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Jurisprudência


TJCE 0003602-16.2014.8.06.0050

Ementa
PENAL E PROCESSO PENAL. CRIME DE ROUBO MAJORADO E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. PRELIMINAR DE NULIDADE DECORRENTE DE INVESTIGAÇÃO EFETIVADA POR AUTORIDADE POLICIAL DE OUTRA CIRCUNSCRIÇÃO. REJEIÇÃO. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA DENÚNCIA, SOB A ALEGAÇÃO DE FALTA DE DESCRIÇÃO DA CONDUTA DE FORMA INDIVIDUALIZADA. NÃO OCORRÊNCIA. PEÇA ACUSATÓRIA DE ACORDO COM OS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA PELA NÃO JUNTADA DA CARTA PRECATÓRIA REMETIDA PARA OITIVA DAS TESTEMUNHAS ARROLADAS PELA DEFESA. REJEITADA. OBSERVÂNCIA DO ART. 266 DO CPP. PLEITO MERITÓRIO DE ABSOLVIÇÃO, POR ALEGADA INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE COMPROVADAS. PALAVRA DA VÍTIMA CORROBORADA PELOS DEPOIMENTOS DE TESTEMUNHAS POLICIAIS, BEM COMO PELAS IMAGENS DA CÂMERA DO CIRCUITO INTERNO DO ESTABELECIMENTO. DOSIMETRIA. REDUÇÃO PROPORCIONAL. 1. Condenado à pena de 07 (sete) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, bem como ao pagamento de 80 (oitenta) dias multa pelo crime previsto no art. 157, § 2.º, incisos I e II, do CPB, e à pena de 02 (dois) anos de reclusão e pagamento de 20 (vinte) dias-multa por afronta ao art. 14 da Lei n.º 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento), a defesa do réu interpôs apelação, sustentando, preliminarmente, o reconhecimento de nulidade do processo, ante a alegação de "incompetência" da autoridade policial, haja vista que os fatos ocorreram em circunscrição diversa do local em que foi instaurado o inquérito. Asseverou ainda que padece de nulidade o fato de não ter havido suficiente individualização da conduta dos acusados na denúncia, de modo a estabelecer a relação de causalidade com o resultado apontado. Por fim, considerou que o feito prosseguiu sem a devolução da carta precatória expedida para oitiva das testemunhas de defesa, o que configura inadmissível cerceamento de defesa. No mérito, pede para que seja absolvido do crime imputado, por ausência de provas quanto a autoria do delito, especialmente porque não foi reconhecido pela vítima, nem foi identificado por traços marcantes, como as tatuagens. Requer, além disso, caso assim não se entenda, que a pena privativa de liberdade seja reduzida substancialmente. 2. Em relação à preliminar concernente ao pleito de nulidade do processo, em virtude da "incompetência" da autoridade policial, haja vista que os fatos ocorreram em circunscrição diversa do local em que foi instaurado o inquérito, entende-se que razão não assiste à defesa. 3. Uma análise superficial dos arts. art. 4º e 22, do Código de Processo Penal, pode acarretar o entendimento de que a autuação da Polícia Judiciária estaria tão somente adstrita ao território de suas respectivas circunscrições. A dúvida surge devido à expressão "circunscrição", que nada mais é que a área territorial de autuação do Delegado de Polícia, definida pelas instituições policiais e que visa à conveniência do trabalho policial. 4. Ocorre que essa divisão é meramente por questões administrativas para melhor divisão geográfica, o que torna mais eficaz o gerenciamento dos órgãos policiais. Assim, ainda que contenha, de forma equivocada, o termo competência, não há se falar desta em relação ao Delegado de Polícia, mas sim em atribuição. 5. A bem da verdade, inexiste Delegado de Polícia "incompetente" para apurar evento criminoso que, de uma forma ou de outra, chegue ao seu conhecimento, principalmente quando há repercussão na sua área de atribuição, porquanto, não há delegado natural. 6. Não podemos olvidar que a Constituição Federal estabeleceu em seu art. 5º, inciso LIII, que "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente", mas nada tem a ver com o Delegado de Polícia, já que não tem a incumbência, no seu mister, de processar ou sentenciar alguém, até mesmo porque inquérito policial não é processo, portanto, para aquele não valem as regras de competência jurisdicional. Precedente do STJ. 7. Assim, considerando que a autoridade policial de Itapipoca/CE apenas acompanhou o restante da operação levada a efeito pela polícia militar em Aracatiara/CE, por ter recebido informações acerca da prática do roubo, cumprindo-se regular atividade intrínseca a preservação da ordem pública e prendendo-se em flagrante delito o apelante, sendo o caso imediatamente depois repassado à unidade de polícia mais próxima, para a instauração das investigações que se fizessem necessárias, não há que se falar em usurpação de sua área de "circunscrição", mas, apenas, no exercício de repressão à criminalidade, não se podendo esquecer, conforme entendimento jurisprudencial pacífico, que "as atribuições no âmbito da polícia judiciária não se submetem aos mesmos rigores previstos para a divisão de competência, haja vista que a autoridade policial pode empreender diligências em circunscrição diversa, independentemente da expedição de precatória e requisição". Preliminar rejeitada. 8. Em seguida, o apelante busca o reconhecimento de inépcia da inicial, sob argumento de inexistir justa causa para a ação penal contra si, diante da ausência de menção de forma individualizada de sua conduta no evento delituoso. 9. É cediço que a denúncia deve ser concisa, limitando-se a atestar os fatos imputados ao agente, ou seja, indicando qual a ocorrência pela qual está sendo processado, para que então o denunciado possa se defender. Neste contexto, tem-se que o Ministério Público, ao apresentar a denúncia (fls. 02 à 04), descreveu o fato delituoso e as suas circunstâncias, a qualificação dos acusados, a classificação dos crimes e, havendo concurso de agentes, individualizou, na medida do possível, a conduta atribuída a cada um deles. 10. Desta feita, os argumentos que defendem a nulidade de feito por defeito na exordial acusatória não merecem acolhida por este Tribunal, visto que a denúncia contém todos os requisitos enumerados no artigo 41 do Código de Processo Penal, narrando os fatos configuradores dos crimes, qualificando os acusados, possibilitando a defesa. Além do mais, a jurisprudência é firme no sentido de que, nos crimes coletivos, em que a autoria nem sempre se mostra claramente individualizada, não se exige a descrição pormenorizada da conduta de cada agente, sendo apenas necessário que a acusação estabeleça vínculo entre o denunciado e a empreitada criminosa a ele atribuída. Precedentes. Preliminar rejeitada. 11. Prosseguindo, a defesa ainda considerou nulo o feito porque prosseguiu sem a devolução da carta precatória expedida para oitiva das testemunhas de defesa, o que configuraria, ao seu ver, inadmissível cerceamento de defesa. 12. Como é sabido, o art. 222 do CPP é claro ao dispor que a expedição de carta precatória não suspende a instrução criminal; e, findo o prazo para cumprimento da precatória, pode-se desde já realizar o julgamento, podendo a todo tempo, ser juntada a deprecada quando devolvida. 13. Na sentença, vê-se que o próprio juiz pautou-se na referida fundamentação (fls. 297), levando-se em conta que foi preciso ajustar o prazo de cumprimento da desprecata para oitiva das testemunhas de defesa (em 90 dias), a fim de que ele passasse a correr em 30 dias, conforme determinou o despacho revogatório de fls. 166. 14. Os recibos do ato remetido eletronicamente pelo malote digital, presente às fls. 168, 169 e 171, comprovam que os documentos foram enviados em meados do mês de maio de 2014, restando fixado claramente no topo da página o novo prazo de 30 dias para o cumprimento do ato (fls. 167 e 170), tempo este que se escoou em 20.06.2014, data muito anterior ao julgamento do fato em apuração. 15. Logo, o caso concreto aponta situação em que nada obstaria que o juiz de origem finalizasse a instrução, como assim o fez na audiência realizada dia 22.05.2014 (fls. 177 à 186), enquanto pendente de cumprimento carta precatória de oitiva de testemunha, conforme o Código de Processo Penal permite, devendo observar, ademais, que o julgamento da ação penal pode ser realizado quando findo o prazo estipulado para devolução da precatória cumprida, o que ocorreu no caso vertente. Precedente do STJ. Preliminar rejeitada. 16. Adentrando à análise do édito condenatório, nota-se que impossibilita, na espécie, acolher a tese de defesa relativa à fragilidade de provas, principalmente por restarem firmes e harmônicos os depoimentos colhidos ao longo do feito, tendo o magistrado explicado, de forma satisfatória, por quais razões chegou à conclusão de que a medida mais justa seria a condenação do réu pelos crimes de roubo majorado e porte ilegal de arma de fogo de uso permitido. 17. Consta nos autos que a autoria e a materialidade restaram comprovadas a partir do Auto de Apresentação e Apreensão (fl. 21 e 41), do Termo de Restituição (fl. 44), pelas fotografias acostadas às fls. 74 à 77 e 221 à 223, bem como pelos depoimentos constantes nos autos. É nesse contexto que corroboram também as imagens da câmera do circuito interno de segurança da casa lotérica (anexado em mídia digital), gravadas na data e hora dos acontecimentos, tendo sido registrado sob diversos ângulos a atuação dos quatro indivíduos que seriam os autores do assalto. 18. Nessa senda, verifica-se que o interrogatório do apelante, tanto na fase do inquérito policial, quanto em juízo, trata-se de ato isolado, sem qualquer respaldo probatório, razão pela qual não merece ser valorado na forma alegada, uma vez que contrariado por todas as demais provas colacionadas, as quais estão em perfeita harmonia entre si. 19. Aliás, a circunstância da vítima não ter sido capaz de visualizar o rosto dos autores da subtração, pois estava de costas e alguns utilizaram capacete durante toda a empreitada criminosa, por si só, não afasta a culpabilidade do apelante, porque a mesma conseguiu identificar as características físicas de um dos suspeitos, como a estatura e detalhes sobre suas vestimentas, bem como as cores dos veículos utilizados para a fuga. 20. Ressalte-se que o réu foi surpreendido na garupa de um veículo, com as mesmas características da motocicleta usada no assalto, notadamente as ligadas à cor, a qual também se encontrava com registro de roubo. 21. Mencione-se ainda que a conduta de portar arma de fogo sem autorização legal se deu de forma autônoma ao crime de roubo, pois como se viu, somente durante uma operação de saturação policial e sem se saber que os acusados estariam envolvidos no crime de assalto em Bela Cruz, é que lograram êxito em apreender uma arma com os acusados, pelo que não há como se reconhecer o desdobramento causal, o nexo de dependência entre as condutas ou a subordinação. 22. Assim, verifica-se que a materialidade e a autoria delitivas encontram-se suficientemente demonstradas pelas contradições infirmadas pelo réu, pelas imagens da câmera do circuito interno de segurança da casa lotérica e pelos depoimentos das testemunhas, aliados aos demais elementos dos autos. 23. Dessa forma, resta assente que o magistrado de primeiro grau fundou-se em provas hábeis e suficientes para embasar a condenação do acusado, ora apelante, não havendo, portanto, que se falar em reforma da sentença condenatória neste ponto. 24. Quanto à dosimetria da pena, observa-se que o sentenciante ao analisar as circunstâncias judiciais dispostas no art. 59 do C.P.B., entendeu como negativas aquelas referentes às vetoriais da culpabilidade e das circunstâncias do crime de roubo majorado, e afastou a referida basilar em 01 (um) ano e 06 (seis) meses do mínimo legal, que é de 04 (quatro anos). Ocorre que se faz necessário atribuir traço neutro à culpabilidade, pois a justificativa apresentada em 1ª instância foi pautada em elementos inerentes ao tipo penal. 25. À vista disso, remanescendo tom desfavorável apenas na análise das circunstâncias do crime de roubo, reduzo sua pena base para 04 (quatro anos) e 09 (nove) meses de reclusão, mantendo incólume a pena do crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, em 02 (dois) anos de reclusão, já que no mínimo legal. 26. Na segunda fase da dosimetria da pena do delito de roubo majorado, não foram reconhecidas circunstâncias atenuantes ou agravantes, o que se mantém, inclusive porque o apelante não confessou o delito. 27. Pelo fato do apelante ter confessado o crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, fora aplicada a atenuante contida no art. 65, incisos III, alínea 'd', do CPB. Entretanto, inviável se mostra a atenuação da pena aquém do mínimo legal, em obediência ao teor da Súmula 231, STJ, motivo pelo qual se mantém a referida pena em 02 (dois) anos de reclusão. 28. Na terceira fase, à míngua de outras circunstâncias legais, mantém-se o aumento de 1/3 (um terço) da pena em razão das majorantes previstas no art. 157, §2º, I e II, do Código Penal Brasileiro, o qual aplico na pena redimensionada, restando em 06 (seis) anos e 04 (quatro) meses de reclusão. 29. Reduz-se a pena de multa em proporcionalidade com a privativa de liberdade, para 15 (quinze) dias multa (para o crime de roubo majorado) e 10 (dez) dias multa (para o delito de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido), mantendo a razão de 1/30 do salário-mínimo vigente à época do fato. 30. Em razão do concurso material de crimes, tornam-se definitivas as sanções em 08 (oito) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, bem como ao pagamento de 25 (vinte) dias multa, sendo cada um no valor de um 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente ao tempo do fato. 31. Quanto ao regime de cumprimento da sanção, em razão do quantum de pena e por ser desfavorável ao agente à circunstância judicial das circunstâncias do crime de roubo, permanece o fixado pelo magistrado, em inicialmente fechado, em consonância com o disposto no art. 33, § 2.º, alínea 'a', do C.P.B. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO para diminuir a pena privativa de liberdade imposta ao apelante. ACORDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação criminal nº 0003602-16.2014.8.06.0050, ACORDAM os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, a unanimidade e em dissonância com o parecer ministerial, em conhecer do recurso interposto, para dar-lhe parcial provimento, a fim de diminuir a pena imposta ao apelante, nos termos do voto do relator. Fortaleza, 19 de dezembro de 2017 DESEMBARGADOR MÁRIO PARENTE TEÓFILO NETO Relator

Data do Julgamento : 19/12/2017
Data da Publicação : 19/12/2017
Classe/Assunto : Apelação / Roubo Majorado
Órgão Julgador : 1ª Câmara Criminal
Relator(a) : MARIO PARENTE TEÓFILO NETO
Comarca : Bela Cruz
Comarca : Bela Cruz
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