TJCE 0003703-17.2009.8.06.0151
PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. FURTO SIMPLES. PLEITO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. MAIOR REPROVABILIDADE DA CONDUTA DO RÉU DEMONSTRADA PELA CONTUMÁCIA DELITIVA.
1. Condenado à pena de 01 (um) ano e 06 (seis) meses de detenção, a ser cumprida em regime inicialmente semiaberto, bem como ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa, o réu interpôs o presente apelo requerendo, em síntese, o reconhecimento da atipicidade de sua conduta, em razão do princípio da insignificância, com a consequente absolvição. Subsidiariamente, requer a aplicação do disposto no art. 155, §2º do Código Penal, vez que os bens subtraídos são de pequeno valor.
2. O recorrente pleiteia a aplicação do princípio da insignificância, sob o fundamento de que a bicicleta subtraída era de pouco valor. Ocorre que a possível incidência do princípio não está adstrita ao prejuízo material, devendo ser analisada a periculosidade e o grau de reprovabilidade da ação, bem como a ofensividade da conduta, sob pena de se incentivar a prática de pequenos delitos.
3. Neste contexto, importante ressaltar que se extrai da certidão de fls. 25 que o apelante tinha contra ele, ao tempo da sentença, execução penal de número 2009.0026.1576-7, gerada em razão de fato delitivo decorrente de afronta ao art. 155, caput do Código Penal e art. 19 da Lei de Contravenções Penais, iniciada em momento anterior ao fato objeto do presente recurso, demonstrando assim sua contumácia delitiva. Ademais, a certidão aponta ainda a existência de três outras ações penais em andamento, todas elas por suposta incidência do art. 155 do Código Penal.
4. Diante disto, mostra-se inviável a aplicação do princípio da insignificância, pois o agente demonstrou ser contumaz na prática de delitos. Ademais, conforme se extrai do depoimento da vítima em juízo, a bicicleta furtada era o meio por ela utilizado para se locomover quando ia trabalhar, tendo tais circunstâncias o condão de demonstrar maior desvalor na ação do recorrente, a qual permanece tipicamente reprovável pelo ordenamento jurídico vigente. Precedentes.
DA ANÁLISE DA DOSIMETRIA DA PENA. NECESSIDADE DE REDIMENSIONAMENTO DA BASILAR. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO FURTO PRIVILEGIADO.
5. O julgador, ao dosar a pena do réu, entendeu desfavoráveis os vetores culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos e circunstâncias do crime, e afastou a basilar em 06 (seis) meses do mínimo legal, que é de 01 (um) ano.
6. Sobre a culpabilidade, o julgador entendeu que a mesma era elevada, vez que o réu subtraiu objetos da vítima de forma escondida, ilícita. Ocorre que tal não se mostra idôneo para justificar a elevação da pena-base, primeiro porque a ação de subtrair objetos ilicitamente é circunstância inerente ao próprio tipo do art. 155 do Diploma Repressivo, segundo porque atuar de forma escondida foi o modo encontrado pelo agente para não ser reconhecido e capturado, não tendo a ação extrapolado os limites do tipo penal. Assim, deve a valoração negativa ser retirada, sob pena de bis in idem.
7. Sobre os antecedentes, tem-se que a certidão de fls. 25 dá conta da existência de uma carta de guia em desfavor do réu (nº 2009.0026.1576-7), a qual foi protocolada em 18/09/2009, portanto, data anterior ao fato que ensejou o presente recurso. Desta forma, mantém-se o desvalor atribuído à aludida vetorial.
8. Sobre a conduta social e a personalidade, o juiz entendeu que as mesmas eram desfavoráveis em razão da ficha policial do réu, que demonstrava que era voltado ao cometimento de crimes. Ocorre que o entendimento atual da Corte Especial aponta para o fato de que o "comportamento voltado para o crime" não é fundamento idôneo para negativar as supracitadas circunstâncias judiciais, pois além de ter análise em locais próprios da dosimetria maus antecedentes e reincidência não configuram, por si sós, personalidade ou conduta social desfavoráveis. Precedentes.
9. Quanto aos motivos, o julgador afirmou que eram fúteis e revelavam a mentalidade criminosa do réu. Contudo, tem-se que tal justificativa mostra-se bastante abstrata, não sendo suficiente para elevar a reprimenda, já que destituída de nuances do caso concreto. Assim, não há como manter o traço negativo atribuído em 1ª instância, fazendo-se necessário tornar neutra a presente circunstância judicial.
10. Por fim, mantém-se o desvalor referente às circunstâncias do crime, pois o fato de o réu ter subtraído o instrumento de trabalho da vítima é fato concreto que demonstra maior reprovação na sua ação.
11. De modo que, remanescendo tom desfavorável sobre dois vetores do art. 59 do Código Penal, é de se reduzir a basilar para o patamar de 01 (ano) ano e 02 (dois) meses de detenção, obedecendo a mesma proporção aplicada em 1ª instância, a qual se torna definitiva, por inexistência de atenuantes, agravantes, causas de aumento ou de diminuição de pena.
12. Aqui, importante ressaltar que ainda que o preceito secundário do art. 155 do Código Penal comine pena de reclusão, o magistrado de piso aplicou sanção de detenção sem que estivessem presentes os requisitos do art. 155, §2º do CP (já que o julgador reconheceu que o réu era reincidente ao dosar sua pena, o que impede, in casu, a aplicação do furto privilegiado). Contudo, tal não poderá ser alterado por esta Corte, sob pena de reformatio in pejus, uma vez que só a defesa apresentou recurso apelatório.
13. Sobre a pena pecuniária, fica a mesma diminuída ao montante de 12 (doze) dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, observando a proporcionalidade com a pena privativa de liberdade.
14. Quanto ao regime de cumprimento de pena, o magistrado o fixou em inicialmente semiaberto, o que não merece alteração, pois o quantum de pena imposto e a manutenção do traço desfavorável sobre dois dos vetores do art. 59 do Código Penal, permitem a fixação do regime intermediário, conforme arts. 33, §§ 2º e 3º do Diploma Repressivo. Precedentes.
RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. DE OFÍCIO, REDIMENSIONADAS AS PENAS IMPOSTAS.
ACORDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação criminal nº 0003703-17.2009.8.06.0151, ACORDAM os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade e em consonância com o parecer ministerial, em conhecer do recurso e lhe dar improvimento. De ofício, ficam redimensionadas as penas impostas, nos termos do voto do Relator.
Fortaleza, 7 de novembro de 2017
DESEMBARGADOR MÁRIO PARENTE TEÓFILO NETO
Relator
Ementa
PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. FURTO SIMPLES. PLEITO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. MAIOR REPROVABILIDADE DA CONDUTA DO RÉU DEMONSTRADA PELA CONTUMÁCIA DELITIVA.
1. Condenado à pena de 01 (um) ano e 06 (seis) meses de detenção, a ser cumprida em regime inicialmente semiaberto, bem como ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa, o réu interpôs o presente apelo requerendo, em síntese, o reconhecimento da atipicidade de sua conduta, em razão do princípio da insignificância, com a consequente absolvição. Subsidiariamente, requer a aplicação do disposto no art. 155, §2º do Código Penal, vez que os bens subtraídos são de pequeno valor.
2. O recorrente pleiteia a aplicação do princípio da insignificância, sob o fundamento de que a bicicleta subtraída era de pouco valor. Ocorre que a possível incidência do princípio não está adstrita ao prejuízo material, devendo ser analisada a periculosidade e o grau de reprovabilidade da ação, bem como a ofensividade da conduta, sob pena de se incentivar a prática de pequenos delitos.
3. Neste contexto, importante ressaltar que se extrai da certidão de fls. 25 que o apelante tinha contra ele, ao tempo da sentença, execução penal de número 2009.0026.1576-7, gerada em razão de fato delitivo decorrente de afronta ao art. 155, caput do Código Penal e art. 19 da Lei de Contravenções Penais, iniciada em momento anterior ao fato objeto do presente recurso, demonstrando assim sua contumácia delitiva. Ademais, a certidão aponta ainda a existência de três outras ações penais em andamento, todas elas por suposta incidência do art. 155 do Código Penal.
4. Diante disto, mostra-se inviável a aplicação do princípio da insignificância, pois o agente demonstrou ser contumaz na prática de delitos. Ademais, conforme se extrai do depoimento da vítima em juízo, a bicicleta furtada era o meio por ela utilizado para se locomover quando ia trabalhar, tendo tais circunstâncias o condão de demonstrar maior desvalor na ação do recorrente, a qual permanece tipicamente reprovável pelo ordenamento jurídico vigente. Precedentes.
DA ANÁLISE DA DOSIMETRIA DA PENA. NECESSIDADE DE REDIMENSIONAMENTO DA BASILAR. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO FURTO PRIVILEGIADO.
5. O julgador, ao dosar a pena do réu, entendeu desfavoráveis os vetores culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos e circunstâncias do crime, e afastou a basilar em 06 (seis) meses do mínimo legal, que é de 01 (um) ano.
6. Sobre a culpabilidade, o julgador entendeu que a mesma era elevada, vez que o réu subtraiu objetos da vítima de forma escondida, ilícita. Ocorre que tal não se mostra idôneo para justificar a elevação da pena-base, primeiro porque a ação de subtrair objetos ilicitamente é circunstância inerente ao próprio tipo do art. 155 do Diploma Repressivo, segundo porque atuar de forma escondida foi o modo encontrado pelo agente para não ser reconhecido e capturado, não tendo a ação extrapolado os limites do tipo penal. Assim, deve a valoração negativa ser retirada, sob pena de bis in idem.
7. Sobre os antecedentes, tem-se que a certidão de fls. 25 dá conta da existência de uma carta de guia em desfavor do réu (nº 2009.0026.1576-7), a qual foi protocolada em 18/09/2009, portanto, data anterior ao fato que ensejou o presente recurso. Desta forma, mantém-se o desvalor atribuído à aludida vetorial.
8. Sobre a conduta social e a personalidade, o juiz entendeu que as mesmas eram desfavoráveis em razão da ficha policial do réu, que demonstrava que era voltado ao cometimento de crimes. Ocorre que o entendimento atual da Corte Especial aponta para o fato de que o "comportamento voltado para o crime" não é fundamento idôneo para negativar as supracitadas circunstâncias judiciais, pois além de ter análise em locais próprios da dosimetria maus antecedentes e reincidência não configuram, por si sós, personalidade ou conduta social desfavoráveis. Precedentes.
9. Quanto aos motivos, o julgador afirmou que eram fúteis e revelavam a mentalidade criminosa do réu. Contudo, tem-se que tal justificativa mostra-se bastante abstrata, não sendo suficiente para elevar a reprimenda, já que destituída de nuances do caso concreto. Assim, não há como manter o traço negativo atribuído em 1ª instância, fazendo-se necessário tornar neutra a presente circunstância judicial.
10. Por fim, mantém-se o desvalor referente às circunstâncias do crime, pois o fato de o réu ter subtraído o instrumento de trabalho da vítima é fato concreto que demonstra maior reprovação na sua ação.
11. De modo que, remanescendo tom desfavorável sobre dois vetores do art. 59 do Código Penal, é de se reduzir a basilar para o patamar de 01 (ano) ano e 02 (dois) meses de detenção, obedecendo a mesma proporção aplicada em 1ª instância, a qual se torna definitiva, por inexistência de atenuantes, agravantes, causas de aumento ou de diminuição de pena.
12. Aqui, importante ressaltar que ainda que o preceito secundário do art. 155 do Código Penal comine pena de reclusão, o magistrado de piso aplicou sanção de detenção sem que estivessem presentes os requisitos do art. 155, §2º do CP (já que o julgador reconheceu que o réu era reincidente ao dosar sua pena, o que impede, in casu, a aplicação do furto privilegiado). Contudo, tal não poderá ser alterado por esta Corte, sob pena de reformatio in pejus, uma vez que só a defesa apresentou recurso apelatório.
13. Sobre a pena pecuniária, fica a mesma diminuída ao montante de 12 (doze) dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, observando a proporcionalidade com a pena privativa de liberdade.
14. Quanto ao regime de cumprimento de pena, o magistrado o fixou em inicialmente semiaberto, o que não merece alteração, pois o quantum de pena imposto e a manutenção do traço desfavorável sobre dois dos vetores do art. 59 do Código Penal, permitem a fixação do regime intermediário, conforme arts. 33, §§ 2º e 3º do Diploma Repressivo. Precedentes.
RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. DE OFÍCIO, REDIMENSIONADAS AS PENAS IMPOSTAS.
ACORDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação criminal nº 0003703-17.2009.8.06.0151, ACORDAM os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade e em consonância com o parecer ministerial, em conhecer do recurso e lhe dar improvimento. De ofício, ficam redimensionadas as penas impostas, nos termos do voto do Relator.
Fortaleza, 7 de novembro de 2017
DESEMBARGADOR MÁRIO PARENTE TEÓFILO NETO
Relator
Data do Julgamento
:
07/11/2017
Data da Publicação
:
07/11/2017
Classe/Assunto
:
Apelação / Furto
Órgão Julgador
:
1ª Câmara Criminal
Relator(a)
:
MARIO PARENTE TEÓFILO NETO
Comarca
:
Quixadá
Comarca
:
Quixadá
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