TJAL 0283919-83.1974.8.02.0000
PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. CORRÉUS. POLICIAIS. TORTURA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. DECLARAÇÕES DA VÍTIMA COLHIDAS EM TEMPO ANTERIOR AO INÍCIO DA AÇÃO PENAL. VALOR DE DEPOIMENTO JUDICIAL. PRESENÇA DE MAGISTRADO, DOIS PROMOTORES DE JUSTIÇA E DE UM DEFENSOR NA COLHEITA DO DEPOIMENTO. REGIME EQUIVALENTE AO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. NECESSIDADE E ADEQUAÇÃO. VÍTIMA ASSASSINADA, DENTRO DO PRESÍDIO, DIAS APÓS A TOMADA DE SUAS DECLARAÇÕES E ANTES DE INICIADA A INSTRUÇÃO CRIMINAL. URGÊNCIA EVIDENCIADA. PROVA IDÔNEA. DECLARAÇÕES COERENTES E HARMONIOSAS COM O LAUDO DE EXAME DE CORPO DE DELITO. CRIME OCORRIDO NAS DEPENDÊNCIAS DA DELEGACIA. AUSÊNCIA DE TESTEMUNHAS OCULARES ISENTAS. ESPECIAL RELEVÂNCIA DAS PALAVRAS DA VÍTIMA. LESÕES TÍPICAS DE ESPANCAMENTO. PROVA TÉCNICA CONCLUSIVA PELA OCORRÊNCIA DE TORTURA. ABALO FÍSICO E EMOCIONAL DA VÍTIMA COMPROVADO. INTENSO SOFRIMENTO PSÍQUICO. TENTATIVAS DE SUICÍDIO DURANTE O TEMPO EM QUE SOFREU TORTURA. IDONEIDADE DAS DECLARAÇÕES DA VÍTIMA. AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO DEVIDAMENTE CONTEMPLADOS. SENTENÇA CONDENATÓRIA COMO FRUTO DA LIVRE CONVICÇÃO MOTIVADA DO JUIZ. JUÍZO CONDENATÓRIO MANTIDO. PLEITO DE DECOTE DA AGRAVANTE INSERIDA NO ARTIGO 61, II, "i", CP IMPROCEDENTE. PLENA POSSIBILIDADE DE CONCILIAÇÃO DA AGRAVANTE COM O TIPO NO QUAL OS RECORRENTES RESTARAM CONDENADOS. SITUAÇÃO PECULIAR DO APELANTE JOSÉ MÁRIO LESSA. DÚVIDA QUE LHE FAVORECE, EM HOMENAGEM AO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO. RECURSOS DE APELAÇÃO CRIMINAL CONHECIDOS E IMPRÓVIDOS, A EXCEÇÃO DO RECURSO DE JOSÉ MÁRIO LESSA.
I - A reforma do Código de Processo Penal veiculada pela lei n. º 11.690/08, fornecendo nova redação ao artigo 156, permitiu ao magistrado, ainda no curso do Inquérito Policial, determinar a produção antecipada de provas reputadas urgentes, como medida acautelatória extrema da efetividade da prestação jurisdicional, diante da possibilidade de seu perecimento.
Com efeito, embora não se vislumbre, neste processo, a instauração de um incidente próprio de produção antecipada de provas, houve rigorosa cautela do juízo que inquiriu a vítima, assegurando condições formais equivalentes ao do regime de antecipação de provas: a vítima foi ouvida perante uma autoridade judiciária, dois promotores de justiça e um defensor público.
Por outro lado, a urgência e relevância do colhimento antecipado das palavras da vítima tornou-se indiscutível, ante a notícia de seu assassinato dias após a reveladora narrativa da tortura que sofrera, citando seus algozes - todos policiais -, de uma maneira sóbria e coerente com as lesões apresentadas em seu corpo.
Sendo idôneo o colhimento das declarações da vítima, estas servem como prova. Frise-se que, como instrumento hábil na formação do convencimento do magistrado, tal prova submeteu-se à discussão processual, com a sua posterior valoração na sentença.
Improcedente a preliminar de nulidade aventada pela Defesa dos apelantes Jackson Suíça dos Santos, Jarisson dos Santos e Ivan Augusto de Lima, razão pela qual se deve reputar válida a sentença condenatória.
II - Os crimes de Tortura, quando praticados por policiais nas dependências de uma Delegacia, equiparam-se, quanto ao modus operandi, aos crimes sexuais, que são cometidos às escuras, longe dos olhos da sociedade, e sem testemunhas presenciais isentas de interesse, daí por que as palavras da vítima, desde que verossímeis, se revestem de especial meio de prova. Atente-se que tais declarações encontram força na prova pericial médica acostada aos autos, a qual conclui, categoricamente, pela ocorrência de tortura, física e psicológica, em total harmonia com o relato dos fatos criminosos apresentado pela vítima.
III - A magistrada, diante de sua livre convencimento devidamente motivado, entendeu pela suficiência das provas carreadas aos autos do processo. Juízo condenatório mantido.
IV Improcedente o pleito de decote da agravante prevista no artigo 61, II, "i", CP, quanto aos apelantes Jackson Suíca, Jarisson dos Santos e Ivan Augusto, em razão de a circunstância de "o ofendido estar sob a imediata proteção da autoridade" ser plenamente conciliável com o tipo ao qual foram condenados, que não contempla tal circunstância como sua elementar.
V Todavia, situação diferente ocorre com a condenação do apelante Themildo das Trevas, Delegado plantonista do Distrito Policial ao qual a vítima, presa, foi encaminhada. Uma vez que a circunstância de a vítima encontrar-se sob a imediata proteção da autoridade constitui elementar do tipo no qual foi condenado, imperioso o decote da agravante inserida no artigo 61, II, "i", CP, sob pena de afronta ao princípio ne bis in idem. Pena atenuada, de ofício, para o patamar de 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão.
VI - Todavia, a situação de José Mário Lessa se distoa dos demais recorrentes. Isso por que a própria vítima cuida de diferenciar a sua participação que, se houve, foi de menor importância.
Isto por que, a vítima afirma, categoricamente, que o recorrente não participou de qualquer sessão de tortura física contra ela. O recorrente não exerceu um ato sequer de violência. Isso é incontroverso.
A única acusação que pesa contra ele é a afirmação da vítima de que o recorrente a teria ameaçado, dizendo, no momento em que apanhava seu interrogatório, que o recorrente teria dito que a mesma não sairia viva daquele ambiente institucional. Essa seria, única e exclusivamente, a conduta criminosa praticada pelo apelante. Todavia, nesse específico caso, entendo que a dúvida deve favorecer o recorrente, em homenagem ao princípio in dubio pro reo.
VII Recursos de Jackson Suíca dos Santos, Jarisson dos Santos e Ivan Augusto de Lima conhecidos e improvidos Recurso de Themildo Duarte das Trevas conhecido e improvido. Recurso de José Mário Lessa conhecido e provido.
Ementa
PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. CORRÉUS. POLICIAIS. TORTURA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. DECLARAÇÕES DA VÍTIMA COLHIDAS EM TEMPO ANTERIOR AO INÍCIO DA AÇÃO PENAL. VALOR DE DEPOIMENTO JUDICIAL. PRESENÇA DE MAGISTRADO, DOIS PROMOTORES DE JUSTIÇA E DE UM DEFENSOR NA COLHEITA DO DEPOIMENTO. REGIME EQUIVALENTE AO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. NECESSIDADE E ADEQUAÇÃO. VÍTIMA ASSASSINADA, DENTRO DO PRESÍDIO, DIAS APÓS A TOMADA DE SUAS DECLARAÇÕES E ANTES DE INICIADA A INSTRUÇÃO CRIMINAL. URGÊNCIA EVIDENCIADA. PROVA IDÔNEA. DECLARAÇÕES COERENTES E HARMONIOSAS COM O LAUDO DE EXAME DE CORPO DE DELITO. CRIME OCORRIDO NAS DEPENDÊNCIAS DA DELEGACIA. AUSÊNCIA DE TESTEMUNHAS OCULARES ISENTAS. ESPECIAL RELEVÂNCIA DAS PALAVRAS DA VÍTIMA. LESÕES TÍPICAS DE ESPANCAMENTO. PROVA TÉCNICA CONCLUSIVA PELA OCORRÊNCIA DE TORTURA. ABALO FÍSICO E EMOCIONAL DA VÍTIMA COMPROVADO. INTENSO SOFRIMENTO PSÍQUICO. TENTATIVAS DE SUICÍDIO DURANTE O TEMPO EM QUE SOFREU TORTURA. IDONEIDADE DAS DECLARAÇÕES DA VÍTIMA. AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO DEVIDAMENTE CONTEMPLADOS. SENTENÇA CONDENATÓRIA COMO FRUTO DA LIVRE CONVICÇÃO MOTIVADA DO JUIZ. JUÍZO CONDENATÓRIO MANTIDO. PLEITO DE DECOTE DA AGRAVANTE INSERIDA NO ARTIGO 61, II, "i", CP IMPROCEDENTE. PLENA POSSIBILIDADE DE CONCILIAÇÃO DA AGRAVANTE COM O TIPO NO QUAL OS RECORRENTES RESTARAM CONDENADOS. SITUAÇÃO PECULIAR DO APELANTE JOSÉ MÁRIO LESSA. DÚVIDA QUE LHE FAVORECE, EM HOMENAGEM AO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO. RECURSOS DE APELAÇÃO CRIMINAL CONHECIDOS E IMPRÓVIDOS, A EXCEÇÃO DO RECURSO DE JOSÉ MÁRIO LESSA.
I - A reforma do Código de Processo Penal veiculada pela lei n. º 11.690/08, fornecendo nova redação ao artigo 156, permitiu ao magistrado, ainda no curso do Inquérito Policial, determinar a produção antecipada de provas reputadas urgentes, como medida acautelatória extrema da efetividade da prestação jurisdicional, diante da possibilidade de seu perecimento.
Com efeito, embora não se vislumbre, neste processo, a instauração de um incidente próprio de produção antecipada de provas, houve rigorosa cautela do juízo que inquiriu a vítima, assegurando condições formais equivalentes ao do regime de antecipação de provas: a vítima foi ouvida perante uma autoridade judiciária, dois promotores de justiça e um defensor público.
Por outro lado, a urgência e relevância do colhimento antecipado das palavras da vítima tornou-se indiscutível, ante a notícia de seu assassinato dias após a reveladora narrativa da tortura que sofrera, citando seus algozes - todos policiais -, de uma maneira sóbria e coerente com as lesões apresentadas em seu corpo.
Sendo idôneo o colhimento das declarações da vítima, estas servem como prova. Frise-se que, como instrumento hábil na formação do convencimento do magistrado, tal prova submeteu-se à discussão processual, com a sua posterior valoração na sentença.
Improcedente a preliminar de nulidade aventada pela Defesa dos apelantes Jackson Suíça dos Santos, Jarisson dos Santos e Ivan Augusto de Lima, razão pela qual se deve reputar válida a sentença condenatória.
II - Os crimes de Tortura, quando praticados por policiais nas dependências de uma Delegacia, equiparam-se, quanto ao modus operandi, aos crimes sexuais, que são cometidos às escuras, longe dos olhos da sociedade, e sem testemunhas presenciais isentas de interesse, daí por que as palavras da vítima, desde que verossímeis, se revestem de especial meio de prova. Atente-se que tais declarações encontram força na prova pericial médica acostada aos autos, a qual conclui, categoricamente, pela ocorrência de tortura, física e psicológica, em total harmonia com o relato dos fatos criminosos apresentado pela vítima.
III - A magistrada, diante de sua livre convencimento devidamente motivado, entendeu pela suficiência das provas carreadas aos autos do processo. Juízo condenatório mantido.
IV Improcedente o pleito de decote da agravante prevista no artigo 61, II, "i", CP, quanto aos apelantes Jackson Suíca, Jarisson dos Santos e Ivan Augusto, em razão de a circunstância de "o ofendido estar sob a imediata proteção da autoridade" ser plenamente conciliável com o tipo ao qual foram condenados, que não contempla tal circunstância como sua elementar.
V Todavia, situação diferente ocorre com a condenação do apelante Themildo das Trevas, Delegado plantonista do Distrito Policial ao qual a vítima, presa, foi encaminhada. Uma vez que a circunstância de a vítima encontrar-se sob a imediata proteção da autoridade constitui elementar do tipo no qual foi condenado, imperioso o decote da agravante inserida no artigo 61, II, "i", CP, sob pena de afronta ao princípio ne bis in idem. Pena atenuada, de ofício, para o patamar de 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão.
VI - Todavia, a situação de José Mário Lessa se distoa dos demais recorrentes. Isso por que a própria vítima cuida de diferenciar a sua participação que, se houve, foi de menor importância.
Isto por que, a vítima afirma, categoricamente, que o recorrente não participou de qualquer sessão de tortura física contra ela. O recorrente não exerceu um ato sequer de violência. Isso é incontroverso.
A única acusação que pesa contra ele é a afirmação da vítima de que o recorrente a teria ameaçado, dizendo, no momento em que apanhava seu interrogatório, que o recorrente teria dito que a mesma não sairia viva daquele ambiente institucional. Essa seria, única e exclusivamente, a conduta criminosa praticada pelo apelante. Todavia, nesse específico caso, entendo que a dúvida deve favorecer o recorrente, em homenagem ao princípio in dubio pro reo.
VII Recursos de Jackson Suíca dos Santos, Jarisson dos Santos e Ivan Augusto de Lima conhecidos e improvidos Recurso de Themildo Duarte das Trevas conhecido e improvido. Recurso de José Mário Lessa conhecido e provido.
Data do Julgamento
:
04/03/2015
Data da Publicação
:
09/03/2015
Classe/Assunto
:
Apelação / Crimes de Tortura
Órgão Julgador
:
Câmara Criminal
Relator(a)
:
Des. Sebastião Costa Filho
Comarca
:
Maceió
Comarca
:
Maceió
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