TJAL 0801008-55.2017.8.02.0000
PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. PRETENDIDO TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL EM VIRTUDE DA INCONVENCIONALIDADE DO CRIME DE DESACATO. ACOLHIMENTO. VIOLAÇÃO AO ART. 13 DA CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA). PRECEDENTE DO STJ. CONDUTA PERPETRADA PELA PACIENTE QUE, NO CASO CONCRETO, NÃO SE REVELA SOCIALMENTE INACEITÁVEL AOS FINS DO ART. 331 DO CP. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM CONHECIDA E CONCEDIDA.
I O legislador, ao criar o tipo penal do desacato, objetivou incriminar condutas que, apesar de materializadas em face de um agente estatal, fossem atentatórias ao Estado enquanto Instituição, e não aquelas que desrespeitassem simplesmente a pessoa física ou a honra pessoal do funcionário público.
II Na prática, essa diferenciação não se mostrou eficaz em nosso país, visto que o tipo penal em comento já foi utilizado, em diversas ocasiões, para perseguir interesses pessoais de funcionários que se sentiram pessoalmente vilipendiados com a conduta de terceiros e, dessa maneira, utilizaram o aparato estatal e as prerrogativas públicas como instrumento de perseguição pessoal.
III Essa violação ao direito fundamental à liberdade de expressão é incompatível com o art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), que dispõe que "toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão" e que "esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha", não podendo haver censura prévia ou restrição a esse direito por vias ou meios indiretos.
IV A Corte Internacional de Direitos Humanos, em diversos julgamentos internacionais, já explicitou objetivamente que as leis de desacato são incompatíveis com a Convenção Americana de Direitos Humanos.
V O art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos gerou a invalidade superveniente do art. 331 do Código Penal, por esse ter elevado à categoria de ilícito penal uma conduta permitida internacionalmente no âmbito do direito fundamental à liberdade de expressão.
VI No caso concreto, a crítica perpetrada pela paciente ao trabalho policial aduzindo genericamente que em ocasião diversa (morte de seu pai) a Polícia não atuou a contento e que os policiais não poderiam revistar pessoas em sua calçada não se revela como uma conduta socialmente inaceitável do ponto de vista do Direito Penal, pelo menos no âmbito do delito de desacato.
VII Frise-se que tais condutas (inclusive a situação em vértice) podem ser investigadas e devidamente perseguidas sob enfoques diversos, sejam eles com base em outros tipos penais (apurando se eventualmente o indivíduo praticou crime contra a honra do agente estatal) ou mesmo no âmbito civil.
VIII Ordem conhecida e concedida, para trancar a ação penal em trâmite na origem.
Ementa
PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. PRETENDIDO TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL EM VIRTUDE DA INCONVENCIONALIDADE DO CRIME DE DESACATO. ACOLHIMENTO. VIOLAÇÃO AO ART. 13 DA CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA). PRECEDENTE DO STJ. CONDUTA PERPETRADA PELA PACIENTE QUE, NO CASO CONCRETO, NÃO SE REVELA SOCIALMENTE INACEITÁVEL AOS FINS DO ART. 331 DO CP. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM CONHECIDA E CONCEDIDA.
I O legislador, ao criar o tipo penal do desacato, objetivou incriminar condutas que, apesar de materializadas em face de um agente estatal, fossem atentatórias ao Estado enquanto Instituição, e não aquelas que desrespeitassem simplesmente a pessoa física ou a honra pessoal do funcionário público.
II Na prática, essa diferenciação não se mostrou eficaz em nosso país, visto que o tipo penal em comento já foi utilizado, em diversas ocasiões, para perseguir interesses pessoais de funcionários que se sentiram pessoalmente vilipendiados com a conduta de terceiros e, dessa maneira, utilizaram o aparato estatal e as prerrogativas públicas como instrumento de perseguição pessoal.
III Essa violação ao direito fundamental à liberdade de expressão é incompatível com o art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), que dispõe que "toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão" e que "esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha", não podendo haver censura prévia ou restrição a esse direito por vias ou meios indiretos.
IV A Corte Internacional de Direitos Humanos, em diversos julgamentos internacionais, já explicitou objetivamente que as leis de desacato são incompatíveis com a Convenção Americana de Direitos Humanos.
V O art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos gerou a invalidade superveniente do art. 331 do Código Penal, por esse ter elevado à categoria de ilícito penal uma conduta permitida internacionalmente no âmbito do direito fundamental à liberdade de expressão.
VI No caso concreto, a crítica perpetrada pela paciente ao trabalho policial aduzindo genericamente que em ocasião diversa (morte de seu pai) a Polícia não atuou a contento e que os policiais não poderiam revistar pessoas em sua calçada não se revela como uma conduta socialmente inaceitável do ponto de vista do Direito Penal, pelo menos no âmbito do delito de desacato.
VII Frise-se que tais condutas (inclusive a situação em vértice) podem ser investigadas e devidamente perseguidas sob enfoques diversos, sejam eles com base em outros tipos penais (apurando se eventualmente o indivíduo praticou crime contra a honra do agente estatal) ou mesmo no âmbito civil.
VIII Ordem conhecida e concedida, para trancar a ação penal em trâmite na origem.
Data do Julgamento
:
19/04/2017
Data da Publicação
:
26/04/2017
Classe/Assunto
:
Habeas Corpus / Desacato
Órgão Julgador
:
Câmara Criminal
Relator(a)
:
Des. Sebastião Costa Filho
Comarca
:
Feira Grande
Comarca
:
Feira Grande
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