TJAM 0609358-95.2013.8.04.0001
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. INSCRIÇÃO INDEVIDA DO DEVEDOR EM CADASTROS RESTRITIVOS DE CRÉDITO. OPERAÇÃO FINANCEIRA INADIMPLIDA REALIZADA POR TERCEIROS DE POSSE DOS DOCUMENTOS DA DEVEDORA. 1) INTERESSE DE AGIR. EXISTÊNCIA. NECESSIDADE DE RECORRER AO PODER JUDICIÁRIO PARA RETIRAR O NOME DO ROL DE DEVEDORES DO SPC E DO SERASA. UTILIDADE NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL, QUE FAZ CESSAR A VIOLAÇÃO DA IMAGEM-ATRIBUTO DA AUTORA, DIREITO DE PERSONALIDADE PROTEGIDO PELO NOVO CÓDIGO CIVIL. 2) ESTRITO CUMPRIMENTO DE DEVER LEGAL. INOCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE DEVER LEGAL. NATUREZA FACULTATIVA DA COBRANÇA DE CRÉDITO E ATOS CONSEQUENTES (INSCRIÇÃO EM CADASTRO RESTRITIVO DE CRÉDITO). 3) EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. INOCORRÊNCIA. CLARA HIPÓTESE DE ABUSO DE DIREITO, ENSEJANDO A RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA APELANTE. VIOLAÇÃO DOS FINS SOCIAIS E ECONÔMICOS DA INSCRIÇÃO DO DEVEDOR EM ROL DE INADIMPLENTES. 4) EXCLUDENTES DE NEXO CAUSAL. FATO DE TERCEIRO, FATO EXCLUSIVO DA VÍTIMA E CASO FORTUITO. INAPLICABILIDADE. TEORIA DO RISCO DO NEGÓCIO. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA Nº 479 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 5) COMPROVAÇÃO DOS DANOS MORAIS. DESNECESSIDADE. DANO MORAL IN RE IPSA. 6) QUANTUM DEBEATUR. MINORAÇÃO. CONDENAÇÃO QUE DESTOA PARCIALMENTE DOS PARÂMETROS ADOTADOS PELAS CORTES PÁTRIAS. NECESSIDADE DE SE LEVAR EM CONSIDERAÇÃO A ATUAÇÃO DELITUOSA DE TERCEIROS. 7) HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INEXISTÊNCIA DE SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA NA PROCEDÊNCIA DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS EM QUANTIA MENOR DO QUE A REQUERIDA NA INICIAL. INTELIGÊNCIA DO ENUNCIADO Nº 326 DA SÚMULA DE JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 8) RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
O interesse de agir se revela no trinômio necessidade-utilidade-adequação. Nos casos em que a parte autora busca indenização por danos morais causados em virtude de inscrição indevida em cadastros restritivos de crédito, é evidente a presença de todos os elementos do interesse de agir. O autor estará obrigado a recorrer ao judiciário não só para fazer cessar a violação de seu direito à imagem-atributo – direito de personalidade tutelado pelo Código Civil –, mas também para ver-se compensado pelos danos causados. Por outro lado, a utilidade se afigura de igual modo clara, posto ser a ação indenizatória veículo apto a proporcionar compensação patrimonial pelos danos extrapatrimoniais causados. Por fim, o uso do rito ordinário para a ação indenizatória atende à necessária adequação entre os fins buscados e os meios utilizados.
O estrito cumprimento de dever legal pressupõe a existência de um efetivo dever (agir ou não agir) imposto pelo ordenamento jurídico. Não há falar em estrito cumprimento de dever legal nos casos em que o credor atua no sentido de ver seu crédito adimplido, posto que a satisfação do crédito encontra-se na seara dos direitos subjetivos disponíveis, sendo, pois, faculdade do accipiens.
Não há exercício regular de direito na inscrição indevida no rol de maus pagadores. Embora a inscrição seja, por si só, um ato lícito – posto que abrigado pelo direito –, o seu uso nas hipóteses em que inexiste dívida a ser paga caracteriza ato contrário aos fins econômicos e sociais da inscrição, constituindo-se em evidente abuso de direito (art. 187 do Código Civil). Trata-se de evidente uso irregular de direito, acarretando a responsabilização do autor do dano (art. 927, caput, do Código Civil).
As excludentes do nexo causal (fato exclusivo de terceiro, fato exclusivo da vítima e caso fortuito) buscam demonstrar que o alegado autor do dano não foi o responsável pela sua efetiva causação. No presente caso, a instituição financeira, conforme reiterados precedentes do Superior Tribunal de Justiça, tem sua responsabilidade norteada pela ideia do risco do empreendimento, criando um dever acentuado de cuidado no exercício de suas funções. Causados danos a terceiros em decorrência de fraudes, não há como imputar exclusivamente aos estelionatários os prejuízos causados ao consumidor por equiparação (art. 17 do CDC), posto haver inequívoco descumprimento dos deveres anexos criados pelo Código de Defesa do Consumidor e a natural assunção de risco inerente ao negócio desenvolvido. Além disso, não há falar em irresponsabilidade dos bancos em casos de fraude por alegada ocorrência de caso fortuito, tendo em vista que somente o fortuito externo é capaz de retirar-lhes a responsabilidade. Os fortuitos internos, por serem inerentes ao próprio negócio, devem ser assumidos pela instituição financeira. Inteligência do enunciado nº 479 da súmula de jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça.
Não é necessário comprovar a ocorrência do dano moral em si. A prova a ser feita refere-se tão somente ao fato danoso do qual naturalmente decorre o evento danoso. Daí porque se dizer que o dano moral é in re ipsa, ou seja, próprio da situação. No presente caso, o Superior Tribunal de Justiça entende de maneira pacífica que a inscrição indevida em cadastros restritivos de crédito causa abalo aos direitos de personalidade do indivíduo, de modo que há evidente dano in re ipsa, não necessitando da comprovação do dano, mas apenas do evento lesivo. Deste modo, a apelada se desimcumbiu de seu ônus probatório, merecendo a compensação pelos danos causados.
A atuação de terceiros, embora não exclua a responsabilidade da instituição financeira, foi causa necessária para a concretização do dano. Caracterizado, pois, o fato concorrente de terceiro, capaz de influir na fixação do quantum debeatur.
A quantia referente aos danos morais apontada pela parte autora em sua exordial se afigura como mera estimativa. A tarefa de estabelecer o quantum debeatur é tarefa exclusiva do magistrado. Daí porque não há falar em sucumbência recíproca nos casos em que o requerido é condenado a pagar quantia menor do que a requerida pelo autor. Inteligência do enunciado nº 326 da súmula de jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual ''na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca''.
Recurso conhecido e parcialmente provido.
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. INSCRIÇÃO INDEVIDA DO DEVEDOR EM CADASTROS RESTRITIVOS DE CRÉDITO. OPERAÇÃO FINANCEIRA INADIMPLIDA REALIZADA POR TERCEIROS DE POSSE DOS DOCUMENTOS DA DEVEDORA. 1) INTERESSE DE AGIR. EXISTÊNCIA. NECESSIDADE DE RECORRER AO PODER JUDICIÁRIO PARA RETIRAR O NOME DO ROL DE DEVEDORES DO SPC E DO SERASA. UTILIDADE NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL, QUE FAZ CESSAR A VIOLAÇÃO DA IMAGEM-ATRIBUTO DA AUTORA, DIREITO DE PERSONALIDADE PROTEGIDO PELO NOVO CÓDIGO CIVIL. 2) ESTRITO CUMPRIMENTO DE DEVER LEGAL. INOCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE DEVER LEGAL. NATUREZA FACULTATIVA DA COBRANÇA DE CRÉDITO E ATOS CONSEQUENTES (INSCRIÇÃO EM CADASTRO RESTRITIVO DE CRÉDITO). 3) EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. INOCORRÊNCIA. CLARA HIPÓTESE DE ABUSO DE DIREITO, ENSEJANDO A RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA APELANTE. VIOLAÇÃO DOS FINS SOCIAIS E ECONÔMICOS DA INSCRIÇÃO DO DEVEDOR EM ROL DE INADIMPLENTES. 4) EXCLUDENTES DE NEXO CAUSAL. FATO DE TERCEIRO, FATO EXCLUSIVO DA VÍTIMA E CASO FORTUITO. INAPLICABILIDADE. TEORIA DO RISCO DO NEGÓCIO. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA Nº 479 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 5) COMPROVAÇÃO DOS DANOS MORAIS. DESNECESSIDADE. DANO MORAL IN RE IPSA. 6) QUANTUM DEBEATUR. MINORAÇÃO. CONDENAÇÃO QUE DESTOA PARCIALMENTE DOS PARÂMETROS ADOTADOS PELAS CORTES PÁTRIAS. NECESSIDADE DE SE LEVAR EM CONSIDERAÇÃO A ATUAÇÃO DELITUOSA DE TERCEIROS. 7) HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INEXISTÊNCIA DE SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA NA PROCEDÊNCIA DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS EM QUANTIA MENOR DO QUE A REQUERIDA NA INICIAL. INTELIGÊNCIA DO ENUNCIADO Nº 326 DA SÚMULA DE JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 8) RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
O interesse de agir se revela no trinômio necessidade-utilidade-adequação. Nos casos em que a parte autora busca indenização por danos morais causados em virtude de inscrição indevida em cadastros restritivos de crédito, é evidente a presença de todos os elementos do interesse de agir. O autor estará obrigado a recorrer ao judiciário não só para fazer cessar a violação de seu direito à imagem-atributo – direito de personalidade tutelado pelo Código Civil –, mas também para ver-se compensado pelos danos causados. Por outro lado, a utilidade se afigura de igual modo clara, posto ser a ação indenizatória veículo apto a proporcionar compensação patrimonial pelos danos extrapatrimoniais causados. Por fim, o uso do rito ordinário para a ação indenizatória atende à necessária adequação entre os fins buscados e os meios utilizados.
O estrito cumprimento de dever legal pressupõe a existência de um efetivo dever (agir ou não agir) imposto pelo ordenamento jurídico. Não há falar em estrito cumprimento de dever legal nos casos em que o credor atua no sentido de ver seu crédito adimplido, posto que a satisfação do crédito encontra-se na seara dos direitos subjetivos disponíveis, sendo, pois, faculdade do accipiens.
Não há exercício regular de direito na inscrição indevida no rol de maus pagadores. Embora a inscrição seja, por si só, um ato lícito – posto que abrigado pelo direito –, o seu uso nas hipóteses em que inexiste dívida a ser paga caracteriza ato contrário aos fins econômicos e sociais da inscrição, constituindo-se em evidente abuso de direito (art. 187 do Código Civil). Trata-se de evidente uso irregular de direito, acarretando a responsabilização do autor do dano (art. 927, caput, do Código Civil).
As excludentes do nexo causal (fato exclusivo de terceiro, fato exclusivo da vítima e caso fortuito) buscam demonstrar que o alegado autor do dano não foi o responsável pela sua efetiva causação. No presente caso, a instituição financeira, conforme reiterados precedentes do Superior Tribunal de Justiça, tem sua responsabilidade norteada pela ideia do risco do empreendimento, criando um dever acentuado de cuidado no exercício de suas funções. Causados danos a terceiros em decorrência de fraudes, não há como imputar exclusivamente aos estelionatários os prejuízos causados ao consumidor por equiparação (art. 17 do CDC), posto haver inequívoco descumprimento dos deveres anexos criados pelo Código de Defesa do Consumidor e a natural assunção de risco inerente ao negócio desenvolvido. Além disso, não há falar em irresponsabilidade dos bancos em casos de fraude por alegada ocorrência de caso fortuito, tendo em vista que somente o fortuito externo é capaz de retirar-lhes a responsabilidade. Os fortuitos internos, por serem inerentes ao próprio negócio, devem ser assumidos pela instituição financeira. Inteligência do enunciado nº 479 da súmula de jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça.
Não é necessário comprovar a ocorrência do dano moral em si. A prova a ser feita refere-se tão somente ao fato danoso do qual naturalmente decorre o evento danoso. Daí porque se dizer que o dano moral é in re ipsa, ou seja, próprio da situação. No presente caso, o Superior Tribunal de Justiça entende de maneira pacífica que a inscrição indevida em cadastros restritivos de crédito causa abalo aos direitos de personalidade do indivíduo, de modo que há evidente dano in re ipsa, não necessitando da comprovação do dano, mas apenas do evento lesivo. Deste modo, a apelada se desimcumbiu de seu ônus probatório, merecendo a compensação pelos danos causados.
A atuação de terceiros, embora não exclua a responsabilidade da instituição financeira, foi causa necessária para a concretização do dano. Caracterizado, pois, o fato concorrente de terceiro, capaz de influir na fixação do quantum debeatur.
A quantia referente aos danos morais apontada pela parte autora em sua exordial se afigura como mera estimativa. A tarefa de estabelecer o quantum debeatur é tarefa exclusiva do magistrado. Daí porque não há falar em sucumbência recíproca nos casos em que o requerido é condenado a pagar quantia menor do que a requerida pelo autor. Inteligência do enunciado nº 326 da súmula de jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual ''na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca''.
Recurso conhecido e parcialmente provido.
Data do Julgamento
:
01/06/2014
Data da Publicação
:
06/12/2014
Classe/Assunto
:
Apelação / Espécies de Contratos
Órgão Julgador
:
Primeira Câmara Cível
Relator(a)
:
Paulo César Caminha e Lima
Comarca
:
Manaus
Comarca
:
Manaus
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