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Jurisprudência


TJAL 0003859-54.2004.8.02.0001

Ementa
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CONTRATO DE MÚTUO. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. PLANO DE EQUIVALÊNCIA SALARIAL. SENTENÇA QUE JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTE A PRETENSÃO AUTORAL. RECURSO INTERPOSTO PELO BANCO DO ESTADO. PROTEÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA FORÇA OBRIGATÓRIA DOS CONTRATOS. A força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda), que constitui a base do direito contratual, corresponde a verdadeiro princípio geral de direito, calcado na máxima de que o contrato faz lei entre as partes, cuja finalidade é conferir estabilidade e previsibilidade à relação jurídica, por meio da sua intangibilidade.  Tal princípio sofreu uma releitura, passando a ser mitigado pela crescente utilização, na jurisprudência, do princípio da razoabilidade, e pela expansão do papel do juiz na revisão dos contratos, em decorrência do sistema jurídico atual, que passou a privilegiar modelos jurídicos abertos, dependentes da mediação do juiz. CONTRATO DE MÚTUO COM COBERTURA DO FCVS. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INSTRUMENTO QUE FOI FIRMADO ANTES DE SUA VIGÊNCIA. INAPLICABILIDADE. A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, "pacificou o entendimento de serem inaplicáveis as regras do Código de Defesa do Consumidor ao contrato de mútuo habitacional firmado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, com cobertura do FCVS, tendo em vista que a garantia ofertada pelo Governo Federal, de quitar o saldo residual do contrato com recursos do mencionado Fundo, configura cláusula protetiva do mutuário e do SFH, fato que afasta a utilização das regras previstas no citado Código" (AgRg no AREsp 538.224/RS). REAJUSTAMENTO DAS PRESTAÇÕES COM BASE NO PLANO DE EQUIVALÊNCIA SALARIAL. DECLARAÇÃO EXPEDIDA POR SINDICATO COM A ESPECIFICAÇÃO DOS PERCENTUAIS DE REAJUSTE DO MUTUÁRIO DURANTE A VIGÊNCIA DO CONTRATO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. ANÁLISE DA CORREÇÃO DO SALDO DEVEDOR. QUESTÃO COMPLEXA. NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL EM SEDE DE LIQUIDAÇÃO. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA Nº 315 DO TST. 01- Não impugnados especificamente os documentos apresentados pelo autor e, mais precisamente, a declaração com os índices de reajustes aplicáveis à sua remuneração no período reclamado, tem-se que o documento deve ser considerado em sede de liquidação por arbitramento para aferir se haverá saldo a favor ou contra o mutuário. 02- A despeito da previsão contida no parágrafo único da cláusula nona do contrato, no sentido de que caberia ao mutuário comprovar junto ao banco estatal seus reajustes salariais, ainda que esse aquele não tenha se desincumbido desse ônus, o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal) permite a readequação das prestações, desde que a parte aja dentro do prazo prescricional, como no caso presente. 03- Consoante já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça, o acréscimo, nas parcelas de financiamento, resultante da conversão dos salários em URV "não contraria o Plano de Equivalência Salarial, servindo, em verdade, para garantir o equilíbrio econômico financeiro do contrato" (AgRg no REsp 918.541/RS), bem como de que "o índice aplicável ao reajuste da prestação nos contratos de financiamento habitacional no mês de abril de 1990, relativo ao mês de março do mesmo ano, é o IPC, no percentual de 84, 32%" (AgRg no REsp 931.211/RS). 04- Inaplicabilidade da Súmula nº 315 do Tribunal Superior do Trabalho às instâncias cíveis ordinárias, por caber ao Superior Tribunal de Justiça, à luz da dicção do art. 105, inciso III, alínea "c", da Constituição Federal, a incumbência de estabelecer a interpretação da legislação federal. 05- Necessidade de reajustamento das prestações, com o refazimento dos cálculos em observância aos percentuais de aumento constantes na declaração expedida pelo ente sindical, mantendo a atualização das prestação com base na URV, no período de transição do cruzeiro real para URV, e a incidência do IPC de 84,32%, no mês de março de 1990 (Plano Collor). POSSIBILIDADE DE REAJUSTAMENTO DO SALDO DEVEDOR PELA TR. PRETENSÃO ACOLHIDA PELO JUÍZO DE ORIGEM. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. Tendo a pretensão deduzida pela recorrente sido acolhida em seus exatos termos pelo Juízo de origem, tem-se que falece de interesse a pretensão que buscava seu reconhecimento no âmbito do recurso. COEFICIENTE DE EQUIPARAÇÃO SALARIAL (CES). POSSIBILIDADE DE COBRANÇA NOS CONTRATOS FIRMADOS ANTES DA LEI Nº 8.692/1993, DESDE QUE EXPRESSAMENTE PREVISTO NO CONTRATO. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INEXISTÊNCIA DE PROVA QUANTO À SUA PREVISÃO NO CONTRATO. 01- É firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de admitir a cobrança do CES, "inclusive nos contratos pactuados antes da Lei n. 8.692/93, desde que expressamente previsto" (REsp 1483061/RS). 02- Não havendo prova de previsão do CES, tem-se que deve ser afastada sua cobrança no caso concreto. NÃO CARACTERIZAÇÃO DO ANATOCISMO. IMPOSSIBILIDADE DE CAPITALIZAÇÃO DE JUROS NOS CONTRATOS CELEBRADOS NO ÂMBITO DO SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. 01- "A mera circunstância de estar pactuada taxa efetiva e taxa nominal de juros não implica capitalização de juros" (STJ - AgRg no AREsp 533.200/RS), de modo que a aferição da cobrança de juros sobre juros somente será possível mediante a produção de prova pericial. 02- De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, nos contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, é vedada a capitalização de juros em qualquer periodicidade. Todavia, o referido tribunal tem reafirmado sua impossibilidade aferir se há ou não anatocismo com a utilização da Tabela Price, por força dos enunciados das Súmulas nºs 5 e 7 (REsp 1483061/RS). 03- Manutenção do capítulo da Sentença que proíbe a capitalização de juros, expurgando-se a cobrança correspondente, caso venha a ser constatada com a produção da prova pericial em sede de liquidação. MANUTENÇÃO DO SISTEMA DE AMORTIZAÇÃO PELA TABELA PRICE. IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO PELO SISTEMA SACRE. LEGALIDADE DA TABELA PRICE. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 01- Consoante vem reiteradamente decidindo o Superior Tribunal de Justiça, "[a] utilização do Sistema Francês de Amortização, Tabela Price, para o cálculo das prestações da casa própria não é ilegal e não enseja, por si só, a incidência de juros sobre juros" (AgRg no AREsp 533.528/RS). 02- Evidenciado nos autos que o Sistema Price foi devidamente pactuado e a utilização desse sistema, à luz do Superior Tribunal de Justiça, é plenamente consentânea com o sistema jurídico pátrio, inexiste razão para o seu afastamento. MANUTENÇÃO DA COMISSÃO DE CONCESSÃO DE CRÉDITO. ABUSIVIDADE DA COBRANÇA MÊS A MÊS. INCIDÊNCIA UMA ÚNICA VEZ. NECESSIDADE DE VERIFICAÇÃO POR MEIO DE PROVA PERICIAL. 01- Consoante já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, "Na linha dos precedentes desta Corte, é abusiva a incidência, mês a mês, da 'taxa de cobrança de serviço' ou 'taxa de administração de crédito', também conhecida como 'comissão de concessão de crédito'. Esse encargo, cobrado pela instituição financeira para fornecer crédito ao mutuário, incide apenas uma vez" (AgRg no REsp 1171437/RS). 02- Não havendo como determinar, no caso dos autos, se a comissão de concessão de crédito incidiu apenas uma vez ou em todos os meses, tem-se por imperiosa a realização da perícia técnica, de modo a saber efetivamente se a cobrança foi ou não abusiva. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. POSSIBILIDADE DE REVERSÃO DE SALDO FAVORÁVEL AO AUTOR APÓS A FASE DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. Em face do acolhimento da pretensão revisional, ensejando a possibilidade de reversão, na fase de liquidação correspondente, de saldo favorável ao autor, impõe-se a manutenção da condenação da repetição do indébito, em sua forma simples, considerando que nos contratos firmados com base no Plano de Equivalência Salarial (PES), "[a] repetição em dobro do indébito somente é cabível quando comprovado que a cobrança excessiva se deu por má-fé. Precedentes" (AgRg no AREsp 592.212/RS). LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. NÃO OCORRÊNCIA. Não há de se falar em condenação à pena de multa por litigância de má-fé, quando a parte autora declina os fundamentos que dão amparo às suas teses, apoiando-se nas disposições aplicáveis à espécie e nos entendimentos dos tribunais pátrios, sem promover qualquer manipulação dolosa de fatos ou documentos que instruem a causa. RECURSO INTERPOSTO PELO MUTUÁRIO REAJUSTE DAS PRESTAÇÕES NO PES/CP. PRETENSÃO ACOLHIDA COM A MANUTENÇÃO DO REAJUSTAMENTO DAS PRESTAÇÕES NO RECURSO INTERPOSTO PELO BANCO. Em face da manutenção do reajustamento das prestações no âmbito do recurso interposto pelo Produban, a presente pretensão recursal foi parcialmente acolhida, com o refazimento dos cálculos observando os percentuais de aumento constantes na declaração de fls. 99/103, manutenção da atualização das prestações com base na URV, no período de transição do cruzeiro real para URV, e a incidência do IPC de 84,32% (oitenta e quatro vírgula trinta e dois por cento), no mês de março de 1990. MANUTENÇÃO DOS SEGUROS OBSERVANDO O PERCENTUAL CORRETO DOS REAJUSTES. INEXISTÊNCIA DE PROVA QUANTO AO PERCENTUAL RELATIVO AO PRÊMIO. 01- Com a ausência de produção de prova pericial durante a instrução processual, nem mesmo juntada de qualquer outro documento comprovando o percentual relativo ao prêmio, a aferição de que os valores cobrados a título de seguro estariam ou não sendo abusivos ou em descompasso com o contrato restou inviável. 02- Evidenciada a legalidade da cobrança do seguro obrigatório nos contratos de mútuo vinculados ao Sistema Financeiro de Habitação, outro caminho não há senão manter sua cobrança, ficando a revisão dos valores concernentes aos reajustes sujeita à produção da prova técnica antes de ingressar na fase de cumprimento de sentença. FUNDHAB. PREVISÃO CONTRATUAL. LEGALIDADE DA COBRANÇA. PRECEDENTE JURISPRUDENCIAL DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INEXISTÊNCIA DE PROVA, POR PARTE DO AUTOR, DE QUE TERIA EFETUADO O PAGAMENTO, E, POR PARTE DO RÉU, DE QUE O VENDEDOR DO IMÓVEL TERIA ADIMPLIDO A REFERIDA VERBA. 01- Consoante já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, "A cobrança do FUNDHAB, de responsabilidade do vendedor do imóvel, contratante do financiamento, é legal, desde que pactuada" (REsp 728.650/AM). 02- Pretensão acolhida no sentido de declarar que o pagamento da FUNDHAB é de responsabilidade do vendedor do imóvel, com a repetição, em favor do autor, de possível indébito, caso comprovado o pagamento no laudo pericial a ser produzido na fase própria de liquidação. RECURSO DO BANCO PARCIALMENTE CONHECIDO E DO MUTUÁRIO INTEGRALMENTE CONHECIDO, SENDO AMBOS PARCIALMENTE PROVIDOS. DECISÃO UNÂNIME.

Data do Julgamento : 21/06/2017
Data da Publicação : 22/06/2017
Classe/Assunto : Apelação / Interpretação / Revisão de Contrato
Órgão Julgador : 1ª Câmara Cível
Relator(a) : Desembargador Fernando Tourinho de Omena Souza
Comarca : Maceió
Comarca : Maceió
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