TJAC 0800005-83.2003.8.01.0000
Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível nº 0800005-83.2003.8.01.0000, acordam, à unanimidade, os Membros que compõem a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Acre, em dar provimento ao Recurso, nos termos do Voto do Relator, que faz parte deste Acórdão.
Rio Branco, 1º de abril de 2013
Des. Samoel Evangelista
Presidente e Relator
Relatório Joaquim Carvalho Cardoso e Maria José Menezes Cardoso recorrem da Sentença do Juiz de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Rio Branco, que julgou improcedentes os pedidos formulados na Ação de Indenização nº 0800005-83.2003.8.01.0000, proposta por eles contra José Bernardo da Silva, Gilda Oliveira da Silva e Silva, João Ari dos Santos e Rosália Maria D'Ávila Godoy - ME. Na Sentença o Juiz consignou:
Pelo exposto, resolvendo o mérito da causa, julgo totalmente improcedentes os pedidos formulados na petição inicial. Condeno a parte Autora nas custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 1.000,00 (mil reais), nos termos do § 4º do art. 20 do Código de Processo Civil, suspendendo essa condenação nos termos da Lei Federal n. 1.060/50, em razão da gratuidade judiciária já deferida.
O Recurso é contra essa Sentença e os apelantes, em preliminar, suscitam a sua nulidade, alegando violação do artigo 17, do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil.
No mérito, postulam que o contrato de compra e venda firmado entre as partes seja declarado nulo, alegando que este foi firmado com vício de consentimento, já que os vendedores ocultaram dos compradores a situação financeira do fundo de comércio.
Asseveram que os atos praticados pelos apelados violam os princípios da boa-fé contratual, o dever de lealdade, além de acarretar excessiva onerosidade contratual aos apelantes.
Pretendem a reintegração na posse do imóvel dado como parte do pagamento do negócio e devolução das parcelas diárias pagas pelos apelantes aos apelados, corrigidas pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor. Requerem indenização por danos materiais e morais, com o acréscimo de juros e correção monetária e a condenação dos apelados nas custas processuais e honorários advocatícios.
Por fim, querem a anulação do contrato de cessão de direitos celebrado com os apelados João Ari dos Santos e Rosália Maria D'Avila Godoy (ME), como consequência da anulação do negócio jurídico firmado entre apelantes e apelados.
Nas contrarrazões os apelados rebatem os argumentos dos apelantes. Postulam o improvimento do Recurso.
Os apelados João Ari dos Santos e Rosália Maria Davila Godoy (ME) apresentaram as suas contrarrazões, requerendo o não acolhimento da preliminar suscitada, a improcedência dos pedidos e, alternativamente, caso o pedido de indenização por danos morais e materiais seja julgado procedente, que a culpa concorrente dos apelantes seja reconhecida. Por fim, postulam que os apelantes sejam condenados ao pagamento das custas e honorários advocatícios.
Os autos foram distribuídos ao Desembargador Roberto Barros e vieram a mim por redistribuição.
É o Relatório que submeti à revisão da eminente Desembargadora Waldirene Cordeiro.
Voto - O Desembargador Samoel Evangelista (Relator) Os apelantes buscam o acolhimento da preliminar de nulidade da Sentença. Invocam o artigo 17, do Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, alegando conflito de interesses entre as partes. Pretendem que seja determinado o retorno dos autos ao Juízo de primeiro grau, para a reabertura da instrução processual.
No mérito, pretendem que o Recurso de Apelação seja prova e a Sentença reformada, com vistas à procedência da Ação Anulatória.
Examino a preliminar.
Os apelantes alegam que o advogado Euclides Cavalcante de Araújo Bastos representou as duas partes - autor e réu - na Ação Anulatória . Dizem que o artigo 17, do Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, veda que advogados que compõem a mesma sociedade atuem em polos opostos, simultaneamente.
Importa discutir se a conduta do advogado citado prejudicou o interesse dos apelados ou é simplesmente questão administrativa a ser resolvida no âmbito do conselho de classe competente.
Observa-se na contestação juntada a partir da fl. 94, que a mesma foi subscrita pelo advogado Maurício Hohenberger e no formulário do escritório, não há menção ao Advogado Euclides Cavalcante de Araújo Bastos.
Há na fl. 187, petição subscrita pelo advogado Maurício Hohenberger, requerendo a retificação do nome do litisconsorte passivo. No formulário do escritório está o nome do advogado Euclides Bastos.
À fl. 226, consta o substabelecimento sem reserva de poderes do advogado Maurício Hohenberger para o advogado Janái Ferreira Praça. É importante atentar para o conteúdo da Certidão passada pelo Escrivão da 3ª Vara Cível da Comarca de Rio Branco, juntada à fl. 362, assim redigida:
"CERTIFICO para os devidos fins que compulsando os Autos do processo em epígrafe, verifiquei que foi desentranhada a petição de fls. 255/258 em razão ds mesmas pertencerem aos Autos do processo nº 001.03.011966-0, em apenso. Certifico ainda que, em razão do aludido desentranhamento, não se verifica nos autos qualquer instrumento procuratório apresentado pelas partes Ré José Bernardo da Silva e Gilda Oliveira da Silva Pinto (...)". (grifei).
À fl. 363, há outra Certidão cujo teor é o seguinte:
"CERTIFICO que a pedido verbal do Sr. Joaquim Carvalho Cardoso, compulsei os autos da ação anulatória, processo nº 001.03.008034-8, em que figura como parte Autora Joaquim Carvalho Cardoso e como partes Rés José Bernardo da Silva e Gilda Oliveira da Silva Pinto, e constatei que até a data de 28 de agosto de 2008 não havia procuração da parte Ré para o causídico Mauricio Hohenberger, OAB/AC 1387. Certifico ainda que no dia 29 de agosto de 2008, foi juntada procuração da parte Ré para o advogado João Paulo Feliciano Furtado, OAB/AC 2914-ª. A referida é verdade e dou fé. Rio Branco, 4 de setembro de 2008, às 16:38hs." (grifei)
Na verdade, o advogado Maurício Hohenberger atuou nos autos sem procuração. Isso fica claro quando se observa que somente à fl. 385 é que foi juntado o instrumento mandato conferido ao citado advogado e outros pelos apelados. Assim, o escritório em cujo formulário anteriormente constava o nome do advogado Euclides Cavalcante de Araújo Bastos só foi constituído em 19 de novembro de 2009. Na procuração juntada à fl. 385 não consta o nome do advogado Euclides Cavalcante de Araújo Bastos.
O advogado Euclides Cavalcante de Araújo Bastos só foi constituído nos autos pelos apelantes no dia 7 de agosto de 2009, por meio do substabelecimento juntado à fl. 373. A partir de então o mesmo atuou nos autos na representação dos apelantes, até o dia 21 de setembro de 2012, quando os poderes a ele outorgados foram revogados.
É falsa, portanto, a assertiva segundo a qual o advogado Euclides Cavalcante de Araújo Bastos teria atuado como representante das duas partes na demanda. Indo além, os apelantes não conseguiram demonstrar nexo entre a atuação do citado advogado e o prejuízo que tenham experimentado em razão disso.
Ressalto que eventual violação a preceitos éticos contidos no Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, é matéria a ser tratada junto à Entidade.
Nesse sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
A falta de ética funcional do advogado não enseja nulidade do processo, nem a sua extinção. Só à OAB cabe examinar e aplicar sanção por violação do Código de Ética. (STJ, Mandado de Segurança nº 11.086, Relatora Ministra Eliana Calmon)
Desse modo, não vislumbrando qualquer prejuízo, rejeito a preliminar.
Examino o mérito.
Os apelantes propuseram Ação Anulatória cumulada com Reparação de Danos contra os apelados, buscando a anulação de um contrato de compromisso de compra e venda de movimento de empresa mercantil.
No contrato ficou ajustado que os apelantes pagariam R$ 540.000,00 (quinhentos e quarenta mil reais) pelo negócio, sendo R$ 220.000,00 (duzentos e vinte mil reais) com a dação em pagamento de um imóvel residencial e o restante em parcelas diárias de R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais), até quitação do débito.
O contrato foi assinado no dia 10 de outubro de 2001, mas a prova testemunhal colhida em juízo e os depoimentos pessoais dos apelados, demonstram que os apelantes só começaram a conhecer a gestão do negócio no dia 22 de outubro de 2001.
Os apelantes narram que durante a negociação foram informados pelos apelados que a média mensal de venda do estabelecimento era cento e cinquenta mil reais, com lucro de vinte por cento sobre esse valor, sendo que o estoque do mercado estava avaliado em duzentos mil reais.
Assentam que quando assumiram a gestão do estabelecimento comercial, encontraram um estoque muito inferior ao esperado e grandes dívidas, demonstrando que a negociação foi fraudulenta , tornando inviável a administração da mercearia. Segundo afirmam, sem outra alternativa repassaram o fundo de comércio aos apelados João Ari dos Santos e Rosália Maria D'Avila Godoy (ME).
O exame do contrato juntado aos autos permite constatar que pelo negócio celebrado, os dois primeiros apelados transferiram aos apelantes o estoque, instalações e equipamentos do fundo de comércio denominado Mercearia Paulista.
Os apelados José Bernardo da Silva e Gilda Oliveira da Silva e Silva continuaram administrando a Mercearia Paulista no período que compreende a data da assinatura do contrato 10 de outubro de 2001 - até o dia 5 de janeiro de 2002. A alegação é que a segunda apelante necessitava de treinamento naquele ramo comercial, daí a justificativa para a permanência na gestão do empreendimento.
Alegam os apelantes que durante o citado treinamento não tinham acesso livre ao comércio, tampouco detinham o controle sobre a contabilidade e nem mesmo estavam autorizados a tratar diretamente com os fornecedores. É o que se constata das declarações prestadas em Juízo.
Quanto firmaram o negócio jurídico, os dois primeiros apelados deixaram de descrever no contrato as dívidas e quais as obrigações contraídas com os seus fornecedores. Incumbência que lhes competia por dever de boa-fé. De certo que os apelantes, cientes das dificuldades pelas quais passava o estabelecimento comercial não o teriam adquirido. Esse fato caracteriza a omissão dolosa, que torna nulo o negócio jurídico por vício da declaração da vontade. Nesse sentido, o artigo 147, do Código Civil dispõe:
Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado.
Na doutrina de Caio Mario da Silva Pereira:
(...) é igualmente doloso, nos negócios bilaterais, o silêncio a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, a sonegação da verdade, quando, por omissão de circunstâncias, alguém conduz outrem a uma declaração proveitosa a suas conveniências, sub conditione, porém, de se provar que sem ela o contrato não se teria celebrado (Código Civil, art. 147) (Instituições de Direito Civil, Ed. Forense, 23ª ed., p. 450).
Não há que se falar em dolus bônus, que consiste no exagero das qualidades daquilo que se quer vender, que em nada se assemelha com a venda de um fundo de comércio totalmente comprometido pelas dívidas e sem qualquer possibilidade de lucro.
Dispõe o artigo 422, do Código Civil:
Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Cabia aos dois primeiros apelados a obrigação de informar aos apelantes a real situação econômica do estabelecimento comercial. Não o fizeram. Desse modo, tenho que eles não observaram os deveres de probidade e boa-fé na ao formalização do negócio jurídico.
A doutrina de Carlos Roberto Gonçalves, ao tratar da boa-fé como princípio que rege o negócio jurídico diz que:
(...) a boa-fé objetiva exige que as partes se comportem de forma correta não só durante as tratativas, como também durante a formação e o cumprimento do contrato. Guarda relação com o princípio do direito segundo o qual ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza.
(...) impõe ao contratante um padrão de conduta, de agir com retidão, ou seja, com probidade, honestidade e lealdade, nos moldes do homem comum. (Gonçalves, Carlos Roberto, Direito Civil Brasileiro, Volume III, Saraiva, 2007).
Desse modo, tenho que a ética, a confiança, a lealdade e a cooperação, que são aspectos da boa-fé objetiva, não foram observadas na efetivação do contrato
Sobre a reintegração do imóvel dado como parte do pagamento do negócio, tenho que razão assiste aos apelantes.
Retiro do contrato juntado às fls. 35/36, que o imóvel situado à Rua Goldwasser Santos, nº 68, consta da cláusula terceira, como parte do pagamento do negócio realizado entre apelantes e apelados.
Inconteste que os atos praticados para a consecução do negócio foram firmados com dolo, razão pela qual a reintegração do imóvel que serviu como pagamento é medida que se impõe.
Do mesmo modo, é devido aos apelantes a restituição dos valores pagos a título de parcela diária. Assim, determino a devolução daqueles valores, devidamente corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor.
Sobre os danos morais, o valor da indenização deve ser fixado em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a se constituir em enriquecimento indevido, devendo seu arbitramento operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa e ao aporte financeiro das partes. Assim, determino o pagamento de R$ 8.000,00 (oito mil reais), acrescidos de juros de mora e correção monetária, o qual julgo suficiente para impedir a reiteração da conduta por parte dos apelados.
Como consequência da anulação do negócio jurídico firmado entre apelantes e os primeiros apelados, anulo o contrato de cessão de direitos firmado entre os apelados, João Ari dos Santos e Rosália Maria D'Avila Godoy (ME).
Inverto os ônus sucumbenciais definidos em Sentença em relação aos apelados José Bernardo da Silva e Gilda Oliveira da Silva e Silva. As custas devidas pelos apelados João Ari dos Santos e Rosália Maria D'Ávila Godoy (ME), ficam suspensas nos termos do artigo 12, da Lei nº 1.060/50.
Frente a essas considerações, conheço do Recurso de Apelação e lhe dou provimento para reformar a Sentença, julgando procedentes os pedidos dos apelantes.
É como voto.
D e c i s ã o
Como consta da Certidão de julgamento, Decisão foi a seguinte:
Preliminar de nulidade da Sentença rejeitada.
Apelação Cível provida. Unânime.
Presidiu o julgamento o Desembargador Samoel Evangelista Relator. Da votação participaram as Desembargadoras Waldirene Cordeiro e Regina Ferrari. Procurador de Justiça Carlos Roberto da Silva Maia.
Francisca das Chagas Cordeiro de Vasconcelos Silva
Secretária
Ementa
Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível nº 0800005-83.2003.8.01.0000, acordam, à unanimidade, os Membros que compõem a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Acre, em dar provimento ao Recurso, nos termos do Voto do Relator, que faz parte deste Acórdão.
Rio Branco, 1º de abril de 2013
Des. Samoel Evangelista
Presidente e Relator
Relatório Joaquim Carvalho Cardoso e Maria José Menezes Cardoso recorrem da Sentença do Juiz de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Rio Branco, que julgou improcedentes os pedidos formulados na Ação de Indenização nº 0800005-83.2003.8.01.0000, proposta por eles contra José Bernardo da Silva, Gilda Oliveira da Silva e Silva, João Ari dos Santos e Rosália Maria D'Ávila Godoy - ME. Na Sentença o Juiz consignou:
Pelo exposto, resolvendo o mérito da causa, julgo totalmente improcedentes os pedidos formulados na petição inicial. Condeno a parte Autora nas custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 1.000,00 (mil reais), nos termos do § 4º do art. 20 do Código de Processo Civil, suspendendo essa condenação nos termos da Lei Federal n. 1.060/50, em razão da gratuidade judiciária já deferida.
O Recurso é contra essa Sentença e os apelantes, em preliminar, suscitam a sua nulidade, alegando violação do artigo 17, do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil.
No mérito, postulam que o contrato de compra e venda firmado entre as partes seja declarado nulo, alegando que este foi firmado com vício de consentimento, já que os vendedores ocultaram dos compradores a situação financeira do fundo de comércio.
Asseveram que os atos praticados pelos apelados violam os princípios da boa-fé contratual, o dever de lealdade, além de acarretar excessiva onerosidade contratual aos apelantes.
Pretendem a reintegração na posse do imóvel dado como parte do pagamento do negócio e devolução das parcelas diárias pagas pelos apelantes aos apelados, corrigidas pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor. Requerem indenização por danos materiais e morais, com o acréscimo de juros e correção monetária e a condenação dos apelados nas custas processuais e honorários advocatícios.
Por fim, querem a anulação do contrato de cessão de direitos celebrado com os apelados João Ari dos Santos e Rosália Maria D'Avila Godoy (ME), como consequência da anulação do negócio jurídico firmado entre apelantes e apelados.
Nas contrarrazões os apelados rebatem os argumentos dos apelantes. Postulam o improvimento do Recurso.
Os apelados João Ari dos Santos e Rosália Maria Davila Godoy (ME) apresentaram as suas contrarrazões, requerendo o não acolhimento da preliminar suscitada, a improcedência dos pedidos e, alternativamente, caso o pedido de indenização por danos morais e materiais seja julgado procedente, que a culpa concorrente dos apelantes seja reconhecida. Por fim, postulam que os apelantes sejam condenados ao pagamento das custas e honorários advocatícios.
Os autos foram distribuídos ao Desembargador Roberto Barros e vieram a mim por redistribuição.
É o Relatório que submeti à revisão da eminente Desembargadora Waldirene Cordeiro.
Voto - O Desembargador Samoel Evangelista (Relator) Os apelantes buscam o acolhimento da preliminar de nulidade da Sentença. Invocam o artigo 17, do Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, alegando conflito de interesses entre as partes. Pretendem que seja determinado o retorno dos autos ao Juízo de primeiro grau, para a reabertura da instrução processual.
No mérito, pretendem que o Recurso de Apelação seja prova e a Sentença reformada, com vistas à procedência da Ação Anulatória.
Examino a preliminar.
Os apelantes alegam que o advogado Euclides Cavalcante de Araújo Bastos representou as duas partes - autor e réu - na Ação Anulatória . Dizem que o artigo 17, do Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, veda que advogados que compõem a mesma sociedade atuem em polos opostos, simultaneamente.
Importa discutir se a conduta do advogado citado prejudicou o interesse dos apelados ou é simplesmente questão administrativa a ser resolvida no âmbito do conselho de classe competente.
Observa-se na contestação juntada a partir da fl. 94, que a mesma foi subscrita pelo advogado Maurício Hohenberger e no formulário do escritório, não há menção ao Advogado Euclides Cavalcante de Araújo Bastos.
Há na fl. 187, petição subscrita pelo advogado Maurício Hohenberger, requerendo a retificação do nome do litisconsorte passivo. No formulário do escritório está o nome do advogado Euclides Bastos.
À fl. 226, consta o substabelecimento sem reserva de poderes do advogado Maurício Hohenberger para o advogado Janái Ferreira Praça. É importante atentar para o conteúdo da Certidão passada pelo Escrivão da 3ª Vara Cível da Comarca de Rio Branco, juntada à fl. 362, assim redigida:
"CERTIFICO para os devidos fins que compulsando os Autos do processo em epígrafe, verifiquei que foi desentranhada a petição de fls. 255/258 em razão ds mesmas pertencerem aos Autos do processo nº 001.03.011966-0, em apenso. Certifico ainda que, em razão do aludido desentranhamento, não se verifica nos autos qualquer instrumento procuratório apresentado pelas partes Ré José Bernardo da Silva e Gilda Oliveira da Silva Pinto (...)". (grifei).
À fl. 363, há outra Certidão cujo teor é o seguinte:
"CERTIFICO que a pedido verbal do Sr. Joaquim Carvalho Cardoso, compulsei os autos da ação anulatória, processo nº 001.03.008034-8, em que figura como parte Autora Joaquim Carvalho Cardoso e como partes Rés José Bernardo da Silva e Gilda Oliveira da Silva Pinto, e constatei que até a data de 28 de agosto de 2008 não havia procuração da parte Ré para o causídico Mauricio Hohenberger, OAB/AC 1387. Certifico ainda que no dia 29 de agosto de 2008, foi juntada procuração da parte Ré para o advogado João Paulo Feliciano Furtado, OAB/AC 2914-ª. A referida é verdade e dou fé. Rio Branco, 4 de setembro de 2008, às 16:38hs." (grifei)
Na verdade, o advogado Maurício Hohenberger atuou nos autos sem procuração. Isso fica claro quando se observa que somente à fl. 385 é que foi juntado o instrumento mandato conferido ao citado advogado e outros pelos apelados. Assim, o escritório em cujo formulário anteriormente constava o nome do advogado Euclides Cavalcante de Araújo Bastos só foi constituído em 19 de novembro de 2009. Na procuração juntada à fl. 385 não consta o nome do advogado Euclides Cavalcante de Araújo Bastos.
O advogado Euclides Cavalcante de Araújo Bastos só foi constituído nos autos pelos apelantes no dia 7 de agosto de 2009, por meio do substabelecimento juntado à fl. 373. A partir de então o mesmo atuou nos autos na representação dos apelantes, até o dia 21 de setembro de 2012, quando os poderes a ele outorgados foram revogados.
É falsa, portanto, a assertiva segundo a qual o advogado Euclides Cavalcante de Araújo Bastos teria atuado como representante das duas partes na demanda. Indo além, os apelantes não conseguiram demonstrar nexo entre a atuação do citado advogado e o prejuízo que tenham experimentado em razão disso.
Ressalto que eventual violação a preceitos éticos contidos no Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, é matéria a ser tratada junto à Entidade.
Nesse sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
A falta de ética funcional do advogado não enseja nulidade do processo, nem a sua extinção. Só à OAB cabe examinar e aplicar sanção por violação do Código de Ética. (STJ, Mandado de Segurança nº 11.086, Relatora Ministra Eliana Calmon)
Desse modo, não vislumbrando qualquer prejuízo, rejeito a preliminar.
Examino o mérito.
Os apelantes propuseram Ação Anulatória cumulada com Reparação de Danos contra os apelados, buscando a anulação de um contrato de compromisso de compra e venda de movimento de empresa mercantil.
No contrato ficou ajustado que os apelantes pagariam R$ 540.000,00 (quinhentos e quarenta mil reais) pelo negócio, sendo R$ 220.000,00 (duzentos e vinte mil reais) com a dação em pagamento de um imóvel residencial e o restante em parcelas diárias de R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais), até quitação do débito.
O contrato foi assinado no dia 10 de outubro de 2001, mas a prova testemunhal colhida em juízo e os depoimentos pessoais dos apelados, demonstram que os apelantes só começaram a conhecer a gestão do negócio no dia 22 de outubro de 2001.
Os apelantes narram que durante a negociação foram informados pelos apelados que a média mensal de venda do estabelecimento era cento e cinquenta mil reais, com lucro de vinte por cento sobre esse valor, sendo que o estoque do mercado estava avaliado em duzentos mil reais.
Assentam que quando assumiram a gestão do estabelecimento comercial, encontraram um estoque muito inferior ao esperado e grandes dívidas, demonstrando que a negociação foi fraudulenta , tornando inviável a administração da mercearia. Segundo afirmam, sem outra alternativa repassaram o fundo de comércio aos apelados João Ari dos Santos e Rosália Maria D'Avila Godoy (ME).
O exame do contrato juntado aos autos permite constatar que pelo negócio celebrado, os dois primeiros apelados transferiram aos apelantes o estoque, instalações e equipamentos do fundo de comércio denominado Mercearia Paulista.
Os apelados José Bernardo da Silva e Gilda Oliveira da Silva e Silva continuaram administrando a Mercearia Paulista no período que compreende a data da assinatura do contrato 10 de outubro de 2001 - até o dia 5 de janeiro de 2002. A alegação é que a segunda apelante necessitava de treinamento naquele ramo comercial, daí a justificativa para a permanência na gestão do empreendimento.
Alegam os apelantes que durante o citado treinamento não tinham acesso livre ao comércio, tampouco detinham o controle sobre a contabilidade e nem mesmo estavam autorizados a tratar diretamente com os fornecedores. É o que se constata das declarações prestadas em Juízo.
Quanto firmaram o negócio jurídico, os dois primeiros apelados deixaram de descrever no contrato as dívidas e quais as obrigações contraídas com os seus fornecedores. Incumbência que lhes competia por dever de boa-fé. De certo que os apelantes, cientes das dificuldades pelas quais passava o estabelecimento comercial não o teriam adquirido. Esse fato caracteriza a omissão dolosa, que torna nulo o negócio jurídico por vício da declaração da vontade. Nesse sentido, o artigo 147, do Código Civil dispõe:
Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado.
Na doutrina de Caio Mario da Silva Pereira:
(...) é igualmente doloso, nos negócios bilaterais, o silêncio a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, a sonegação da verdade, quando, por omissão de circunstâncias, alguém conduz outrem a uma declaração proveitosa a suas conveniências, sub conditione, porém, de se provar que sem ela o contrato não se teria celebrado (Código Civil, art. 147) (Instituições de Direito Civil, Ed. Forense, 23ª ed., p. 450).
Não há que se falar em dolus bônus, que consiste no exagero das qualidades daquilo que se quer vender, que em nada se assemelha com a venda de um fundo de comércio totalmente comprometido pelas dívidas e sem qualquer possibilidade de lucro.
Dispõe o artigo 422, do Código Civil:
Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Cabia aos dois primeiros apelados a obrigação de informar aos apelantes a real situação econômica do estabelecimento comercial. Não o fizeram. Desse modo, tenho que eles não observaram os deveres de probidade e boa-fé na ao formalização do negócio jurídico.
A doutrina de Carlos Roberto Gonçalves, ao tratar da boa-fé como princípio que rege o negócio jurídico diz que:
(...) a boa-fé objetiva exige que as partes se comportem de forma correta não só durante as tratativas, como também durante a formação e o cumprimento do contrato. Guarda relação com o princípio do direito segundo o qual ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza.
(...) impõe ao contratante um padrão de conduta, de agir com retidão, ou seja, com probidade, honestidade e lealdade, nos moldes do homem comum. (Gonçalves, Carlos Roberto, Direito Civil Brasileiro, Volume III, Saraiva, 2007).
Desse modo, tenho que a ética, a confiança, a lealdade e a cooperação, que são aspectos da boa-fé objetiva, não foram observadas na efetivação do contrato
Sobre a reintegração do imóvel dado como parte do pagamento do negócio, tenho que razão assiste aos apelantes.
Retiro do contrato juntado às fls. 35/36, que o imóvel situado à Rua Goldwasser Santos, nº 68, consta da cláusula terceira, como parte do pagamento do negócio realizado entre apelantes e apelados.
Inconteste que os atos praticados para a consecução do negócio foram firmados com dolo, razão pela qual a reintegração do imóvel que serviu como pagamento é medida que se impõe.
Do mesmo modo, é devido aos apelantes a restituição dos valores pagos a título de parcela diária. Assim, determino a devolução daqueles valores, devidamente corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor.
Sobre os danos morais, o valor da indenização deve ser fixado em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a se constituir em enriquecimento indevido, devendo seu arbitramento operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa e ao aporte financeiro das partes. Assim, determino o pagamento de R$ 8.000,00 (oito mil reais), acrescidos de juros de mora e correção monetária, o qual julgo suficiente para impedir a reiteração da conduta por parte dos apelados.
Como consequência da anulação do negócio jurídico firmado entre apelantes e os primeiros apelados, anulo o contrato de cessão de direitos firmado entre os apelados, João Ari dos Santos e Rosália Maria D'Avila Godoy (ME).
Inverto os ônus sucumbenciais definidos em Sentença em relação aos apelados José Bernardo da Silva e Gilda Oliveira da Silva e Silva. As custas devidas pelos apelados João Ari dos Santos e Rosália Maria D'Ávila Godoy (ME), ficam suspensas nos termos do artigo 12, da Lei nº 1.060/50.
Frente a essas considerações, conheço do Recurso de Apelação e lhe dou provimento para reformar a Sentença, julgando procedentes os pedidos dos apelantes.
É como voto.
D e c i s ã o
Como consta da Certidão de julgamento, Decisão foi a seguinte:
Preliminar de nulidade da Sentença rejeitada.
Apelação Cível provida. Unânime.
Presidiu o julgamento o Desembargador Samoel Evangelista Relator. Da votação participaram as Desembargadoras Waldirene Cordeiro e Regina Ferrari. Procurador de Justiça Carlos Roberto da Silva Maia.
Francisca das Chagas Cordeiro de Vasconcelos Silva
Secretária
Data do Julgamento
:
01/04/2013
Data da Publicação
:
06/05/2013
Classe/Assunto
:
Apelação / Espécies de Contratos
Órgão Julgador
:
Segunda Câmara Cível
Relator(a)
:
Samoel Evangelista
Comarca
:
Rio Branco
Comarca
:
Rio Branco
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