TJAM 0619771-02.2015.8.04.0001
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. CESSÃO DE DIREITOS DE IMÓVEL VINCULADO AO SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. CONTRATO DE GAVETA. 1) JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. 1.1) INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. DISCUSSÃO RELATIVA À VALIDADE DO PACTO QUE APENAS FOI INAUGURADA PELA SENTENÇA. 1.2) CONTRARRAZÕES QUE, DIVERSAMENTE DA CONTESTAÇÃO, CONSIGNAM ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À PRETENSÃO AUTORAL. COMPORTAMENTO QUE VIOLA A UM SÓ TEMPO PRECLUSÃO CONSUMATIVA (PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA) E LÓGICA. 2) JUÍZO DE MÉRITO. 2.1) LEGITIMIDADE PASSIVA DA SUHAB. CARACTERIZAÇÃO. IRRELEVÂNCIA DA PRÉVIA INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CONTRATUAL ENTRE AS PARTES. LIDE QUE SE CARACTERIZA PELA RESISTÊNCIA EXTRAJUDICIAL DA RECORRIDA A ATENDER A PRETENSÃO DA RECORRENTE DE TRANSFERIR A TITULARIDADE DO IMÓVEL PARA SEU NOME. 2.2) TEORIA DO FATO CONSUMADO APLICABILIDADE. ADIMPLEMENTO INTEGRAL DO MÚTUO. PRECEDENTES DO STJ. 2.3) FALTA DE NUMERAÇÃO DO IMÓVEL EM PROCURAÇÃO. FALTA DE RESISTÊNCIA À PRETENSÃO AUTORAL NA SUPOSTA CONTESTAÇÃO APRESENTADA PELA RECORRIDA. PEDIDOS DA RECORRIDA VOLTADOS A EFETIVAR O PEDIDO FORMULADO PELA PARTE CONTRÁRIA. CARACTERIZAÇÃO DE RECONHECIMENTO DA PROCEDÊNCIA DO PEDIDO (ART. 487, III, A, DO CPC). 2.4) HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DEFENSORIA PÚBLICA. SUPERAÇÃO DO ENUNCIADO Nº 421 DO STJ E DO PRECEDENTE OBRIGATÓRIO FIRMADO NOS AUTOS DO REsp Nº 1199715/RJ. 3) RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
Não há inovação recursal quando a questão discutida no Recurso foi suscitada apenas pelo próprio juízo de origem em sede de sentença, impondo à parte, por observância à regra da dialeticidade, que sobre ela discorra.
Quando, em primeiro grau, a parte Requerida apresenta peça em que efetivamente não se opõe à pretensão autoral – demonstrando, em verdade, sua vontade de se submeter ao pedido do autor –, a apresentação de contrarrazões com argumentos tendentes a manter sentença que julgou o pedido improcedente viola preclusão consumativa (princípio da concentração da defesa) e lógica.
Conforme precedentes do STJ, é possível a aplicação da teoria do fato consumado aos contratos de gaveta fora da hipótese do art. 20 da Lei nº 10.150/00 diante do pagamento integral do mútuo, dada a finalidade da norma – permitir que a instituição financeira se certifique da solvência do adquirente –.
Após sucessivas reformas constitucionais, a Defensoria Pública passou a ostentar status institucional análogo ao do Ministério Público. Gradativamente foi-lhe conferida cada vez maior autonomia como forma de melhor tutelar o interesse dos necessitados (art. 134 da CRFB). Dentro desse amplo espectro de autonomia encontra-se seu completo desligamento do Poder Executivo nos aspectos administrativo (gerência própria de seus serviços), orçamentário (possibilidade de propor seu próprio orçamento) e financeiro (separação de rubricas orçamentárias, tornando a instituição senhora de seus próprios gastos) a partir da Emenda Constitucional nº 45/04. A elevada autonomia do órgão defensorial culminou, em 2009, na inserção, na Lei Complementar nº 80/94, de disposição normativa permissiva de execução (e antecedente condenação) de honorários advocatícios mesmo em face do Ente Público que integra (art. 4º, XXI). O texto normativo, ao adotar a expressão "quaisquer entes públicos", não deixava dúvidas a respeito dessa possibilidade.
Todavia, o Superior Tribunal de Justiça, em dois precedentes dotados de força obrigatória (art. 927, II e III), chegou à conclusão de que citado preceito deveria ser lido em consonância com o art. 381 do Código Civil, consagrador do instituto da confusão. Por ter natureza orgânica, segundo o STJ, a Defensoria Pública não poderia ser credora do Ente Público que integra (enunciado sumular nº 421): polo ativo e passivo da relação obrigacional seriam ocupados pelo próprio Ente, e não por um de seus órgãos. Para o STJ, também haveria confusão na hipótese em que a Defensoria Pública estivesse litigando contra Entidade de Direito Público integrante da Administração Indireta do mesmo Ente Federativo, visto que, nessas hipótese, o dinheiro público que custeia as atividades da entidade autárquica seriam provenientes do Ente Federado (Resp. 1.199.715, submetido à sistemática do art. 543-C do então vigente CPC/73).
Em histórica decisão tomada nos autos da Ação Rescisória de nº 1.937, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal posicionou-se, por unanimidade, de forma diversa. Diante da autonomia financeira da Defensoria Pública em face do Ente Público que integra, concluiu-se ser possível a condenação ao pagamento de verba honorária ao órgão defensorial.
Com efeito, a natureza orgânica da Defensoria Pública não pode ser levantada como óbice à condenação precisamente em virtude de sua autonomia, que afasta um dos requisitos necessários à caracterização da confusão: a efetiva confusão de patrimônios. Por contar com orçamento próprio, a Defensoria Pública, e não o próprio Estado, materializado em seu Poder Executivo, seria credora da verba honorária, que deve ser destinada aos Fundos geridos pela Defensoria, voltados exclusivamente ao aparelhamento do órgão e à capacitação profissional de seus membros e servidores (art. 4º, XXI, da LC nº 80/94 e art. 6º da Lei Complementar nº 01/90). Em outras palavras, nas hipóteses em que o Estado – materializado em seu Poder Executivo – é condenado ao pagamento de honorários advocatícios à Defensoria Pública, há unicidade de pessoas, mas distinção de patrimônios. A autonomia financeira faz com que continue a existir uma dualidade "credor-devedor" mesmo quando inexistente mais de uma pessoa jurídica.
A absoluta falta de confusão torna-se ainda mais clara nas hipóteses – como a dos autos – em que há, de um lado, a Defensoria Pública e, de outro, Entidade da Administração Indireta, visto que a separação patrimonial, nesse caso, é indiscutível.
Recurso conhecido e provido.
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. CESSÃO DE DIREITOS DE IMÓVEL VINCULADO AO SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. CONTRATO DE GAVETA. 1) JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. 1.1) INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. DISCUSSÃO RELATIVA À VALIDADE DO PACTO QUE APENAS FOI INAUGURADA PELA SENTENÇA. 1.2) CONTRARRAZÕES QUE, DIVERSAMENTE DA CONTESTAÇÃO, CONSIGNAM ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À PRETENSÃO AUTORAL. COMPORTAMENTO QUE VIOLA A UM SÓ TEMPO PRECLUSÃO CONSUMATIVA (PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA) E LÓGICA. 2) JUÍZO DE MÉRITO. 2.1) LEGITIMIDADE PASSIVA DA SUHAB. CARACTERIZAÇÃO. IRRELEVÂNCIA DA PRÉVIA INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CONTRATUAL ENTRE AS PARTES. LIDE QUE SE CARACTERIZA PELA RESISTÊNCIA EXTRAJUDICIAL DA RECORRIDA A ATENDER A PRETENSÃO DA RECORRENTE DE TRANSFERIR A TITULARIDADE DO IMÓVEL PARA SEU NOME. 2.2) TEORIA DO FATO CONSUMADO APLICABILIDADE. ADIMPLEMENTO INTEGRAL DO MÚTUO. PRECEDENTES DO STJ. 2.3) FALTA DE NUMERAÇÃO DO IMÓVEL EM PROCURAÇÃO. FALTA DE RESISTÊNCIA À PRETENSÃO AUTORAL NA SUPOSTA CONTESTAÇÃO APRESENTADA PELA RECORRIDA. PEDIDOS DA RECORRIDA VOLTADOS A EFETIVAR O PEDIDO FORMULADO PELA PARTE CONTRÁRIA. CARACTERIZAÇÃO DE RECONHECIMENTO DA PROCEDÊNCIA DO PEDIDO (ART. 487, III, A, DO CPC). 2.4) HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DEFENSORIA PÚBLICA. SUPERAÇÃO DO ENUNCIADO Nº 421 DO STJ E DO PRECEDENTE OBRIGATÓRIO FIRMADO NOS AUTOS DO REsp Nº 1199715/RJ. 3) RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
Não há inovação recursal quando a questão discutida no Recurso foi suscitada apenas pelo próprio juízo de origem em sede de sentença, impondo à parte, por observância à regra da dialeticidade, que sobre ela discorra.
Quando, em primeiro grau, a parte Requerida apresenta peça em que efetivamente não se opõe à pretensão autoral – demonstrando, em verdade, sua vontade de se submeter ao pedido do autor –, a apresentação de contrarrazões com argumentos tendentes a manter sentença que julgou o pedido improcedente viola preclusão consumativa (princípio da concentração da defesa) e lógica.
Conforme precedentes do STJ, é possível a aplicação da teoria do fato consumado aos contratos de gaveta fora da hipótese do art. 20 da Lei nº 10.150/00 diante do pagamento integral do mútuo, dada a finalidade da norma – permitir que a instituição financeira se certifique da solvência do adquirente –.
Após sucessivas reformas constitucionais, a Defensoria Pública passou a ostentar status institucional análogo ao do Ministério Público. Gradativamente foi-lhe conferida cada vez maior autonomia como forma de melhor tutelar o interesse dos necessitados (art. 134 da CRFB). Dentro desse amplo espectro de autonomia encontra-se seu completo desligamento do Poder Executivo nos aspectos administrativo (gerência própria de seus serviços), orçamentário (possibilidade de propor seu próprio orçamento) e financeiro (separação de rubricas orçamentárias, tornando a instituição senhora de seus próprios gastos) a partir da Emenda Constitucional nº 45/04. A elevada autonomia do órgão defensorial culminou, em 2009, na inserção, na Lei Complementar nº 80/94, de disposição normativa permissiva de execução (e antecedente condenação) de honorários advocatícios mesmo em face do Ente Público que integra (art. 4º, XXI). O texto normativo, ao adotar a expressão "quaisquer entes públicos", não deixava dúvidas a respeito dessa possibilidade.
Todavia, o Superior Tribunal de Justiça, em dois precedentes dotados de força obrigatória (art. 927, II e III), chegou à conclusão de que citado preceito deveria ser lido em consonância com o art. 381 do Código Civil, consagrador do instituto da confusão. Por ter natureza orgânica, segundo o STJ, a Defensoria Pública não poderia ser credora do Ente Público que integra (enunciado sumular nº 421): polo ativo e passivo da relação obrigacional seriam ocupados pelo próprio Ente, e não por um de seus órgãos. Para o STJ, também haveria confusão na hipótese em que a Defensoria Pública estivesse litigando contra Entidade de Direito Público integrante da Administração Indireta do mesmo Ente Federativo, visto que, nessas hipótese, o dinheiro público que custeia as atividades da entidade autárquica seriam provenientes do Ente Federado (Resp. 1.199.715, submetido à sistemática do art. 543-C do então vigente CPC/73).
Em histórica decisão tomada nos autos da Ação Rescisória de nº 1.937, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal posicionou-se, por unanimidade, de forma diversa. Diante da autonomia financeira da Defensoria Pública em face do Ente Público que integra, concluiu-se ser possível a condenação ao pagamento de verba honorária ao órgão defensorial.
Com efeito, a natureza orgânica da Defensoria Pública não pode ser levantada como óbice à condenação precisamente em virtude de sua autonomia, que afasta um dos requisitos necessários à caracterização da confusão: a efetiva confusão de patrimônios. Por contar com orçamento próprio, a Defensoria Pública, e não o próprio Estado, materializado em seu Poder Executivo, seria credora da verba honorária, que deve ser destinada aos Fundos geridos pela Defensoria, voltados exclusivamente ao aparelhamento do órgão e à capacitação profissional de seus membros e servidores (art. 4º, XXI, da LC nº 80/94 e art. 6º da Lei Complementar nº 01/90). Em outras palavras, nas hipóteses em que o Estado – materializado em seu Poder Executivo – é condenado ao pagamento de honorários advocatícios à Defensoria Pública, há unicidade de pessoas, mas distinção de patrimônios. A autonomia financeira faz com que continue a existir uma dualidade "credor-devedor" mesmo quando inexistente mais de uma pessoa jurídica.
A absoluta falta de confusão torna-se ainda mais clara nas hipóteses – como a dos autos – em que há, de um lado, a Defensoria Pública e, de outro, Entidade da Administração Indireta, visto que a separação patrimonial, nesse caso, é indiscutível.
Recurso conhecido e provido.
Data do Julgamento
:
09/07/2018
Data da Publicação
:
10/07/2018
Classe/Assunto
:
Apelação / Sistema Financeiro da Habitação
Órgão Julgador
:
Primeira Câmara Cível
Relator(a)
:
Paulo César Caminha e Lima
Comarca
:
Manaus
Comarca
:
Manaus
Mostrar discussão