória, necessário adequar o polo passivo da ação, conforme julgado deste Órgão Fracionado Cível: "Converge parte da doutrina quanto à possibilidade de inclusão do ente público no polo passivo da desapropriação judicial indireta, seja pela hipossuficiência dos posseiros, em geral de baixa renda, bem como diante de sua responsabilidade como provedor dos direitos sociais (art. 6º, da Constituição Federal)." (TJAC, 1ª Câmara Cível, Apelação e Reexame Necessário n.º 0000002-79.1994.8.01.0000, Relatora Desª. Eva Evangelista, j. 23 de julho de 2013, acórdão 14.360).
h) Recurso desprovido.
Ementa
DIREITO CONSTITUCIONAL E CIVIL. APELAÇÃO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. DOCUMENTOS E FOTOGRAFIAS. POSSE VELHA. INVESTIMENTOS PÚBLICOS. INVASORES HIPOSSUFICIENTES. DEMONSTRAÇÃO. JULGAMENTO. PROVAS. NORMA. ADSTRIÇÃO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. IMÓVEL. ADMINISTRAÇÃO. APOSSAMENTO, AFETAÇÃO E UTILIZAÇÃO PÚBLICA. IRREVERSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM INDENIZATÓRIA. CONVERSÃO: ART. 5º, XXIV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ENUNCIADO N.º 308, DO CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO DESPROVIDO.
a) Os documentos encartados pelo Espólio Apelante quando da interposição do recurso fotografias, coordenadas geográficas e lista de ocupantes da área não elidem a convicção delineada na sentença recorrida quanto à baixa renda da maior parte dos invasores do imóvel em litígio.
b) Embora mostrando as fotografias juntadas aos autos construções em padrão mediano (alvenaria, cobertura de telha e outros), não afastam a realidade dos autos que demonstra situação diversa invasores hipossuficientes, posse velha e antecedente a investimentos públicos consoante relatório de atividades do Instituto de Terras do Acre, inspeção judicial e manifestação da Promotoria Especializada de Habitação e Urbanismo do Ministério Público do Estado do Acre, acompanhada dos documentos intitulados "diagnósticos de regularização fundiária", "parecer técnico SEMOVUR", "exame do instituto de criminalística", "relatório de visita da SEMCAS", "requisição de abertura de inquérito policial", além de fotografias e outros documentos.
c) Inexiste julgamento distanciado das provas dos autos ou contra legem, embora a alegada coexistência dos requisitos necessários à reintegração de posse, porquanto demonstrada a irreversibilidade do esbulho.
d) O apossamento do imóvel pela administração, a afetação do bem e a respectiva destinação à utilização pública, além da irreversibilidade da situação fática, consubstanciam a hipótese de desapropriação indireta da área em litígio.
e) Precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
(i) "Desapropriação indireta caracterizada em razão: a) do apossamento do bem pelo Estado, sem prévia observância do devido processo de desapropriação; b) da afetação do bem, isto é, sua destinação à utilização pública; e c) da impossibilidade material da outorga da tutela específica ao proprietário, isto é, a irreversibilidade da situação fática resultante do indevido apossamento e da afetação. (...) (AgRg no AREsp 160.608/RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 05/12/2013, DJe 19/03/2014)"
(ii) "Evidenciado que o imóvel rural em foco foi ocupado por trabalhadores rurais sem terra como forma de forçar sua desapropriação para reforma agrária, mas as providências administrativas do Poder Público local, demandadas para a desocupação ordenada pelo Poder Judiciário, não foram atendidas por seguidas vezes, resta tecnicamente caracterizada a situação prevista no art. 36, II da CF, pois a recusa do Governador do Estado configura desobediência à ordem "judiciária", o que justificaria a intervenção para "prover a execução da ordem ou decisão judicial" (art. 34, VI, da CF). A remoção das 190 pessoas que ocupam o imóvel, já agora corridos vários anos, constituindo cerca de 56 famílias sem destino ou local de acomodação digna, revelam quadro de inviável atuação judicial, assim como não recomendam a intervenção federal para compelir a autoridade administrativa a praticar ato do qual vai resultar conflito social muito maior que o suposto prejuízo do particular. Mesmo presente a finalidade de garantia da autoridade da decisão judicial, a intervenção federal postulada perde a intensidade de sua razão constitucional ao gerar ambiente de insegurança e intranquilidade em contraste com os fins da atividade jurisdicional, que se caracteriza pela formulação de juízos voltados à paz social e à proteção de direitos. Pelo princípio da proporcionalidade, não deve o Poder Judiciário promover medidas que causem coerção ou sofrimento maior que sua justificação institucional e, assim, a recusa pelo Estado não é ilícita. Se ao Estado não resta senão respeitar a afetação pública do imóvel produzida pela ocupação de terceiros sobre o bem particular com o intuito de ocupá-lo para distribuí-lo, segue-se que, em razão da motivação identificada nos autos, cuida-se de caso de afetação por interesse público a submeter-se então ao regime próprio dessa modalidade jurisprudencial de perda e aquisição da propriedade, que, no caso, por construção, se resolverá em reparação a ser buscada via de ação de indenização (desapropriação indireta) promovida pelo interessado. (...) (IF 111/PR, Rel. Ministro Gilson Dipp, Corte Especial, julgado em 01/07/2014, REPDJe 06/08/2014, DJe 05/08/2014)"
f) A teor do art. 5º, XXIV, da Constituição Federal, apropriada a conversão do pedido de reintegração de posse em ação indenizatória, consoante julgado da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1060924/RJ, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 03/11/2009, DJe 11/11/2009) e Enunciado n.º 308, do Conselho da Justiça Federal: "A justa indenização devida ao proprietário em caso de desapropriação judicial (art. 1.228, § 5º) somente deverá ser suportada pela Administração Pública no contexto das políticas públicas de reforma urbana ou agrária, em se tratando de possuidores de baixa renda e desde que tenha havido intervenção daquela nos termos da lei processual. Não sendo os possuidores de baixa renda, aplica-se a orientação do Enunciado 84 da I Jornada de Direito Civil."
g) Admitida a conversão da reintegração de posse em indenizatória, necessário adequar o polo passivo da ação, conforme julgado deste Órgão Fracionado Cível: "Converge parte da doutrina quanto à possibilidade de inclusão do ente público no polo passivo da desapropriação judicial indireta, seja pela hipossuficiência dos posseiros, em geral de baixa renda, bem como diante de sua responsabilidade como provedor dos direitos sociais (art. 6º, da Constituição Federal)." (TJAC, 1ª Câmara Cível, Apelação e Reexame Necessário n.º 0000002-79.1994.8.01.0000, Relatora Desª. Eva Evangelista, j. 23 de julho de 2013, acórdão 14.360).
h) Recurso desprovido.
Data do Julgamento
:
09/06/2015
Data da Publicação
:
03/07/2015
Classe/Assunto
:
Apelação / Posse
Órgão Julgador
:
Primeira Câmara Cível
Relator(a)
:
Eva Evangelista
Comarca
:
Rio Branco
Comarca
:
Rio Branco
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