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Jurisprudência


TJAM 0254460-84.2008.8.04.0001

Ementa
DIREITO CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. PACTA SUNT SERVANDA. CLÁUSULAS ABUSIVAS. REVISÃO. CDC. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS E TABELA PRICE. AUSÊNCIA DE PACTUAÇÃO EXPRESSA. IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA. UTILIZAÇÃO DA TABELA GAUSS. SENTENÇA QUE DETERMINA O PAGAMENTO DE VALOR INFERIOR AO FINANCIADO. CORREÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. I – É cediço que o Princípio do Pacta Sunt Servanda refere-se aos contratos privados, enfatizando que as cláusulas contidas dos contratos são regras entre as partes e o não cumprimento das respectivas obrigações assumidas implica a quebra do que foi pactuado. Nesse viés, a princípio, os pactos devem ser respeitados. Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que a legislação consumerista permite a manifestação acerca da existência de eventuais cláusulas abusivas, o que acaba por relativizar a aplicação do referido princípio; II - A relação jurídica havida entre as partes é típica da relação de consumo, nos termos do que dispõe o art. 3.º, § 2.°, do CDC, sujeitando-se, portanto, à intervenção do Poder Judiciário sempre que seus contratos estabeleçam prestações desproporcionais ou excessivamente onerosas ao consumidor, conforme se infere do previsto no art. 6.º, inciso V, do CDC; III - Analisando o pacto firmado entre as partes, verifica-se que, do total financiado, no valor de R$499.550,51 (quatrocentos e noventa e nove mil, quinhentos e cinquenta reais e cinquenta e um centavos), com os encargos aplicados pelo apelante, ao final, a apelada pagaria o montante de R$916.234,20 (novecentos e dezesseis mil, duzentos e trinta e quatro reais e vinte centavos). Tal valor apresenta-se absurdo e exorbitante. Ademais, constata-se da leitura do contrato acostado às fls. 20 que suas cláusulas não se apresentam de forma clara, demonstrando a ausência de regularidade contratual. Note-se que logo abaixo do valor do empréstimo (R$492.100,00) consta na avença o valor da Nota Promissória (Item 19), qual seja, R$624.438,13 (seiscentos e vinte e quatro mil, quatrocentos e trinta e oito reais e treze centavos), no entanto, como dito alhures, o somatório de todas as prestações estipuladas pela Instituição Financeira (60) totaliza a cifra de R$916.234,20; IV - Doutra banda, é cediço que para se admitir a capitalização mensal dos juros, esta precisa estar expressa no contrato. A respeito, a Corte Cidadã, ao julgar recentemente o REsp n.º 1388972, cadastrado no sistema de repetitivos da Corte como Tema 953, firmou o entendimento de que "A cobrança de juros capitalizados nos contratos de mútuo é permitida quando houver expressa pactuação"; V - E mais, expressamente pactuada significa "expressamente explicada" para que o adquirente do empréstimo, no caso, o consumidor, o qual dispõe de proteção prevista no CDC de que tem o direito à informação, tenha a devida ciência de quanto irá pagar ao final da quitação da avença e que a capitalização dos juros está sendo realizada no pacto. Não basta a simples previsão da taxa efetiva mensal e taxa efetiva anual para a cobrança porque o consumidor, sendo a parte mais fraca, ao aderir o contrato precisa estar devidamente informado. Nesse sentido, o STJ editou recentemente a súmula 539/STJ, com o seguinte teor: "É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP n. 1.963 - 17/2000, reeditada como MP n. 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada"; VI - Dessa feita, a capitalização de juros deve ser expressamente pactuada e, não o sendo, impossível a sua incidência, ainda mais quando se apresenta exorbitante e o contrato contém informação do valor da Nota Promissória – a qual pressupõe-se conter o valor total a ser pago pelo adquirente do empréstimo (R$624.438,13) – em montante muito inferior ao total do valor a ser pago pela apelada ao final (R$916.234,20), induzindo a erro a consumidora, diante da patente desafinação entre os referidos montantes; VII - Noutra seara, a utilização da conhecida Tabela Price para comprovação da capitalização dos juros compostos, da mesma forma, para a sua utilização, deve estar prevista na avença, o que, igualmente não se verifica no contrato. Por tais razões, deve ser afastada a sua utilização no caso concreto; VIII - Por fim, é certo que compete a este julgador verificar a idoneidade dos valores até então pagos e o que ainda resta para quitar a dívida contraída pela apelada junto ao banco apelante. Nesse sentido, por meio da realização de simples conta aritmética é de fácil constatação que não é possível a quitação do empréstimo com pagamento de 06 (seis) parcelas no valor de R$6.178,82 (seis mil, cento e setenta e oito reais e oitenta e dois centavos). Vejamos: Valor financiado com IOF e TAC: R$499.550,51; Prestações pagas antes da ação: 10 X 15.270,57 = R$152.705,70; Prestações Consignadas nos autos: 44 X 6.178,82 = R$271.868,08; VALOR TOTAL PAGO ATÉ O MOMENTO: R$424.574,66. IX - Ora, como registrado, o valor do financiamento foi de R$499.550,51. Subtraindo o valor pago (R$424.574,66), tem-se uma diferença, sem qualquer acréscimo de juros simples, o montante de R$74.976,73 (setenta e quatro mil, novecentos e setenta e seis reais e setenta e três centavos). Assim, a prevalecer o entendimento firmado na sentença, a apelada teria ainda que pagar o valor de R$37.072,92 (trinta e sete mil, setenta e dois reais e noventa e dois centavos) – 6 X 6.178, 82 -, ou seja, após cerca de dez anos, pagaria pelo montante tomado emprestado um valor inferior ao entregue pelo apelante. X - Sem dúvida, tal permissão contraria os princípios da boa-fé contratual e da vedação ao enriquecimento sem causa porque, a despeito dos excessos contidos na avença, é inadmissível que a apelada pague, após longo decurso de tempo, valor menor do que aquele recebido no ano de 2007. Registro, ademais, que a intenção contida nesta ação revisional de contrato é justamente que o pagamento ocorra com a atualização pela Tabela Gauss (juros simples) e não a PRICE (juros compostos), o que está deferido. Portanto, a atualização deve ser correta de forma que seja devolvido à instituição bancária o valor entregue mais os juros (simples) e não valor inferior; XI – Apelação conhecida e parcialmente provida.

Data do Julgamento : 28/05/2017
Data da Publicação : 29/05/2017
Classe/Assunto : Apelação / Contratos Bancários
Órgão Julgador : Terceira Câmara Cível
Relator(a) : João de Jesus Abdala Simões
Comarca : Manaus
Comarca : Manaus
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