TJAM 4004735-30.2017.8.04.0000
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO À EDUCAÇÃO. ARTIGOS 1º E 2º DA LEI MUNICIPAL Nº 439/2017. LEI MUNICIPAL QUE VEDA A INSERÇÃO, NA GRADE CURRICULAR DAS ESCOLAS DO MUNICÍPIO DE MANAUS, A ORIENTAÇÃO POLÍTICA PEDAGÓGICA APLICADA À IMPLANTAÇÃO E AO DESENVOLVIMENTO DE ATIVIDADES PEDAGÓGICAS QUE VISEM À REPRODUÇÃO DO CONCEITO DE IDEOLOGIA DE GÊNERO. MEDIDA CAUTELAR. REQUISITOS SATISFEITOS. DEFERIMENTO.
1. Não cabe aos Tribunais de Justiça Estaduais exercer o controle de constitucionalidade de leis e demais atos normativos municipais em face da Constituição Federal (STF. Plenário. ADI 347, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 20/09/2006). Essa regra comporta uma exceção. Os Tribunais de Justiça, ao julgarem a representação de inconstitucionalidade proposta contra lei municipal, poderão declará-la inconstitucional utilizando como parâmetro dispositivos da Constituição Federal, desde que tais normas sejam de reprodução obrigatória pelos Estados (STF. Plenário. RE 650898/RS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 1º/2/2017, decidido sob o manto da Repercussão Geral (Informativo 852 do Supremo Tribunal Federal).
2. A Constituição da República Federativa do Brasil atribui, em seu artigo 22, inciso XXIV, competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, norma de repetição obrigatória implícita na Constituição do Estado do Amazonas.
3. A Carta Amazonense, em seu artigo 18, inciso IX, dispõe que "compete ao Estado, respeitadas as normas gerais estabelecidas em lei federal, legislar concorrentemente com a União sobre a educação".
4. A mesma Constituição Estadual estabelece, em seu artigo 125, inciso II, competência aos municípios para suplementar a legislação federal e a estadual "no que couber".
5. A ação direta de inconstitucionalidade revela-se como meio a fiscalizar a adequação (compatibilidade vertical) de lei municipal com os princípios e regras existentes nas Cartas Estadual e Federal que suprime o domínio do saber do universo escolar com inobservância ao direito à educação.
6. O Sistema Estadual de Educação, integrado por Órgãos e estabelecimentos de ensino estaduais e municipais e por escolas particulares, deve observar, além dos princípios e garantias previstos na Constituição da República: (i) liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; (ii) o pluralismo de ideia e de concepções pedagógicas; (iii) a preservação de valores educacionais, regionais e locais, a liberdade, tudo conforme o disposto na Constituição Estadual, em seu artigo 199, inciso I, alíneas b, c e d).
7. O manejo do aparato estatal para manter grupos minoritários em condição de invisibilidade e inferioridade viola, ao menos em uma análise perfunctória, o direito de todos os indivíduos à igual consideração e respeito e perpetuação de estigmas (artigo 1º, inciso III, e artigo 5º, ambos da Carta de República c.c. artigo 3º, §4º, e artigo 242, todos da Constituição Estadual do Estado do Amazonas).
8. O ato legislativo impugnado, primo ictu oculi, recalcitra, também, ao princípio da proteção integral, dada a sua autoridade na educação sobre diversidade sexual para crianças, adolescentes e jovens. Nessa toada, as pessoas especialmente vulneráveis que podem desenvolver identidades de gênero e orientação sexual divergentes do padrão culturalmente naturalizado, devem receber tutela estatal, inclusive de cunho jurisdicional, para salvaguardá-las de toda forma de discriminação e opressão, em prestígio ao regime constitucional especialmente protetivo (Constituição do Estado do Amazonas, §4º, do artigo 242).
9. No que concerne a concessão do pedido de medida cautelar (artigos 10 a 12, da Lei nº 9.868/99), são requisitos para a sua concessão, consoante doutrina e jurisprudência pátrias: a) plausibilidade jurídica da tese exposta (fumus boni iuris); b) possibilidade de prejuízo decorrente do retardamento da decisão postulada (periculum in mora).
10. A plausibilidade das alegações esposadas na atrial (fumus boni iures), ainda em análise superficial, ressoa indene, na medida em que os artigos 1º e 2º, da Lei Municipal nº 439/2017, violam, ao menos em sede de cognição sumária e precária, a todos os princípios e normas constitucionais supramencionadas, padecendo de vícios formal e material.
11. O periculum in mora, por seu turno, é indiscutível, uma vez que a norma compromete o acesso imediato de crianças, adolescentes e jovens a conteúdos relevantes, pertinentes à sua vida íntima e social, em desrespeito à doutrina da proteção integra.
12. Presente a plausibilidade da alegação de que padece de vício de inconstitucionalidade formal a norma municipal que impõe vedação à ideologia de gênero, em afronta ao plano educacional inclusivo adotado pelo Poder Executivo federal no exercício de suas funções de traçar os conteúdos pedagógicos, sob a égide do Plano Nacional da Educação, razoável e prudente se revela o deferimento da medida cautelar para se afastar os efeitos de sua vedação sobre o ano letivo.
13. Medida cautelar deferida para suspender a eficácia e vigência dos artigos 1º e 2º, da Lei Municipal nº 439/2017, até o julgamento do mérito da ação, com efeito ex nunc e erga omnes (§1º, do artigo 11, da Lei nº 9.868/99).
Ementa
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO À EDUCAÇÃO. ARTIGOS 1º E 2º DA LEI MUNICIPAL Nº 439/2017. LEI MUNICIPAL QUE VEDA A INSERÇÃO, NA GRADE CURRICULAR DAS ESCOLAS DO MUNICÍPIO DE MANAUS, A ORIENTAÇÃO POLÍTICA PEDAGÓGICA APLICADA À IMPLANTAÇÃO E AO DESENVOLVIMENTO DE ATIVIDADES PEDAGÓGICAS QUE VISEM À REPRODUÇÃO DO CONCEITO DE IDEOLOGIA DE GÊNERO. MEDIDA CAUTELAR. REQUISITOS SATISFEITOS. DEFERIMENTO.
1. Não cabe aos Tribunais de Justiça Estaduais exercer o controle de constitucionalidade de leis e demais atos normativos municipais em face da Constituição Federal (STF. Plenário. ADI 347, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 20/09/2006). Essa regra comporta uma exceção. Os Tribunais de Justiça, ao julgarem a representação de inconstitucionalidade proposta contra lei municipal, poderão declará-la inconstitucional utilizando como parâmetro dispositivos da Constituição Federal, desde que tais normas sejam de reprodução obrigatória pelos Estados (STF. Plenário. RE 650898/RS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 1º/2/2017, decidido sob o manto da Repercussão Geral (Informativo 852 do Supremo Tribunal Federal).
2. A Constituição da República Federativa do Brasil atribui, em seu artigo 22, inciso XXIV, competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, norma de repetição obrigatória implícita na Constituição do Estado do Amazonas.
3. A Carta Amazonense, em seu artigo 18, inciso IX, dispõe que "compete ao Estado, respeitadas as normas gerais estabelecidas em lei federal, legislar concorrentemente com a União sobre a educação".
4. A mesma Constituição Estadual estabelece, em seu artigo 125, inciso II, competência aos municípios para suplementar a legislação federal e a estadual "no que couber".
5. A ação direta de inconstitucionalidade revela-se como meio a fiscalizar a adequação (compatibilidade vertical) de lei municipal com os princípios e regras existentes nas Cartas Estadual e Federal que suprime o domínio do saber do universo escolar com inobservância ao direito à educação.
6. O Sistema Estadual de Educação, integrado por Órgãos e estabelecimentos de ensino estaduais e municipais e por escolas particulares, deve observar, além dos princípios e garantias previstos na Constituição da República: (i) liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; (ii) o pluralismo de ideia e de concepções pedagógicas; (iii) a preservação de valores educacionais, regionais e locais, a liberdade, tudo conforme o disposto na Constituição Estadual, em seu artigo 199, inciso I, alíneas b, c e d).
7. O manejo do aparato estatal para manter grupos minoritários em condição de invisibilidade e inferioridade viola, ao menos em uma análise perfunctória, o direito de todos os indivíduos à igual consideração e respeito e perpetuação de estigmas (artigo 1º, inciso III, e artigo 5º, ambos da Carta de República c.c. artigo 3º, §4º, e artigo 242, todos da Constituição Estadual do Estado do Amazonas).
8. O ato legislativo impugnado, primo ictu oculi, recalcitra, também, ao princípio da proteção integral, dada a sua autoridade na educação sobre diversidade sexual para crianças, adolescentes e jovens. Nessa toada, as pessoas especialmente vulneráveis que podem desenvolver identidades de gênero e orientação sexual divergentes do padrão culturalmente naturalizado, devem receber tutela estatal, inclusive de cunho jurisdicional, para salvaguardá-las de toda forma de discriminação e opressão, em prestígio ao regime constitucional especialmente protetivo (Constituição do Estado do Amazonas, §4º, do artigo 242).
9. No que concerne a concessão do pedido de medida cautelar (artigos 10 a 12, da Lei nº 9.868/99), são requisitos para a sua concessão, consoante doutrina e jurisprudência pátrias: a) plausibilidade jurídica da tese exposta (fumus boni iuris); b) possibilidade de prejuízo decorrente do retardamento da decisão postulada (periculum in mora).
10. A plausibilidade das alegações esposadas na atrial (fumus boni iures), ainda em análise superficial, ressoa indene, na medida em que os artigos 1º e 2º, da Lei Municipal nº 439/2017, violam, ao menos em sede de cognição sumária e precária, a todos os princípios e normas constitucionais supramencionadas, padecendo de vícios formal e material.
11. O periculum in mora, por seu turno, é indiscutível, uma vez que a norma compromete o acesso imediato de crianças, adolescentes e jovens a conteúdos relevantes, pertinentes à sua vida íntima e social, em desrespeito à doutrina da proteção integra.
12. Presente a plausibilidade da alegação de que padece de vício de inconstitucionalidade formal a norma municipal que impõe vedação à ideologia de gênero, em afronta ao plano educacional inclusivo adotado pelo Poder Executivo federal no exercício de suas funções de traçar os conteúdos pedagógicos, sob a égide do Plano Nacional da Educação, razoável e prudente se revela o deferimento da medida cautelar para se afastar os efeitos de sua vedação sobre o ano letivo.
13. Medida cautelar deferida para suspender a eficácia e vigência dos artigos 1º e 2º, da Lei Municipal nº 439/2017, até o julgamento do mérito da ação, com efeito ex nunc e erga omnes (§1º, do artigo 11, da Lei nº 9.868/99).
Data do Julgamento
:
16/05/2018
Data da Publicação
:
17/05/2018
Classe/Assunto
:
Direta de Inconstitucionalidade / Controle de Constitucionalidade
Órgão Julgador
:
Tribunal Pleno
Relator(a)
:
Carla Maria Santos dos Reis
Comarca
:
Manaus
Comarca
:
Manaus
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