TJCE 0000519-65.2008.8.06.0029
PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. USO DE DOCUMENTO FALSO E CORRUPÇÃO ATIVA. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. NÃO ACOLHIMENTO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADOS.
1. Condenado à pena de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão pelo delito do art. 304 do Código Penal, bem como à reprimenda de também 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão pelo crime do art. 333 do mesmo diploma legal, o réu interpôs o presente apelo requerendo sua absolvição, em razão da ausência de provas suficientes para justificar um decreto condenatório. Subsidiariamente, pede o redimensionamento das penas impostas e a alteração do regime inicial de cumprimento destas.
2. Compulsando os autos, extrai-se que o réu narrou que em inquérito que adquiriu a CNH falsa pelo valor de R$ 1.000,00 (mil reais). Aqui, mencione-se que em que pese ele ter alterado sua versão em juízo, passando a afirmar que o valor apontado foi pago à autoescola e ao DETRAN para a realização dos exames de forma idônea, tem-se que as aludidas alegações não restaram comprovadas no decorrer do processo.
3. Ressalte-se que tendo a acusação produzido provas que demonstraram que o recorrente apresentou documento falso perante os agentes públicos, caberia à defesa, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal, comprovar que o réu realizou todas as etapas necessárias para a obtenção de CNH e que foi nelas aprovado, o que não foi feito. Além disso, o interrogatório do acusado apresenta incoerências, o que também afasta a idoneidade do seu conteúdo.
4. Desta forma, levando em consideração as provas produzidas ao longo do feito, resta claro que o magistrado de primeiro grau fundou-se em elementos hábeis e suficientes para embasar a condenação do acusado, ora apelante, de modo que ficou demonstrada, conforme aduzido acima, a materialidade e a autoria do delito de uso de documento falso, não havendo, portanto, que se falar em reforma da sentença condenatória neste ponto.
5. De igual modo, restou comprovado pelos depoimentos dos policiais que, após receber ordem de prisão pelo uso de documento falso, o acusado ofereceu dinheiro ao Delegado de Polícia para que o procedimento de segregação não fosse realizado.
6. Sobre o assunto, importante ressaltar que os aludidos depoimentos, principalmente prestados sob as garantias do contraditório e da ampla defesa, são considerados prova idônea para embasar condenação se estiverem de acordo com os demais elementos colhidos, o que se deu no presente caso, onde nada do que fora alegado foi capaz de abalar a convicção por eles trazida. Ademais, uma vez que crimes deste tipo não deixam vestígios e são cometidos na clandestinidade, indiscutível se mostra a eficácia probatória do depoimento daquele que foi alvo da proposta de vantagem indevida, no presente caso, o Delegado de Polícia. Precedentes.
7. Desta feita, ainda que o réu afirme que apenas perguntou ao Delegado se poderia resolver o problema pagando fiança, fato é que tal versão restou isolada nos autos, indo de encontro ao teor dos depoimentos dos policiais, não podendo, portanto, albergar decreto absolutório, razão pela qual se mantém a sentença.
ANÁLISE DA DOSIMETRIA DA PENA. NECESSIDADE DE REDIMENSIONAMENTO DA SANÇÃO E ALTERAÇÃO DO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DESTA.
8. O sentenciante, ao dosar a pena do réu, entendeu desfavoráveis para ambos os crimes os vetores culpabilidade e motivos, e, por isso, afastou a basilar em 06 (seis) meses do mínimo legal, que nas duas hipóteses era de 02 (dois) anos de reclusão.
9. Ocorre que, ao que parece, o magistrado de 1º grau confundiu a culpabilidade tida como circunstância judicial com a culpabilidade elemento do conceito analítico de crime -, não podendo a fundamentação por ele apresentada (pautada na consciência da ilicitude e na exigibilidade de conduta diversa) ser utilizada para elevar a basilar, visto que funciona, apenas, para demonstrar que inexistia excludente de culpabilidade no caso em comento e que, por isso, caberia a imposição de pena contra o acusado, análise esta que já foi feita pelo magistrado no momento da condenação. Utilizar as mesmas circunstâncias para exasperar a pena base nada mais seria que incorrer em bis in idem, o que é inadmitido pelo ordenamento jurídico e pela jurisprudência brasileira. Assim, fica neutra a vetorial. Precedentes.
10. No que tange aos motivos, tem-se que as fundamentações apresentadas para negativar o aludido vetor, quanto aos dois delitos, também se mostraram inidôneas, já que foram utilizados traços inerentes ao crime de uso de documento falso e de corrupção ativa. Desta feita, também para se evitar bis in idem, fica neutra a presente circunstância judicial.
11. De modo que, não remanescendo tom desfavorável sobre quaisquer dos vetores do art. 59 do CP, é de ser reduzida a basilar ao piso legal para ambos os delitos, ou seja, 2 anos de reclusão.
12. Fica a pena definitiva redimensionada, para cada um dos crimes, de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão para 02 (dois) anos de reclusão. Aplicando a regra do concurso material, fica a pena total alterada de 05 (cinco) anos de reclusão para 04 (quatro) anos de reclusão.
13. Levando-se em consideração a pena definitiva aplicada por este e. Tribunal no montante de 04 (quatro) anos de reclusão, a primariedade do réu, a fixação das penas no mínimo legal, bem como a detração realizada em 1ª instância (que descontou da condenação o período de 2 meses, 1 semana e 2 dias), altera-se o regime de cumprimento de pena para o inicialmente aberto.
14. Cumpridos os requisitos do art. 44 do Código Penal, fica substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, a serem determinadas pelo juízo da execução.
RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. DE OFÍCIO, SUBSTITUÍDA A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS.
ACORDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação criminal nº 0000519-65.2008.8.06.0029, ACORDAM os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade, em conhecer do recurso de apelação e lhe dar parcial provimento. De ofício, fica substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, nos termos do voto do Relator.
Fortaleza, 26 de junho de 2018
DESEMBARGADOR MÁRIO PARENTE TEÓFILO NETO
Relator
Ementa
PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. USO DE DOCUMENTO FALSO E CORRUPÇÃO ATIVA. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. NÃO ACOLHIMENTO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADOS.
1. Condenado à pena de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão pelo delito do art. 304 do Código Penal, bem como à reprimenda de também 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão pelo crime do art. 333 do mesmo diploma legal, o réu interpôs o presente apelo requerendo sua absolvição, em razão da ausência de provas suficientes para justificar um decreto condenatório. Subsidiariamente, pede o redimensionamento das penas impostas e a alteração do regime inicial de cumprimento destas.
2. Compulsando os autos, extrai-se que o réu narrou que em inquérito que adquiriu a CNH falsa pelo valor de R$ 1.000,00 (mil reais). Aqui, mencione-se que em que pese ele ter alterado sua versão em juízo, passando a afirmar que o valor apontado foi pago à autoescola e ao DETRAN para a realização dos exames de forma idônea, tem-se que as aludidas alegações não restaram comprovadas no decorrer do processo.
3. Ressalte-se que tendo a acusação produzido provas que demonstraram que o recorrente apresentou documento falso perante os agentes públicos, caberia à defesa, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal, comprovar que o réu realizou todas as etapas necessárias para a obtenção de CNH e que foi nelas aprovado, o que não foi feito. Além disso, o interrogatório do acusado apresenta incoerências, o que também afasta a idoneidade do seu conteúdo.
4. Desta forma, levando em consideração as provas produzidas ao longo do feito, resta claro que o magistrado de primeiro grau fundou-se em elementos hábeis e suficientes para embasar a condenação do acusado, ora apelante, de modo que ficou demonstrada, conforme aduzido acima, a materialidade e a autoria do delito de uso de documento falso, não havendo, portanto, que se falar em reforma da sentença condenatória neste ponto.
5. De igual modo, restou comprovado pelos depoimentos dos policiais que, após receber ordem de prisão pelo uso de documento falso, o acusado ofereceu dinheiro ao Delegado de Polícia para que o procedimento de segregação não fosse realizado.
6. Sobre o assunto, importante ressaltar que os aludidos depoimentos, principalmente prestados sob as garantias do contraditório e da ampla defesa, são considerados prova idônea para embasar condenação se estiverem de acordo com os demais elementos colhidos, o que se deu no presente caso, onde nada do que fora alegado foi capaz de abalar a convicção por eles trazida. Ademais, uma vez que crimes deste tipo não deixam vestígios e são cometidos na clandestinidade, indiscutível se mostra a eficácia probatória do depoimento daquele que foi alvo da proposta de vantagem indevida, no presente caso, o Delegado de Polícia. Precedentes.
7. Desta feita, ainda que o réu afirme que apenas perguntou ao Delegado se poderia resolver o problema pagando fiança, fato é que tal versão restou isolada nos autos, indo de encontro ao teor dos depoimentos dos policiais, não podendo, portanto, albergar decreto absolutório, razão pela qual se mantém a sentença.
ANÁLISE DA DOSIMETRIA DA PENA. NECESSIDADE DE REDIMENSIONAMENTO DA SANÇÃO E ALTERAÇÃO DO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DESTA.
8. O sentenciante, ao dosar a pena do réu, entendeu desfavoráveis para ambos os crimes os vetores culpabilidade e motivos, e, por isso, afastou a basilar em 06 (seis) meses do mínimo legal, que nas duas hipóteses era de 02 (dois) anos de reclusão.
9. Ocorre que, ao que parece, o magistrado de 1º grau confundiu a culpabilidade tida como circunstância judicial com a culpabilidade elemento do conceito analítico de crime -, não podendo a fundamentação por ele apresentada (pautada na consciência da ilicitude e na exigibilidade de conduta diversa) ser utilizada para elevar a basilar, visto que funciona, apenas, para demonstrar que inexistia excludente de culpabilidade no caso em comento e que, por isso, caberia a imposição de pena contra o acusado, análise esta que já foi feita pelo magistrado no momento da condenação. Utilizar as mesmas circunstâncias para exasperar a pena base nada mais seria que incorrer em bis in idem, o que é inadmitido pelo ordenamento jurídico e pela jurisprudência brasileira. Assim, fica neutra a vetorial. Precedentes.
10. No que tange aos motivos, tem-se que as fundamentações apresentadas para negativar o aludido vetor, quanto aos dois delitos, também se mostraram inidôneas, já que foram utilizados traços inerentes ao crime de uso de documento falso e de corrupção ativa. Desta feita, também para se evitar bis in idem, fica neutra a presente circunstância judicial.
11. De modo que, não remanescendo tom desfavorável sobre quaisquer dos vetores do art. 59 do CP, é de ser reduzida a basilar ao piso legal para ambos os delitos, ou seja, 2 anos de reclusão.
12. Fica a pena definitiva redimensionada, para cada um dos crimes, de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão para 02 (dois) anos de reclusão. Aplicando a regra do concurso material, fica a pena total alterada de 05 (cinco) anos de reclusão para 04 (quatro) anos de reclusão.
13. Levando-se em consideração a pena definitiva aplicada por este e. Tribunal no montante de 04 (quatro) anos de reclusão, a primariedade do réu, a fixação das penas no mínimo legal, bem como a detração realizada em 1ª instância (que descontou da condenação o período de 2 meses, 1 semana e 2 dias), altera-se o regime de cumprimento de pena para o inicialmente aberto.
14. Cumpridos os requisitos do art. 44 do Código Penal, fica substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, a serem determinadas pelo juízo da execução.
RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. DE OFÍCIO, SUBSTITUÍDA A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS.
ACORDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação criminal nº 0000519-65.2008.8.06.0029, ACORDAM os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade, em conhecer do recurso de apelação e lhe dar parcial provimento. De ofício, fica substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, nos termos do voto do Relator.
Fortaleza, 26 de junho de 2018
DESEMBARGADOR MÁRIO PARENTE TEÓFILO NETO
Relator
Data do Julgamento
:
26/06/2018
Data da Publicação
:
26/06/2018
Classe/Assunto
:
Apelação / Uso de documento falso
Órgão Julgador
:
1ª Câmara Criminal
Relator(a)
:
MARIO PARENTE TEÓFILO NETO
Comarca
:
Acopiara
Comarca
:
Acopiara
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