TJCE 0001060-34.2005.8.06.0052
PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DOIS HOMICÍDIOS QUALIFICADOS CONSUMADOS E DOIS HOMICÍDIOS QUALIFICADOS TENTADOS. PRELIMINARES DE NULIDADE DECORRENTES DE EXCESSO DE LINGUAGEM, AFRONTA À IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ E INÉPCIA DA DENÚNCIA. REJEIÇÃO.
1. Preliminarmente, sustenta o recorrente Deilton de Oliveira Saraiva que a decisão de pronúncia encontra-se eivada de nulidade, por excesso de linguagem, pois ao seu ver o magistrado de piso fez análise de mérito, invadindo a competência do Conselho de Sentença.
2. Ocorre que, ao contrário do que alega a defesa, a decisão proferida não coloca em perigo a imparcialidade dos jurados, estando o decisum em conformidade com as determinações do art. 413 do Código de Processo Penal, sem qualquer juízo de valor acerca do mérito acusatório por parte do juízo a quo, o qual foi comedido na análise dos fatos (utilizando palavras como "em tese", "indícios" e verbos no futuro do pretérito que dão ideia de ausência de certeza), não havendo que se falar em nulidade neste ponto. Precedentes. Preliminar rejeitada.
3. Como segunda preliminar, o recorrente Deilton sustenta nulidade decorrente de afronta ao princípio da identidade física do juiz, pois o magistrado que conduziu a instrução não foi o mesmo que proferiu a decisão de pronúncia. Porém, mais uma vez, o pleito não merece provimento, pois mesmo que o art. 399, §2º do CPP traga a previsão sustentada pelo recorrente, o princípio não é absoluto, permitindo mitigações, como por exemplo quando o magistrado que fez a instrução é promovido para outra Comarca. Precedentes.
4. In casu, transcorreu prazo de cerca de 10 (dez) anos entre a data dos fatos e a prolação da pronúncia. Neste intervalo, mais especificamente no ano de 2010, o juiz que conduziu a instrução foi promovido para exercer suas atividades na Comarca de Sobral.
5. Desta forma, não haveria como ele proferir o decisum pois, realizando-se um sopesamento entre o princípio da identidade física do juiz e o princípio do juiz natural, chega-se à conclusão de que não se pode determinar que um julgador que não detenha mais competência para o julgamento de um processo em razão de ter sido promovido para outra entrância/comarca julgue o aludido feito apenas porque, um dia, conduziu a instrução do mesmo.
6. Ressalte-se que o art. 132 do Código de Processo Civil de 1973, aplicável de forma subsidiária ao processo penal, trazia em seu bojo a disposição de que "o juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor." Com o advento do Novo CPC, mesmo que o dispositivo não esteja mais vigente, o STJ continua a entender que a hipótese de promoção mitiga o princípio da identidade física do juiz. Precedentes. Preliminar rejeitada.
7. Como terceira preliminar a ser discutida, a defesa de Ailton Gomes de Figueiredo e Adailton Gomes de Figueiredo sustenta que a pronúncia deve ser anulada em razão de ter se baseado em denúncia inepta, que não descrevia a conduta dos acusados.
8. Ab initio, importa salientar que a alegação de inépcia da denúncia encontra-se prejudicada, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, já que sobrevindo decisão de pronúncia tem-se por confirmada, pelo juízo de 1º grau, após o exercício do contraditório e da ampla defesa (durante a instrução criminal), a higidez da peça inicial. Precedentes.
9. Porém, ad argumentandum tantum, ressalte-se que o crime analisado no presente processo é de autoria coletiva (cometido, em tese, por, pelo menos, 04 indivíduos) e, por isso, nos termos do entendimento majoritário pátrio, não precisa haver a descrição pormenorizada das ações de cada agente, desde que haja uma clara narração do contexto fático que possibilite o exercício da ampla defesa pelos denunciados, o que se deu no caso em tela. Precedentes e doutrina. Preliminar rejeitada.
MÉRITO. PLEITO DE DESPRONÚNCIA. NÃO ACOLHIMENTO. MATERIALIDADE COMPROVADA E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA PRESENTES. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. REMESSA DA ANÁLISE DO CASO AO CONSELHO DE SENTENÇA.
10. Na primeira fase do procedimento dos crimes de competência do Tribunal do Júri, quando houver dúvida ou incerteza sobre qual tese optar, a da defesa ou da acusação, esta se resolve em favor da sociedade, pois nesta fase vigora o princípio in dubio pro societate.
11. A materialidade encontra-se comprovada pelo auto de exame de corpo de delito (cadavérico) da vítima Antônio Furtado de Figueiredo (fls. 211/212), pela declaração de óbito da vítima Antônio Furtado de Figueiredo Filho (fls. 85/86), por auto de exame de corpo de delito de fls. 1192, bem como pelos depoimentos constantes nos autos.
12. No que tange à autoria, extrai-se que existem indícios suficientes em desfavor dos réus, produzidos tanto durante o inquérito quanto em juízo, a exemplo dos depoimentos das vítimas sobreviventes e de uma das testemunhas, bem como dos resultados dos exames químico qualitativos - parafina (fls. 96/99), além dos autos de reconhecimento de pessoas, fls. 47 e 49.
13. De certo, há versão em sentido contrário, como as alegações dos próprios réus no sentido de que não mataram as vítimas, ou de testemunhas que afirmam que viram os acusados em outra cidade na noite dos fatos. Contudo, não cabe ao magistrado singular ou a este órgão ad quem valorar as provas colhidas pois, existindo dúvida, medida que se impõe é a apreciação do caso pelo Tribunal do Júri, juízo competente para processar e julgar o feito, já que neste momento vigora o princípio in dubio pro societate. Precedentes.
14. Na fase de pronúncia, julga-se apenas a admissibilidade da acusação, sem qualquer avaliação de mérito, sendo desnecessário o juízo de certeza imprescindível à condenação. Exige-se apenas a comprovação da materialidade e a presença de indícios suficientes de autoria, o que se tem no presente caso, sendo inviável despronunciar os acusados.
15. Mencione-se que as teses defensivas de que o reconhecimento de pessoas realizado em desfavor dos recorrentes deve ser nulo porque, em momento anterior, as vítimas teriam reconhecido outras pessoas como autores do delito, bem como porque o procedimento não teria obedecido as determinações do art. 226 do Código de Processo Penal, não se prestam para afastar, neste momento, a pronúncia dos acusados, primeiro porque a vítima Ana Soégila Soares, fls. 193/196, explicou as razões que teriam levado-a a reconhecer anteriormente outras pessoas como autoras do crime, confirmando ao final do seu último depoimento, o reconhecimento feito em desfavor dos recorrentes, demonstrando assim a persistência de indícios de autoria.
16. Segundo porque a jurisprudência pátria firmou entendimento no sentido de que o procedimento contido no art. 226 do Código de Processo Penal é configurado como uma recomendação e não como exigência. Desta forma, eventual reconhecimento realizado sem as formalidades insculpidas no dito dispositivo não tem o condão de ensejar a nulidade da prova documental. Precedentes.
RECURSOS CONHECIDOS, PARA REJEITAR AS PRELIMINARES ARGUIDAS E, NO MÉRITO, NEGAR-LHES PROVIMENTO.
ACORDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso em sentido estrito nº 0001060-34.2005.8.06.0052, ACORDAM os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade e em consonância com o parecer ministerial, em conhecer dos recursos, para rejeitar as preliminares arguidas e, no mérito, negar-lhes provimento, tudo em conformidade com o voto do Relator.
Fortaleza, 29 de agosto de 2017
DESEMBARGADOR MÁRIO PARENTE TEÓFILO NETO
Relator
Ementa
PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DOIS HOMICÍDIOS QUALIFICADOS CONSUMADOS E DOIS HOMICÍDIOS QUALIFICADOS TENTADOS. PRELIMINARES DE NULIDADE DECORRENTES DE EXCESSO DE LINGUAGEM, AFRONTA À IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ E INÉPCIA DA DENÚNCIA. REJEIÇÃO.
1. Preliminarmente, sustenta o recorrente Deilton de Oliveira Saraiva que a decisão de pronúncia encontra-se eivada de nulidade, por excesso de linguagem, pois ao seu ver o magistrado de piso fez análise de mérito, invadindo a competência do Conselho de Sentença.
2. Ocorre que, ao contrário do que alega a defesa, a decisão proferida não coloca em perigo a imparcialidade dos jurados, estando o decisum em conformidade com as determinações do art. 413 do Código de Processo Penal, sem qualquer juízo de valor acerca do mérito acusatório por parte do juízo a quo, o qual foi comedido na análise dos fatos (utilizando palavras como "em tese", "indícios" e verbos no futuro do pretérito que dão ideia de ausência de certeza), não havendo que se falar em nulidade neste ponto. Precedentes. Preliminar rejeitada.
3. Como segunda preliminar, o recorrente Deilton sustenta nulidade decorrente de afronta ao princípio da identidade física do juiz, pois o magistrado que conduziu a instrução não foi o mesmo que proferiu a decisão de pronúncia. Porém, mais uma vez, o pleito não merece provimento, pois mesmo que o art. 399, §2º do CPP traga a previsão sustentada pelo recorrente, o princípio não é absoluto, permitindo mitigações, como por exemplo quando o magistrado que fez a instrução é promovido para outra Comarca. Precedentes.
4. In casu, transcorreu prazo de cerca de 10 (dez) anos entre a data dos fatos e a prolação da pronúncia. Neste intervalo, mais especificamente no ano de 2010, o juiz que conduziu a instrução foi promovido para exercer suas atividades na Comarca de Sobral.
5. Desta forma, não haveria como ele proferir o decisum pois, realizando-se um sopesamento entre o princípio da identidade física do juiz e o princípio do juiz natural, chega-se à conclusão de que não se pode determinar que um julgador que não detenha mais competência para o julgamento de um processo em razão de ter sido promovido para outra entrância/comarca julgue o aludido feito apenas porque, um dia, conduziu a instrução do mesmo.
6. Ressalte-se que o art. 132 do Código de Processo Civil de 1973, aplicável de forma subsidiária ao processo penal, trazia em seu bojo a disposição de que "o juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor." Com o advento do Novo CPC, mesmo que o dispositivo não esteja mais vigente, o STJ continua a entender que a hipótese de promoção mitiga o princípio da identidade física do juiz. Precedentes. Preliminar rejeitada.
7. Como terceira preliminar a ser discutida, a defesa de Ailton Gomes de Figueiredo e Adailton Gomes de Figueiredo sustenta que a pronúncia deve ser anulada em razão de ter se baseado em denúncia inepta, que não descrevia a conduta dos acusados.
8. Ab initio, importa salientar que a alegação de inépcia da denúncia encontra-se prejudicada, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, já que sobrevindo decisão de pronúncia tem-se por confirmada, pelo juízo de 1º grau, após o exercício do contraditório e da ampla defesa (durante a instrução criminal), a higidez da peça inicial. Precedentes.
9. Porém, ad argumentandum tantum, ressalte-se que o crime analisado no presente processo é de autoria coletiva (cometido, em tese, por, pelo menos, 04 indivíduos) e, por isso, nos termos do entendimento majoritário pátrio, não precisa haver a descrição pormenorizada das ações de cada agente, desde que haja uma clara narração do contexto fático que possibilite o exercício da ampla defesa pelos denunciados, o que se deu no caso em tela. Precedentes e doutrina. Preliminar rejeitada.
MÉRITO. PLEITO DE DESPRONÚNCIA. NÃO ACOLHIMENTO. MATERIALIDADE COMPROVADA E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA PRESENTES. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. REMESSA DA ANÁLISE DO CASO AO CONSELHO DE SENTENÇA.
10. Na primeira fase do procedimento dos crimes de competência do Tribunal do Júri, quando houver dúvida ou incerteza sobre qual tese optar, a da defesa ou da acusação, esta se resolve em favor da sociedade, pois nesta fase vigora o princípio in dubio pro societate.
11. A materialidade encontra-se comprovada pelo auto de exame de corpo de delito (cadavérico) da vítima Antônio Furtado de Figueiredo (fls. 211/212), pela declaração de óbito da vítima Antônio Furtado de Figueiredo Filho (fls. 85/86), por auto de exame de corpo de delito de fls. 1192, bem como pelos depoimentos constantes nos autos.
12. No que tange à autoria, extrai-se que existem indícios suficientes em desfavor dos réus, produzidos tanto durante o inquérito quanto em juízo, a exemplo dos depoimentos das vítimas sobreviventes e de uma das testemunhas, bem como dos resultados dos exames químico qualitativos - parafina (fls. 96/99), além dos autos de reconhecimento de pessoas, fls. 47 e 49.
13. De certo, há versão em sentido contrário, como as alegações dos próprios réus no sentido de que não mataram as vítimas, ou de testemunhas que afirmam que viram os acusados em outra cidade na noite dos fatos. Contudo, não cabe ao magistrado singular ou a este órgão ad quem valorar as provas colhidas pois, existindo dúvida, medida que se impõe é a apreciação do caso pelo Tribunal do Júri, juízo competente para processar e julgar o feito, já que neste momento vigora o princípio in dubio pro societate. Precedentes.
14. Na fase de pronúncia, julga-se apenas a admissibilidade da acusação, sem qualquer avaliação de mérito, sendo desnecessário o juízo de certeza imprescindível à condenação. Exige-se apenas a comprovação da materialidade e a presença de indícios suficientes de autoria, o que se tem no presente caso, sendo inviável despronunciar os acusados.
15. Mencione-se que as teses defensivas de que o reconhecimento de pessoas realizado em desfavor dos recorrentes deve ser nulo porque, em momento anterior, as vítimas teriam reconhecido outras pessoas como autores do delito, bem como porque o procedimento não teria obedecido as determinações do art. 226 do Código de Processo Penal, não se prestam para afastar, neste momento, a pronúncia dos acusados, primeiro porque a vítima Ana Soégila Soares, fls. 193/196, explicou as razões que teriam levado-a a reconhecer anteriormente outras pessoas como autoras do crime, confirmando ao final do seu último depoimento, o reconhecimento feito em desfavor dos recorrentes, demonstrando assim a persistência de indícios de autoria.
16. Segundo porque a jurisprudência pátria firmou entendimento no sentido de que o procedimento contido no art. 226 do Código de Processo Penal é configurado como uma recomendação e não como exigência. Desta forma, eventual reconhecimento realizado sem as formalidades insculpidas no dito dispositivo não tem o condão de ensejar a nulidade da prova documental. Precedentes.
RECURSOS CONHECIDOS, PARA REJEITAR AS PRELIMINARES ARGUIDAS E, NO MÉRITO, NEGAR-LHES PROVIMENTO.
ACORDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso em sentido estrito nº 0001060-34.2005.8.06.0052, ACORDAM os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade e em consonância com o parecer ministerial, em conhecer dos recursos, para rejeitar as preliminares arguidas e, no mérito, negar-lhes provimento, tudo em conformidade com o voto do Relator.
Fortaleza, 29 de agosto de 2017
DESEMBARGADOR MÁRIO PARENTE TEÓFILO NETO
Relator
Data do Julgamento
:
31/08/2017
Data da Publicação
:
31/08/2017
Classe/Assunto
:
Recurso em Sentido Estrito / Homicídio Qualificado
Órgão Julgador
:
1ª Câmara Criminal
Relator(a)
:
MARIO PARENTE TEÓFILO NETO
Comarca
:
Brejo Santo
Comarca
:
Brejo Santo
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