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Jurisprudência


TJAL 0000234-27.2010.8.02.0025

Ementa
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SENTENÇA QUE AFASTOU A APLICAÇÃO DO ART. 9º, XI E XII, SOB O FUNDAMENTO DE QUE NÃO RESTOU PROVADO QUE OS RÉUS OBTIVERAM ENRIQUECIMENTO ILÍCITO EM FUNÇÃO DOS CONTRATOS E DAS FRAUDES REALIZADAS, MAS CONDENOU-OS NAS DEMAIS IMPUTAÇÕES, POR ENTENDER QUE RESTOU COMPROVADA A PRÁTICA DE ATOS DOLOSOS QUE IMPLICARAM EM LESÃO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO E VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. APELO DO RÉU PAULO SÉRGIO VIEIRA SANTOS QUE TEVE SEU SEGUIMENTO NEGADO PELO MAGISTRADO A QUO, EM VIRTUDE DA DESERÇÃO. AUSÊNCIA DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO CONTRA A DECISÃO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA. PREPARO EFETIVAMENTE NÃO PAGO. DECISÃO CONFIRMADA, PARA NÃO CONHECER DO RECURSO. DECISÃO POR MAIORIA. APELO DO RÉU MAILSON DE MENDONÇA LIMA. INEXISTÊNCIA DE INÉPCIA DA INICIAL, QUE ESTÁ INSTRUÍDA COM DOCUMENTOS SUFICIENTES À PROPOSITURA DA AÇÃO. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA LEI N.º 8.429/92 AOS AGENTES POLÍTICOS. ART. 2º, LEI N.º 8.429/92. NO MÉRITO, TERMO DE DECLARAÇÕES PRESTADAS PELO RÉU PAULO SÉRGIO VIEIRA SANTOS QUE, ENCONTRANDO RESPALDO EM INDÍCIOS CONSTANTES DOS AUTOS, É SUFICIENTE PARA SUSTENTAR A CONDENAÇÃO. DOLO GENÉRICO VERIFICADO, SENDO DESNECESSÁRIA A CONSTATAÇÃO DE UM DOLO "ESPECÍFICO". INEXISTÊNCIA DE INÉPCIA DA INICIAL. DECISÃO POR MAIORIA DE VOTO. 1. A regra geral é que cabe ao autor juntar todas as provas documentais para a confirmação dos fatos que alega no momento da propositura da ação, sob pena de preclusão ou, nos casos em que tais provas sejam indispensáveis ou tidas por lei como absolutamente necessárias, de indeferimento da própria inicial, nos termos dos arts. 283 e 284, CPC/1973, vigente à época da propositura da ação, os quais foram reproduzidos quase que em sua integralidade pelos arts. 320 e 321 do NCPC. 2. O processamento da presente lide não requer necessariamente a presença de provas documentais, sobretudo na fase inicial do processo. Os casos em que determinado documento é "indispensável" são justamente aqueles em que a lei atribui a exclusividade da prova documental ou aqueles em que o próprio autor da ação aponta o documento como única prova do fato. Consequentemente, para além dessas hipóteses, isto é, se os fatos podem ser provados por outras formas, não será o caso de indeferimento da inicial, já que haverá ainda uma instrução processual inteira pela frente. 3. Nos presentes autos, as imputações feitas dizem respeito a fraudes licitatórias e inexecução de obras públicas contratas junto a empreiteiras. Para a prova documental inicial de tais fatos, o Ministério Público juntou o termo de declarações de um dos réus, Paulo Sérgio Vieira Santos, em que depõe acerca da existência de um esquema de desvio de recursos públicos. Juntou também mídia digital (CD), contendo fotografias das sedes das empresas que participaram das licitações e contratos públicos, e cópia da ata de posse do réu Mailson de Mendonça Lima no cargo de Prefeito (fls. 20-30). 4. Tais provas documentais são o bastante para a fase inicial do processo, na medida em que contém os indícios suficientes da prática dos atos de improbidade administrativa, cumprindo exatamente ao que prescreve o art. 17, § 6º, da Lei n.º 8.429/92. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA LEI N.º 8.429/92 AOS AGENTES POLÍTICOS. 1. Os arts. 1º e 2º da Lei n.º 8.429/92 estabelecem quem pode ser réu numa ação de improbidade administrativa, trazendo um rol bastante amplo de agentes públicos, que abrange os agentes políticos. O art. 2º deixa bem claro que se consideram agente público, também, aqueles que exercem transitoriamente cargo eletivo, o que inclui, por óbvio, os Prefeitos. 2. Agente público compreende uma classe genérica que abrange todos aqueles que de alguma forma exercem função pública, isto é, exercem alguma competência estatal, o que inclui os agentes políticos. 3. O Superior Tribunal de Justiça já consolidou o entendimento de que os Prefeitos se submetem à Lei n.º 8.429/92, conforme se verifica no julgamento do AgRg no AREsp: 399128 SC. SUFICIÊNCIA DO ACERVO PROBATÓRIO CONSTANTE DOS AUTOS 1. A análise do presente caso não pode ser feita isoladamente, mas deve levar em consideração todo o contexto fático que cercou a presente demanda. O réu Paulo Sérgio Vieira Santos, então vereador pelo Município de Carneiros, prestou ao Grupo Estadual de Combate às Organizações Criminosas – GECOC, em 27 de abril de 2009, as declarações acostadas às fls. 21/26, descrevendo esquema de fraudes em licitações em 19 (dezenove) Municípios do Sertão de Alagoas, listando as notas fiscais relativas a cada um dos Municípios referidos, individualizando o modus operandi em cada localidade, bem como indicando expressa e nominalmente quem eram os gestores públicos municipais e o intermediário das negociações em cada municipalidade. 2. As declarações de Paulo Sérgio Vieira Santos deram ensejo à propositura de 08 (oito) ações de improbidade administrativa em seu desfavor, e mais 06 (seis) ações penais, todas voltadas a apurar a veracidade das referidas alegações, em cujos autos uma situação se mostra comum, pois, em sua maioria, o acervo probatório é frágil, e as alegações da parte autora (de regra, o Ministério Público Estadual) se embasam quase que exclusivamente no depoimento feito pelo réu Paulo Sérgio Vieira dos Santos perante o GECOC. 3. Tal fato, embora lamentável, é esperado. É que as condutas investigadas, atos de improbidade administrativa ou crimes "de colarinho branco" não costumam deixar rastros muito expressivos, sobretudo quando passados anos de sua ocorrência, e mais ainda quando ocorrem em municípios sertanejos de um estado coronelista como Alagoas. É que dificilmente, ao julgar um caso como o discutido, o Poder Judiciário irá se deparar com um caderno processual repleto de provas robustas da prática dos atos de improbidade ou dos delitos investigados. 4. A referida prova robusta não será encontrada, sobretudo no presente momento, em que quaisquer vestígios mais expressivos que porventura existissem já foram apagados. Caso se decida por aguardar o advento de um tal acervo probante, a grande probabilidade é que Paulo Sérgio Vieira Santos e os demais envolvidos sejam todos absolvidos, e que este Poder Judiciário seja feito de tolo, por deixar de conceder a tutela jurisdicional correta em situações que a demandavam, porque entendeu necessária uma prova que nunca será obtida. 5. Os julgadores, assim, se quiserem punir a prática dos atos que atentam contra o ordenamento jurídico pátrio, terão de contentar-se com indícios de que as condutas foram praticadas. Os Tribunais pátrios já vêm autorizando a possibilidade de condenação embasada em provas indiciárias, mesmo na esfera criminal. 6. É que, em virtude da impossibilidade de obtenção de provas incontestes de que as fraudes ocorreram, a busca deve ser por elementos que indiquem que as informações que Paulo Sérgio Vieira Santos forneceu são verídicas, porque a comprovação dos detalhes concedidos em abundância denotará a própria veracidade das condutas narradas, servindo como indícios destas. 7. Na busca de indícios nos autos, alguns podem ser encontrados, no sentido de corroborar a veracidade das informações declaradas por Paulo Sérgio Vieira Santos. Ademais, as imagens constantes da mídia digital acostada aos autos junto com a exordial pelo Parquet estadual demonstram que as referidas empresas são, literalmente, "de fachada", porque afigura-se evidente que as empresas localizadas nos recintos descritos, completamente desestruturadas, não possuiriam condições fáticas de se sagrar vencedoras e executar a contento o objeto de licitações envolvendo serviços de construção civil. Tal constatação se coaduna veementemente com a prática dos atos de improbidade declarados por Paulo Sérgio Vieira Santos ao GECOC. 8. A retratação pouco eficaz das referidas declarações em Juízo por Paulo Sérgio Vieira Santos em nada diminui a força probante que possuem. É evidente que esta, a retratação, se deveu apenas ao fato de que o delator, arrependido ao se ver imerso em problemas, sem ter recebido os benefícios com os quais contava, entendeu não valer a pena corroborá-las e retratou-se. 9. Por outro lado, Paulo Sérgio Vieira Santos jamais defendeu que não foram suas as palavras contidas na referida declaração. Embora tenha dito que as prestou sob coação de autoridades as quais sequer sabe nominar, fato que não restou provado, nunca afirmou que as informações não foram por ele fornecidas. Chega a questionar sua veracidade, é certo, mas não sua autoria. E mesmo quanto à veracidade, embora diga que falou de coisas de que tinha e coisas de que não tinha conhecimento, jamais fez tal diferenciação. 10. É importante ressaltar que foi esta a lógica que a 3ª Câmara Cível desta Corte utilizou para manter a sentença condenatória nos autos da Ação Civil de Improbidade Administrativa n.º 0000854-73.2009.8.02.0025. 11. Destarte, não resta dúvida de que, no contexto delineado nos autos, está comprovada a prática das condutas relatadas na exordial, consubstanciando a fraude nas licitações que culminaram na emissão fraudulenta das notas fiscais listadas na exordial, concedendo ao ato finalidade distinta da que é por lei prevista. Assim, consoante consta na sentença apelada, está consubstanciada a prática dos atos de improbidade administrativa tipificados no inciso VIII do art. 10 e no inciso I do art. 11 da Lei n.º 8.429/1992. CARACTERIZAÇÃO DO ATO ÍMPROBO ENCARTADO NO ART. 10 DA LEI N.º 8.429/1992. 1. Especificamente no que concerne ao ato ímprobo tipificado no art. 10, importa esclarecer que o dano ou prejuízo ao erário difere, e prescinde, do enriquecimento ilícito do agente, sendo possível haver dano ao erário sem que os valores tenham sido incorporados ao patrimônio do agente ímprobo. 2. Tanto o é que a Lei de Improbidade Administrativa categoriza em seções distintas os "Atos de Improbidade Administrativa que Importam Enriquecimento Ilícito" - Seção I, do Capítulo II, art. 9º -, e os "Atos de Improbidade Administrativa que Causam Prejuízo ao Erário" - Seção II, do Capítulo II, art. 10. 3. O que se resta discutir, no caso, é a ocorrência de dano ou prejuízo ao erário, e não de enriquecimento ilícito dos réus, de sorte que é plenamente desnecessária, in casu, a prova, que o Juízo a quo já reconheceu inexistente, de que estes incorporaram a seus patrimônios quaisquer dos valores referentes ao prejuízo sofrido pela municipalidade. 4. Os incisos I e VIII do art. 10 da LIA expõem um tipo aberto, que pode abarcar ação ou omissão, dolosa ou culposa, a qual seja apta a causar lesão ao erário pela perda, desvio, apropriação, pelo malbaratamento ou dilapidação do patrimônio das entidades protegidas. 5. Ademais, não é despiciendo que se ressalte que o rol contido nos incisos do art. 10 da LIA não é taxativo, na medida em que caso ocorra dano ao erário causado por comportamento que, apesar de não constar dos incisos, enquadra-se na prescrição do caput, está configurado o ato de improbidade. DOLO GENÉRICO VERIFICADO, SENDO DESNECESSÁRIA A CONSTATAÇÃO DO DOLO "ESPECÍFICO". 1. Inobstante de fato seja exigível o dolo para fins de configuração do ato de improbidade tipificado no art. 11 da LIA, cuja prática não é admitida a título de culpa, é certo que as condutas ali tipificadas não demandam que esse dolo seja "específico", ou seja, voltado diretamente para o ganho pessoal do agente ou a causação de prejuízo ao ente público, sendo suficiente que seja "genérico", consubstanciando-se na intelecção e volição da prática do ato, sem que haja a necessidade de que os elementos intelectivo e volitivo se dirijam à finalidade de enriquecer ilicitamente, provocar dano ao erário, ou mesmo que se voltem, deliberadamente, ao intento de afrontar os princípios de regência da Administração Pública. 2. A exigência do dolo limita-se a demandar que o agente tenha atuado (ou se quedado inerte) consciente e voluntariamente, sem que seja exigido que almejasse atingir qualquer objetivo outro. Assim, a consciência e a vontade que são requeridas são de realizar a conduta, e não de com ela atingir fim determinado. CONSIDERAÇÕES FINAIS ACERCA DO CASO. 1.Inexiste "equívoco" Na condenação com base em contexto probante indiciário, vez que os indícios, quando observados em conjunto, se afiguram suficientes a dar azo a um juízo condenatório. 2. O entendimento diverso contraria os ideais de vanguarda que vêm permeando os entendimentos do Judiciário nacional nos processos que versam sobre a moralização da Administração Pública, independentemente da natureza, se cível ou penal. 3. É fato incontroverso nos autos que a Empreiteira Santos Ltda., também se sagrou vencedora de licitações no feito, inclusive ambos os réus, ao deporem em juízo, reconheceram tal fato. 4. Parte das fotos corresponde à Empreiteira Vieira Ltda., sendo que jamais foi dito que as referidas fotos foram tiradas em Monteirópolis, inexistindo informações sobre o local em que as imagens foram produzidas, o que pode ter ocorrido em Carneiros/AL. 5. Não é fato incontroverso que as fotos foram tiradas no ano de 2009, mas, ainda que assim se entenda, as fraudes apontadas na exordial não se restringem aos anos de 2007 e 2008, mas englobam, também, o ano de 2009. 6. É evidente que não serão encontrados vícios nos procedimentos licitatórios juntados aos autos, justamente porque se tratam de fraudes, as quais foram veiculadas mediante simulações e ardis, que certamente não seriam registrados por escrito no procedimento administrativo. É dizer, é esperado que as licitações não contenham provas das fraudes, porque foram montadas justamente para mascarar as condutas ilícitas. 7. Este Relator jamais consignou que o depoimento de Paulo Sério Vieira Santos adentrou aos autos com a conotação de "confissão" ou "acordo de colaboração premiada". 8. A referida prova foi adotada como documento público (porque elaborado perante o MP) comprobatório das declarações, ao qual deve ser dada a disciplina jurídica prevista no art. 364 do CPC/1973, atual art. 405 do NCPC, de maneira que há presunção de veracidade do conteúdo do documento, a qual apenas será elidida por "prova" em contrário, inexistente no presente caso. 9. Ademais, mesmo que se tomasse o referido documento como confissão extrajudicial, esse ainda serviria como prova, não se aplicando o disposto no art. 394 do CPC/1973, visto que, em primeiro lugar, é certo que a "confissão" em comento não foi feita oralmente, mas por escrito, perante o Ministério Público Estadual, o que já descaracteriza a incidência do dispositivo, e por outro lado, quando o CPC se refere aos casos em que a lei exige uma forma de prova específica, a exemplo da prova do casamento, o qual, segundo o art. 1.543, apenas se comprova pela certidão de registro (Art. 1.543. O casamento celebrado no Brasil prova-se pela certidão do registro). 10. Considerando que as declarações de Paulo Sérgio Vieira Santos ingressaram nos autos como documento, não há dúvida de que podem ser usadas em desfavor de Mailson de Mendonça Lima, de sorte que tampouco se aplica ao caso o disposto no art. 391 do NCPC. SENTENÇA MANTIDA. RATIFICAÇÃO DO NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO DO RÉU PAULO SÉRGIO VIEIRA SANTOS. MAIORIA DE VOTOS. RECURSO DO RÉU MAILSON DE MENDONÇA LIMA CONHECIDO E, POR MAIORIA DE VOTOS, NÃO PROVIDO. JULGAMENTO REALIZADO NOS TERMOS DO ART. 942 DO NCPC.

Data do Julgamento : 26/02/2018
Data da Publicação : 28/02/2018
Classe/Assunto : Apelação / Improbidade Administrativa
Órgão Julgador : 1ª Câmara Cível
Relator(a) : Des. Fábio José Bittencourt Araújo
Comarca : Olho D'Agua das Flores
Comarca : Olho D'Agua das Flores
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