TJAM 0336906-81.2007.8.04.0001
APELAÇÃO CÍVEL. ERRO MÉDICO. UNIDADE DE SAÚDE MUNICIPAL. 1) JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. INOCORRÊNCIA. REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO SEM QUALQUER REITERAÇÃO, POR PARTE DO MUNICÍPIO, DO DESEJO DE PRODUZIR PROVA PERICIAL. PARECER FINAL DE MÉRITO DO MINISTÉRIO PÚBLICO QUE NÃO REPETIU A PROMOÇÃO PELA PRODUÇÃO DE PERÍCIA, CARACTERIZANDO DESISTÊNCIA DO PEDIDO. 2) RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ENTES ESTATAIS POR ERRO MÉDICO. APLICAÇÃO DO ART. 37, §6º, DA CRFB, QUE NÃO PODERIA DESVIRTUAR A NATUREZA DA OBRIGAÇÃO DESCUMPRIDA. SERVIÇOS MÉDICOS QUE SE CONSUBSTANCIAM EM OBRIGAÇÕES DE MEIO, TORNANDO NECESSÁRIA A ANÁLISE DA EXISTÊNCIA DE NEGLIGÊNCIA, IMPRUDÊNCIA OU IMPERÍCIA POR PARTE DO AGENTE PÚBLICO NA PRESTAÇÃO DE SEUS SERVIÇOS. 3) CULPA. ELEMENTO CARACTERIZADO NOS AUTOS. ANORMALIDADE DA PRESSÃO DIASTÓLICA, CEFALÉIA E VÔMITOS QUE, JUNTOS, DEMANDAVAM MAIORES APROFUNDAMENTOS SOBRE A REAL CAUSA DOS SINTOMAS, QUE NÃO DESAPARECERAM MESMO APÓS VÁRIAS HORAS DE MINISTRAÇÃO DE MEDICAMENTOS. 4) NEXO CAUSAL. EXISTÊNCIA. MORTE DECORRENTE DE ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL, QUE TEM COMO CAUSA A ALTA PRESSÃO ARTERIAL QUE, COMO SOBREDITO, NÃO FOI EFICIENTEMENTE MEDICADA. 5) VIOLAÇÃO DA VEDAÇÃO À INOVAÇÃO RECURSAL. QUESTÃO ATINENTE À PROVA DE QUE A PACIENTE VIRIA A FALECER MESMO QUE ENCAMINHADA A OUTROS LOCAIS PARA SER SUBMETIDA A OUTROS TRATAMENTOS QUE APENAS FOI LEVANTADA EM SEDE DE APELAÇÃO, A DESPEITO DE PODER SER PLENAMENTE APRESENTADA JÁ EM SEDE CONTESTATÓRIA. CONHECIMENTO DO RECURSO, NESTE PONTO, QUE IMPLICARIA OFENSA À PRÓPRIA IDEIA DE DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO, DADA A SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA FÁTICA. 6) RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO.
O julgamento antecipado da lide tem por essência a supressão da fase instrutória do processo por entender o juiz estar diante de causa unicamente de direito ou que, mesmo sendo de direito e de fato, já foi suficientemente esclarecida pelos documentos coligidos aos autos. Deste modo, tendo ocorrido audiência de instrução, não há falar em julgamento antecipado do mérito, tal como alegado pelo Município. Por outro lado, embora seja certo que tanto o Município quanto o Ministério Público pugnaram pela produção de prova pericial, ambos não renovaram os pedidos em momento apropriado, tendo o Município de Manaus permanecido silente durante toda a instrução processual e o parquet, em seu parecer final sobre o mérito, deixado de se manifestar sobre a questão probatória, pugnando, ao final, pela procedência do pedido, de modo a caracterizar desistência tácita do pedido.
A responsabilidade civil dos entes estatais, nos termos do art. 37, §6º, da Constituição da República, rege-se por um regime objetivo, no qual se mostra desimportante a aferição de culpa do agente estatal causador do dano para que se tenha por existente a obrigação de indenizar o particular. Este fator, todavia, não é suficiente para descaracterizar o fato de que a obrigação primária supostamente descumprida pelo ente municipal é de meio (erro médico). Desta feita, e sob pena de aberrante descaracterização da natureza da obrigação assumida, não seria possível condenar o ente estatal sem a prévia aferição da existência de negligência, imprudência ou imperícia na atuação de seu agente.
A culpa é elemento da responsabilidade civil que guarda conexão com o ânimo de atuação do autor da conduta lesiva, encontrando estreita vinculação com a ideia moral de que o indivíduo somente poderá responder por danos que causou voluntariamente (dolo) ou, ao menos, por negligência, imprudência ou imperícia (culpa). Em casos de obrigação de prestação de serviços médicos, a atuação culposa é resumida na expressão ''erro médico''. Na hipótese dos autos, o agente responsável pelo atendimento da genitora da parte autora em posto de saúde, a despeito do fato de a paciente apresentar quadro de hipertensão estágio 1 (pressão diastólica de 90) e, mesmo após ser medicada por horas com medicamentos tendentes a tratar dos sintomas de dor de cabeça e vômito, continuar apresentando os males que a acometiam, tê-la liberado com a mera indicação de dipirona e plasil, demonstra o descaso – e, portanto, negligência – na prestação do serviço, visto que, diante do quadro apresentado, mostrava-se necessário o encaminhamento da paciente para outras localidades onde pudessem ser feitos outros exames, de modo a determinar a causa dos sintomas apresentados.
O nexo de causalidade consiste na ligação fenomênica e natural entre um fato tido por antecedente e evento posterior tido por consequente. É, assim, relação de causa e efeito. In casu, a paciente atendida nas dependências de unidade de saúde mantida pelo Apelante morreu, 48 horas após ser medicada por agente negligente deste, por Acidente Vascular Cerebral, que tem por causa justamente a alta pressão arterial. Daí porque mostra-se plenamente configurado o nexo entre a atuação deficiente do Município e o óbito da genitora da Apelada.
Seja por conta do Duplo Grau de Jurisdição, seja em virtude da regra do art. 517 do CPC, não se mostra possível a alegação de fatos novos em sede recursal (inovação recursal) sem a conexa comprovação de que não foram apresentados em primeiro grau por motivos de força maior. Deste modo, não se pode conhecer parcialmente do recurso apresentado pelo Município de Manaus, que somente em sede de apelação trabalhou com a hipótese de inevitabilidade da morte como fator excludente do nexo.
Recurso parcialmente conhecido e desprovido.
Ementa
APELAÇÃO CÍVEL. ERRO MÉDICO. UNIDADE DE SAÚDE MUNICIPAL. 1) JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. INOCORRÊNCIA. REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO SEM QUALQUER REITERAÇÃO, POR PARTE DO MUNICÍPIO, DO DESEJO DE PRODUZIR PROVA PERICIAL. PARECER FINAL DE MÉRITO DO MINISTÉRIO PÚBLICO QUE NÃO REPETIU A PROMOÇÃO PELA PRODUÇÃO DE PERÍCIA, CARACTERIZANDO DESISTÊNCIA DO PEDIDO. 2) RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ENTES ESTATAIS POR ERRO MÉDICO. APLICAÇÃO DO ART. 37, §6º, DA CRFB, QUE NÃO PODERIA DESVIRTUAR A NATUREZA DA OBRIGAÇÃO DESCUMPRIDA. SERVIÇOS MÉDICOS QUE SE CONSUBSTANCIAM EM OBRIGAÇÕES DE MEIO, TORNANDO NECESSÁRIA A ANÁLISE DA EXISTÊNCIA DE NEGLIGÊNCIA, IMPRUDÊNCIA OU IMPERÍCIA POR PARTE DO AGENTE PÚBLICO NA PRESTAÇÃO DE SEUS SERVIÇOS. 3) CULPA. ELEMENTO CARACTERIZADO NOS AUTOS. ANORMALIDADE DA PRESSÃO DIASTÓLICA, CEFALÉIA E VÔMITOS QUE, JUNTOS, DEMANDAVAM MAIORES APROFUNDAMENTOS SOBRE A REAL CAUSA DOS SINTOMAS, QUE NÃO DESAPARECERAM MESMO APÓS VÁRIAS HORAS DE MINISTRAÇÃO DE MEDICAMENTOS. 4) NEXO CAUSAL. EXISTÊNCIA. MORTE DECORRENTE DE ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL, QUE TEM COMO CAUSA A ALTA PRESSÃO ARTERIAL QUE, COMO SOBREDITO, NÃO FOI EFICIENTEMENTE MEDICADA. 5) VIOLAÇÃO DA VEDAÇÃO À INOVAÇÃO RECURSAL. QUESTÃO ATINENTE À PROVA DE QUE A PACIENTE VIRIA A FALECER MESMO QUE ENCAMINHADA A OUTROS LOCAIS PARA SER SUBMETIDA A OUTROS TRATAMENTOS QUE APENAS FOI LEVANTADA EM SEDE DE APELAÇÃO, A DESPEITO DE PODER SER PLENAMENTE APRESENTADA JÁ EM SEDE CONTESTATÓRIA. CONHECIMENTO DO RECURSO, NESTE PONTO, QUE IMPLICARIA OFENSA À PRÓPRIA IDEIA DE DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO, DADA A SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA FÁTICA. 6) RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO.
O julgamento antecipado da lide tem por essência a supressão da fase instrutória do processo por entender o juiz estar diante de causa unicamente de direito ou que, mesmo sendo de direito e de fato, já foi suficientemente esclarecida pelos documentos coligidos aos autos. Deste modo, tendo ocorrido audiência de instrução, não há falar em julgamento antecipado do mérito, tal como alegado pelo Município. Por outro lado, embora seja certo que tanto o Município quanto o Ministério Público pugnaram pela produção de prova pericial, ambos não renovaram os pedidos em momento apropriado, tendo o Município de Manaus permanecido silente durante toda a instrução processual e o parquet, em seu parecer final sobre o mérito, deixado de se manifestar sobre a questão probatória, pugnando, ao final, pela procedência do pedido, de modo a caracterizar desistência tácita do pedido.
A responsabilidade civil dos entes estatais, nos termos do art. 37, §6º, da Constituição da República, rege-se por um regime objetivo, no qual se mostra desimportante a aferição de culpa do agente estatal causador do dano para que se tenha por existente a obrigação de indenizar o particular. Este fator, todavia, não é suficiente para descaracterizar o fato de que a obrigação primária supostamente descumprida pelo ente municipal é de meio (erro médico). Desta feita, e sob pena de aberrante descaracterização da natureza da obrigação assumida, não seria possível condenar o ente estatal sem a prévia aferição da existência de negligência, imprudência ou imperícia na atuação de seu agente.
A culpa é elemento da responsabilidade civil que guarda conexão com o ânimo de atuação do autor da conduta lesiva, encontrando estreita vinculação com a ideia moral de que o indivíduo somente poderá responder por danos que causou voluntariamente (dolo) ou, ao menos, por negligência, imprudência ou imperícia (culpa). Em casos de obrigação de prestação de serviços médicos, a atuação culposa é resumida na expressão ''erro médico''. Na hipótese dos autos, o agente responsável pelo atendimento da genitora da parte autora em posto de saúde, a despeito do fato de a paciente apresentar quadro de hipertensão estágio 1 (pressão diastólica de 90) e, mesmo após ser medicada por horas com medicamentos tendentes a tratar dos sintomas de dor de cabeça e vômito, continuar apresentando os males que a acometiam, tê-la liberado com a mera indicação de dipirona e plasil, demonstra o descaso – e, portanto, negligência – na prestação do serviço, visto que, diante do quadro apresentado, mostrava-se necessário o encaminhamento da paciente para outras localidades onde pudessem ser feitos outros exames, de modo a determinar a causa dos sintomas apresentados.
O nexo de causalidade consiste na ligação fenomênica e natural entre um fato tido por antecedente e evento posterior tido por consequente. É, assim, relação de causa e efeito. In casu, a paciente atendida nas dependências de unidade de saúde mantida pelo Apelante morreu, 48 horas após ser medicada por agente negligente deste, por Acidente Vascular Cerebral, que tem por causa justamente a alta pressão arterial. Daí porque mostra-se plenamente configurado o nexo entre a atuação deficiente do Município e o óbito da genitora da Apelada.
Seja por conta do Duplo Grau de Jurisdição, seja em virtude da regra do art. 517 do CPC, não se mostra possível a alegação de fatos novos em sede recursal (inovação recursal) sem a conexa comprovação de que não foram apresentados em primeiro grau por motivos de força maior. Deste modo, não se pode conhecer parcialmente do recurso apresentado pelo Município de Manaus, que somente em sede de apelação trabalhou com a hipótese de inevitabilidade da morte como fator excludente do nexo.
Recurso parcialmente conhecido e desprovido.
Data do Julgamento
:
30/08/2015
Data da Publicação
:
02/09/2015
Classe/Assunto
:
Apelação / Indenização por Dano Moral
Órgão Julgador
:
Primeira Câmara Cível
Relator(a)
:
Paulo César Caminha e Lima
Comarca
:
Manaus
Comarca
:
Manaus