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Jurisprudência


TJAL 0802296-09.2015.8.02.0000

Ementa
DENÚNCIA CONTRA PREFEITO E OUTROS CINCO CORRÉUS. ALEGAÇÕES DE DISPENSA IRREGULAR DE LICITAÇÃO, INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO DE DISPENSA DE LICITAÇÃO (ART. 89 DA LEI N.º 8.666/1993), PRORROGAÇÃO ILEGAL DE CONTRATO ADMINISTRATIVO (ART. 92 DA LEI N.º 8.666/1993), E CONSTITUIÇÃO DE GRUPO CRIMINOSO VOLTADO AO DESVIO DE VERBAS PÚBLICAS (ART. 1º, I E XIV DO DECRETO-LEI N.º 201/1967). ACUSAÇÃO DE "EMERGÊNCIA FABRICADA". EMPRESAS SUPOSTAMENTE FORMADAS POR PESSOAS INTEGRANTES DO MESMO GRUPO EMPRESARIAL E FAMILIAR. INTENÇÃO DE LESAR O ERÁRIO. SERVIÇOS PRESTADOS SEM COBERTURA CONTRATUAL. PAGAMENTO DE VALORES POR SERVIÇOS QUE NÃO TERIAM SIDO PRESTADOS, OU QUE NÃO DEVERIAM TER SIDO PRESTADOS. ATIPICIDADE DE PARTE DOS FATOS NARRADOS. FALTA DE JUSTA CAUSA QUANTO A OUTRA PARTE. DENÚNCIA PARCIALMENTE RECEBIDA. I. ACUSAÇÃO DE QUE O PREFEITO FIRMOU CONTRATO COM PESSOAS INTEGRANTES DO MESMO GRUPO FAMILIAR, E DE QUE BIPARTIU O OBJETO DE CONTRATOS EMERGENCIAIS. 1. O prefeito não pode ser punido criminalmente porque contratou emergencialmente empresas distintas pertencentes ao mesmo grupo familiar, a menos que haja o dolo de favorecer essas pessoas. De fato, como se trata de hipótese em que a licitação é dispensável, não há fraude ao procedimento de escolha da empresa a quem o objeto do contrato será adjudicado só pelo fato de elas pertencerem ao mesmo grupo familiar. Haveria que ser demonstrado, para que chegássemos a conclusão em sentido contrário, o dolo do prefeito em favorecer o grupo familiar beneficiado, ou, no mínimo, sua ciência quanto ao fato de que se tratava de um mesmo grupo familiar. 2. O problema é que esse dolo, além de não poder ser encontrado na prova documental indiciária que acompanha a denúncia, sequer foi narrado na inicial acusatória: diz-se genericamente que o prefeito contratou empresas pertencentes ao mesmo grupo familiar, supostamente constituídas como duas pessoas jurídicas distintas para ludibriar a administração pública, mas não se diz em nenhum momento que o prefeito tinha conhecimento disso, não se traz nenhum indicativo – ainda que mínimo – de que o prefeito atuou em conjunto com os sócios e administradores das sociedades empresárias com esse intuito, ou mesmo de que tivesse ciência da suposta comunhão de interesses entre os sócios das empresas e o respectivo procurador delas. 3. Bem assim, não há ilegalidade no fato de terem sido firmados dois contratos emergenciais, em substituição a um único contrato anterior, que conglobava os dois objetos. Como estamos diante de dispensa de licitação com fulcro no art. 24, IV, da Lei de Licitações, não há lógica em alegar que a bipartição dos objetos lesaria o erário ou demonstraria intenção de fraude. Em casos como esses, só interessa saber se os requisitos do art. 26, parágrafo único, da Lei de Licitações foram observados, pouco importando a cisão dos objetos a serem contratados. 4. Denúncia rejeitada neste ponto, por atipicidade dos fatos narrados (CPP, art. 395, I). II. ACUSAÇÃO DE EMERGÊNCIA FABRICADA. 1. Acusa-se o prefeito de ter firmado dois contratos, tachando-os como "emergenciais", com a finalidade de dispensar a licitação, nos termos do art. 24, IV, da Lei Nacional de Licitações e Contratos, quando na verdade a "emergência" teria sido causada pela própria desídia do Prefeito. 2. É inegável que o serviço de coleta domiciliar de lixo é, de fato, um serviço de caráter essencial, que demanda prestação contínua e ininterrupta, a fim de que sejam preservadas a higiene e a saúde públicas. Nesse sentido, inclusive, é o que dispõe o art. 10, VI, da Lei n.º 7.783/1989. Se não há empresa contratada para prestá-lo incontinenti, seja por que razão for, a situação será tida, inequivocamente, como de natureza emergencial, apta a atrair a incidência do art. 24, IV, da Lei n.º 8.666/1993, pois a coletividade não pode ser penalizada pela desídia do gestor que deixou de realizar, de forma competente e tempestiva, o devido certame licitatório. Haveria, aí, dupla punição: pelo fato de o gestor não ter promovido o procedimento licitatório quando lhe era exigível, e pelo fato de o serviço público não ter sido prestado de forma imediata. 3.Não obstante, "A CONTRATAÇÃO DIRETA COM FUNDAMENTO NO INC. IV DO ART. 24 DA LEI Nº 8.666, DE 1993, EXIGE QUE, CONCOMITANTEMENTE, SEJA APURADO SE A SITUAÇÃO EMERGENCIAL FOI GERADA POR FALTA DE PLANEJAMENTO, DESÍDIA OU MÁ GESTÃO, HIPÓTESE QUE, QUEM LHE DEU CAUSA SERÁ RESPONSABILIZADO NA FORMA DA LEI" (Orientação Normativa nº 11/2009 da Advocacia-Geral da União). 4. Contudo, já ficou demonstrado cabalmente que o prefeito estava afastado no período compreendido entre 22/05/2012 a 18/12/2013, de modo que não poderia ser responsabilizado pela demora verificada nos atos praticados nesse lapso temporal – a menos que se tivessem demonstrado indícios de seu conluio com a vice-prefeita que exerceu a Chefia do Executivo Municipal no período, o que não pode ser, de modo algum, presumido em seu desfavor. 5. Assim, a contratação direta de duas empresas, nos 30 (trinta) dias que se sucederam ao retorno do prefeito ao exercício do cargo, torna-se incompatível com a alegação de emergência fabricada. 6. Denúncia rejeitada, nesse ponto, por falta de justa causa para o início da ação penal (CPP, art. 395, III). III. ACUSAÇÃO DE QUE OS CONTRATOS NÃO TERIAM OBSERVADO O ART. 26 DA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS. 1. O contrato emergencial n.º 03/2014 (Eco Ambiental), de acordo com a documentação juntada pelo prefeito (não impugnada especificamente pelo Ministério Público), observou os requisitos do art. 26 de Licitações, o que infirma a denúncia, neste ponto. 2. Por outro lado, ao interpretar o artigo 89 da Lei 8.666/1993, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que no sentido de que para a configuração do crime de dispensa ou inexigibilidade de licitação fora das hipóteses previstas em lei é indispensável a comprovação do dolo específico do agente em causar dano ao erário, bem como do prejuízo à Administração Pública. 3. A denúncia imputa ao prefeito a acusação de ter dispensado licitação também no contrato emergencial n.º 01/2014, sem observar o art. 26 da Lei de Licitações e Contratos, mas não narrou nem o dolo específico do prefeito nesse sentido, nem mesmo qual teria sido o prejuízo causado ao erário pela contratação da empresa Conserg Serviços de Engenharia (Contrato Emergencial n.º 01/2014). Não se narrou na denúncia, por exemplo, que a Conserg não estaria prestando os serviços contratados, ou que os valores pagos a ela seriam superiores aos de mercado. 4. Denúncia rejeitada, neste ponto, por falta de justa causa para o exercício da ação penal (CPP, art. 395, III). IV. ACUSAÇÃO DE QUE TERIA HAVIDO PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS SEM COBERTURA CONTRATUAL, COM PREJUÍZO AO ERÁRIO. 1. Assim como consignamos em relação ao art. 89, da Lei de Licitações, também aqui, em relação ao art. 92 do mesmo diploma, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que para a configuração do referido delito exigem-se dois requisitos: (1) dolo específico de causar prejuízo ao erário, bem como (2) comprovação do próprio dano ao erário. 2. A denúncia narra claramente que o prefeito autorizou pagamentos à empresa Eco Ambiental por serviços prestados fora do período contratual, e os documentos a ela acostados trazem indícios no mesmo sentido. 3. Tomando-se por base as declarações da própria Eco Ambiental, empresa contratada, para que as máquinas locadas estivessem sendo utilizadas pelo tempo total declarado, seria preciso que todas elas tivessem trabalhado seguidamente por 10 (dez) horas diárias, durante todos os dias úteis de vigência do contrato, o que não seria, a princípio, plausível. Em razão disso, teria havido o pagamento total de R$ 124.952,00 (cento e vinte e quatro mil, novecentos e cinquenta e dois reais), além do que seria devido. 4. Indícios do dolo específico de causar dano ao erário (consistente na determinação do pagamento à empresa, pelos valores que ela própria entendia serem devidos, em montantes suspeitos, mesmo com a inequívoca ciência de que não havia cobertura contratual), bem como da existência do efetivo dano. 5. Denúncia RECEBIDA nesta parte. V. ACUSAÇÃO DE QUE HAVERIA ESQUEMA, INTEGRADO POR TODOS OS DENUNCIADOS, COM O USO DE EMPRESAS DO MESMO GRUPO EMPRESARIAL E FAMILIAR E PERSONALIDADE JURÍDICA DE FACHADA, COM CONFUSÃO DE SERVIÇOS E DE EMPREGADOS, PARA DESVIAR RECURSOS PÚBLICOS. 1. Diz-se que as contratações emergenciais feitas pelo Prefeito foram concretizadas com a intenção de desviar recursos públicos do erário em favor de duas empresas do mesmo grupo empresarial e sociedade conjugal, com a utilização de personalidade jurídica de fachada ("fantasma") para justificar o fracionamento de objetos contratuais e pagamentos ilegais, diante da realização de serviços (com uso de empregados e máquinas) através da empresa Conserg – Serviços de Engenharia Ltda, em substituição à empresa Eco Serviços Ambientais Ltda – EPP. 2. Não podemos inferir que o prefeito sabia do alegado conluio entre os sócios das empresas Eco Ambiental e Conserg, e mais o réu Ricardo Henrique Torres Silva, apenas porque os contratou. Aliás, esse é o único ato imputável ao prefeito: a contratação das empresas Conserg e Eco Ambiental. Acusa-se o prefeito de ter participado do esquema apenas porque, em nome do Município riolarguense, contratou as referidas sociedades empresárias, mas não se indica nenhum ponto de contato (parentesco, amizade, ou mesmo conhecimento) entre o Prefeito e os agentes das empresas. 3. A ação penal não pode ser palco para a busca de indicativos iniciais da prática delituosa (in casu, a má-fé do prefeito em contratar a Eco Ambiental e a Conserg Engenharia), indicativos esses que deveriam ter sido perseguidos em Inquérito Civil Público ou em outro procedimento investigativo. 4. Denúncia rejeitada, neste ponto, por falta de justa causa para o exercício da ação penal (CPP, art. 395, III). VI. PEDIDO DE AFASTAMENTO CAUTELAR DO PREFEITO. ALEGAÇÃO DE QUE HÁ 19 (DEZENOVE) AÇÕES JUDICIAIS EM CURSO CONTRA ELE. IMPUTAÇÃO DE TENTATIVA DE FRUSTRAR TRABALHOS DA CÂMARA DE VEREADORES, POR MEIO DE SERVIDORES COMISSIONADOS 1. O altíssimo número de procedimentos penais, populares e de improbidade administrativa instaurados contra o prefeito demonstra reiteração na prática de infrações – inclusive na prática de crimes contra a Lei de Licitações e Contratos (Lei n.º 8.666/1993). 2. Essa postura torna necessário o afastamento cautelar do preito de suas funções. 3. Pedido de afastamento deferido, por maioria de votos, com ressalva do entendimento do Relator. VII. PEDIDO DE INDISPONIBILIDADE (SEQUESTRO) DE BENS. DECRETO-LEI N.º 3.240/1941. PERICULUM IN MORA PRESUMIDO. OBJETIVO DE RESSARCIR OS PREJUÍZOS CAUSADOS AO ERÁRIO. 1. Em processo penal, a medida cautelar de indisponibilidade de bens equivale ao sequestro previsto no Decreto-lei n.º 3.240/1941 – que traz disposições aplicáveis especificamente às "pessoas indiciadas por crimes de que resulta prejuizo para a Fazenda Pública". 2. É possível que o Prefeito venha a ser responsabilizado penalmente pela parte da denúncia ora recebida, gerando a obrigação civil de reparar o dano, nos termos do Decreto-Lei n.º 3.240/1941, restituindo à Fazenda Pública municipal os valores perdidos em razão da contratação irregular da empresa Eco Ambiental. Medida que, em relação aos demais denunciados, deve ser apreciada pelo juiz de primeiro grau, em razão do desmembramento do feito. 3. O periculum in mora, nesses casos, milita em favor da sociedade, representada pelo requerente da medida de bloqueio de bens, pois em casos de indisponibilidade patrimonial por imputação de conduta ímproba lesiva ao erário, esse requisito é implícito (precedentes do STJ referentes à Ação Civil Pública por improbidade administrativa que, mutatis mutandis, aplicam-se ao processo penal de crimes que causam prejuízo ao erário). 4. Deferimento da medida cautelar de sequestro, com base no Decreto-Lei n.º 3.240/1941.

Data do Julgamento : 17/11/2015
Data da Publicação : 19/11/2015
Classe/Assunto : Ação Penal - Procedimento Ordinário / Crimes de Responsabilidade
Órgão Julgador : Tribunal Pleno
Relator(a) : Des. Sebastião Costa Filho
Comarca : Rio Largo
Comarca : Rio Largo
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