TJAL 0500086-29.2013.8.02.0000
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUSPEITAS DE FRAUDE NO CADASTRAMENTO DE BENEFICIÁRIOS DO PROGRAMA "MINHA CASA, MINHA VIDA". LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO MUNICÍPIO. CONFIGURADA. INTERESSE DE AGIR DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONFIGURADO. VIOLAÇÃO À SEPARAÇÃO DE PODERES. INEXISTENTE. CABE AO PODER JUDICIÁRIO CONTROLAR A LEGALIDADE E A CONSTITUCIONALIDADE DOS ATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. UNANIMIDADE.
1. Apesar de a Caixa Econômica Federal funcionar como gestora do programa "Minha Casa, Minha Vida", os ilícitos alegados na ação civil pública proposta no primeiro grau foram, supostamente, praticados pelo Município de Rio Largo, e não pela referida empresa pública federal, que tem a mera competência de manter os fundos de arrendamento e de promover a distribuição dos recursos. Ademais, não há qualquer prova ou fundamento jurídico que baseie a tese do município de que seria CEF a incumbida de fazer o cadastramento definitivo dos beneficiários e a efetiva concretização do programa. Portanto, se as ilegalidades e o desvio de finalidade foram, em tese, praticados pelo Município, é ele quem deverá figurar no pólo passivo da ação civil pública que pretende sanar tais irregularidades, possuindo legitimidade passiva ad causam.
2. O argumento de que a ação originária carece de interesse de agir, pelo fato de que a municipalidade estaria espontaneamente sanando as ilegalidades, não é procedente, uma vez que inexiste provas sobre o alegado.
3. É fato que o princípio da separação dos poderes é um dos pilares do Estado Moderno, de que o Brasil não é uma exceção, vez que, já no título que trata dos Princípios Fundamentais, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu que os Poderes da União são "independentes" e "harmônicos" entre si (art. 2º). Porém, o Estado Moderno também não enxerga na separação dos poderes um princípio absoluto e estanque, em que as funções do Estado não podem, em hipótese nenhuma, interferir umas nas outras. Os poderes são independentes nas suas escolhas, mas, ao mesmo tempo, são fiscalizados e controlados uns pelos outros, através dos mecanismos previstos na Constituição e na lei. Eis o modelo que se convencionou chamar de "checks and balances", ou dos "freios e contrapesos". Somente assim, no mútuo controle dentro dos padrões legais e constitucionais que se torna possível a concretização de um Estado Democrático de Direito. Aliás, a própria definição de Estado Democrático de Direito implica no controle da legalidade e constitucionalidade dos atos estatais, sobretudo os atos administrativos, inclusive pelo Poder Judiciário, com a finalidade de tornar efetivos os direitos fundamentais do homem e a própria Constituição. Sendo assim, o que se pode dizer é que o Poder Judiciário estará sempre legitimado a promover o controle da Administração Pública, quando isso for necessário, e tão só na medida em que for preciso, para restaurar a legalidade e efetividade dos direitos e princípios constitucionais. Não há que se falar, portanto, em indevida intromissão do Poder Judiciário numa esfera de competência que pertenceria a outro Poder, haja vista o comando do art. 5.º, XXXV, da própria Constituição Federal, no sentido de que "A lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito".
4. No caso concreto, as ilegalidades supostamente praticadas pelo Município de Rio Largo, consistentes no cadastro e distribuição de casas para pessoas que não foram vitimadas por chuvas e enchentes e que, portanto, não poderiam ser tidas como beneficiárias do programa governamental, violaram gravemente o direito de vários desabrigados e pessoas carentes de recursos materiais mínimos para uma sobrevivência mínima. Sendo assim, diante também do acervo probatório levantado pelo Ministério Público, é bastante plausível que, de fato, tenha havido a violação dos direitos fundamentais de diversas pessoas, sobretudo o direito à moradia, previsto no art. 6º da Constituição Federal, de modo que é perfeitamente legítima a intervenção do Poder Judiciário para sanar tais irregularidades.
5. Não cabe ao Município interpor recurso contra a parte da decisão que não prejudica a sua esfera de direitos, pois, ao fazer isso, está pleiteando tutela jurisdicional desprovida de interesse de agir, na modalidade utilidade, e sem legitimidade ad causam. Não obstante isso, é devido desconstituir ex officio as astreintes impostas em desfavor do gestor público que não foi parte do processo, com base no art. 461, § 6º, do CPC, em razão de sua completa inadequação, para aplicá-las sobre a pessoa jurídica do Município, que é o verdadeiro réu na ação originária.
6. Recurso conhecido e não provido, chamando-se, porém, o feito à ordem, para redirecionar a multa imposta em face da pessoa física do gestor público, que passará a incidir sobre a pessoa jurídica do Município de Rio Largo.
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUSPEITAS DE FRAUDE NO CADASTRAMENTO DE BENEFICIÁRIOS DO PROGRAMA "MINHA CASA, MINHA VIDA". LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO MUNICÍPIO. CONFIGURADA. INTERESSE DE AGIR DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONFIGURADO. VIOLAÇÃO À SEPARAÇÃO DE PODERES. INEXISTENTE. CABE AO PODER JUDICIÁRIO CONTROLAR A LEGALIDADE E A CONSTITUCIONALIDADE DOS ATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. UNANIMIDADE.
1. Apesar de a Caixa Econômica Federal funcionar como gestora do programa "Minha Casa, Minha Vida", os ilícitos alegados na ação civil pública proposta no primeiro grau foram, supostamente, praticados pelo Município de Rio Largo, e não pela referida empresa pública federal, que tem a mera competência de manter os fundos de arrendamento e de promover a distribuição dos recursos. Ademais, não há qualquer prova ou fundamento jurídico que baseie a tese do município de que seria CEF a incumbida de fazer o cadastramento definitivo dos beneficiários e a efetiva concretização do programa. Portanto, se as ilegalidades e o desvio de finalidade foram, em tese, praticados pelo Município, é ele quem deverá figurar no pólo passivo da ação civil pública que pretende sanar tais irregularidades, possuindo legitimidade passiva ad causam.
2. O argumento de que a ação originária carece de interesse de agir, pelo fato de que a municipalidade estaria espontaneamente sanando as ilegalidades, não é procedente, uma vez que inexiste provas sobre o alegado.
3. É fato que o princípio da separação dos poderes é um dos pilares do Estado Moderno, de que o Brasil não é uma exceção, vez que, já no título que trata dos Princípios Fundamentais, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu que os Poderes da União são "independentes" e "harmônicos" entre si (art. 2º). Porém, o Estado Moderno também não enxerga na separação dos poderes um princípio absoluto e estanque, em que as funções do Estado não podem, em hipótese nenhuma, interferir umas nas outras. Os poderes são independentes nas suas escolhas, mas, ao mesmo tempo, são fiscalizados e controlados uns pelos outros, através dos mecanismos previstos na Constituição e na lei. Eis o modelo que se convencionou chamar de "checks and balances", ou dos "freios e contrapesos". Somente assim, no mútuo controle dentro dos padrões legais e constitucionais que se torna possível a concretização de um Estado Democrático de Direito. Aliás, a própria definição de Estado Democrático de Direito implica no controle da legalidade e constitucionalidade dos atos estatais, sobretudo os atos administrativos, inclusive pelo Poder Judiciário, com a finalidade de tornar efetivos os direitos fundamentais do homem e a própria Constituição. Sendo assim, o que se pode dizer é que o Poder Judiciário estará sempre legitimado a promover o controle da Administração Pública, quando isso for necessário, e tão só na medida em que for preciso, para restaurar a legalidade e efetividade dos direitos e princípios constitucionais. Não há que se falar, portanto, em indevida intromissão do Poder Judiciário numa esfera de competência que pertenceria a outro Poder, haja vista o comando do art. 5.º, XXXV, da própria Constituição Federal, no sentido de que "A lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito".
4. No caso concreto, as ilegalidades supostamente praticadas pelo Município de Rio Largo, consistentes no cadastro e distribuição de casas para pessoas que não foram vitimadas por chuvas e enchentes e que, portanto, não poderiam ser tidas como beneficiárias do programa governamental, violaram gravemente o direito de vários desabrigados e pessoas carentes de recursos materiais mínimos para uma sobrevivência mínima. Sendo assim, diante também do acervo probatório levantado pelo Ministério Público, é bastante plausível que, de fato, tenha havido a violação dos direitos fundamentais de diversas pessoas, sobretudo o direito à moradia, previsto no art. 6º da Constituição Federal, de modo que é perfeitamente legítima a intervenção do Poder Judiciário para sanar tais irregularidades.
5. Não cabe ao Município interpor recurso contra a parte da decisão que não prejudica a sua esfera de direitos, pois, ao fazer isso, está pleiteando tutela jurisdicional desprovida de interesse de agir, na modalidade utilidade, e sem legitimidade ad causam. Não obstante isso, é devido desconstituir ex officio as astreintes impostas em desfavor do gestor público que não foi parte do processo, com base no art. 461, § 6º, do CPC, em razão de sua completa inadequação, para aplicá-las sobre a pessoa jurídica do Município, que é o verdadeiro réu na ação originária.
6. Recurso conhecido e não provido, chamando-se, porém, o feito à ordem, para redirecionar a multa imposta em face da pessoa física do gestor público, que passará a incidir sobre a pessoa jurídica do Município de Rio Largo.
Data do Julgamento
:
21/05/2014
Data da Publicação
:
23/05/2014
Classe/Assunto
:
Agravo de Instrumento / Obrigação de Fazer / Não Fazer
Órgão Julgador
:
1ª Câmara Cível
Relator(a)
:
Des. Fábio José Bittencourt Araújo
Comarca
:
Rio Largo
Comarca
:
Rio Largo
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