TJCE 0004267-72.2012.8.06.0124
PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRONÚNCIA. TENTATIVA DE HOMICÍDIO, PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO E PORTE DE ARMA BRANCA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA REFERENTE À CONTRAVENÇÃO PENAL. QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA.
1. O recorrente foi pronunciado pela prática, em tese, de uma tentativa de homicídio, conexa com o delito de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido e com a contravenção penal de porte de arma branca art. 19 da Lei de Contravenções Penais, devendo a prescrição de cada uma das infrações ser analisada com base nas penas separadamente, nos termos do art. 119 do Código Penal.
2. Neste contexto, tem-se que o delito de porte de arma branca possui pena máxima de prisão simples de até 06 (seis) meses, podendo ser aumentada até metade se ocorrer a hipótese do §1º do art. 19 da LCP, totalizando 09 (nove) meses. Assim, conforme art. 109, VI do Código Penal, deve prescrever em 03 (três) anos.
3. Desta forma e com base no teor do art. 117 do Diploma Repressivo, tem-se o transcurso de mais de 03 (três) anos entre a data do recebimento da denúncia (04/06/2012 fls. 55/56) e a data da prolação da decisão de pronúncia, que se deu em 23/06/2016 (fls. 123/129), demonstrando que houve a prescrição da pretensão punitiva do Estado no que tange à discutida contravenção penal, devendo a punibilidade do acusado ser extinta neste ponto. Precedentes. Declarada extinta a punibilidade do réu quanto à infração do art. 19 da Lei de Contravenções Penais, fica prejudicado o recurso no que tange ao pedido de absolvição referente à aludida imputação.
PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÃO CORPORAL EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE ANIMUS NECANDI. NÃO ACOLHIMENTO. DÚVIDAS SOBRE A EXISTÊNCIA OU NÃO DE DOLO DE MATAR. PRINCÍPIO "IN DUBIO PRO SOCIETATE". REMESSA DO FEITO AO CONSELHO DE SENTENÇA, QUE TAMBÉM TEM COMPETÊNCIA PARA ANALISAR O CRIME CONEXO.
4. Na primeira fase do procedimento dos crimes de competência do Tribunal do Júri, quando houver dúvida ou incerteza sobre qual tese optar, a da defesa ou da acusação, esta se resolve em favor da sociedade, pois nesta fase vigora o princípio in dubio pro societate.
5. Existindo comprovação da materialidade e indícios suficientes de autoria, tem-se que, adentrando ao mérito do recurso, no que tange à tese de ausência de animus necandi, extrai-se que ainda que o réu afirme que tinha a intenção de apenas dar um susto em seu cunhado, existem relatos no sentido de que ele chegou na frente da porta da casa do ofendido e desferiu disparo de espingarda, em decorrência de uma desavença ocorrida anteriormente, disparo este que atingiu a irmã do réu (que também é esposa da vítima) a qual tinha, pelo que consta nos autos, empurrado o esposo, colocando-se a frente dele, para protegê-lo.
6. Assim, tem-se que o modus operandi delitivo traz indícios da presença de animus necandi, pois repita-se, os depoimentos dão conta de que o réu se aproximou da casa com uma espingarda e desferiu disparo possivelmente contra seu cunhado, só não tendo atingido-o por circunstâncias alheias à sua vontade, qual seja, sua irmã tê-lo empurrado e colocado-se na frente do trajeto da bala.
7. Relembre-se ainda o fato de que a porta, segundo os depoimentos, possuía brechas entre os pedaços de madeira que possibilitaram, inclusive, que as vítimas - que estavam dentro da casa - visualizassem o réu do lado de fora. Assim, tem-se que o fato de se afirmar que a porta estava fechada não afasta a possibilidade de o acusado ter visto as vítimas e efetuado disparo com o dolo de matar, ressaltando-se que se existia visão de dentro para fora da casa, é provável que a visualização inversa também fosse possível em razão das já citadas brechas, principalmente porque Luiza informou que ainda não havia colocado o pano na frente da porta, como fazia de costume, para "barrar o vento".
8. Ademais, ressalte-se que o fato de só ter sido dado um disparo pode ter decorrido da afirmação do próprio réu em inquérito de que a espingarda só tinha capacidade para um tiro, não havendo certeza, portanto, da inexistência do dolo de matar neste momento processual.
9. Assim, havendo indícios hábeis a sustentar a possibilidade de ocorrência do dolo de matar, medida que se impõe é a remessa do feito para julgamento pelo Conselho de Sentença, órgão competente para analisar as provas e concluir se o réu agiu ou não com animus necandi. Precedentes.
10. Por fim, quanto ao pedido de desclassificação do crime de porte ilegal de arma de fogo para o tipo contido no art. 12 da Lei 10.826/2003, tem-se que estando a pretensão punitiva do Estado ainda não fulminada pela prescrição, tal análise deve ser realizada pelo Tribunal do Júri, juiz natural dos crimes dolosos contra a vida e dos crimes conexos, pois conforme escol doutrina, não cabe ao magistrado fazer qualquer análise de mérito sobre a infração conexa, devendo esta seguir a mesma sorte da infração principal (qual seja, a tentativa de homicídio). Precedentes.
11. Pronunciado o réu e admitida a acusação referente ao crime doloso contra a vida, necessário se faz remeter a análise do feito, por inteiro, ao Conselho de Sentença, competente para julgar no presente caso não só a tentativa de homicídio, mas também o crime conexo a ela, pois o órgão estudará a dinâmica dos fatos e concluirá se houve porte ou posse irregular de arma de fogo e se os delitos foram ou não cometidos no mesmo contexto.
RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E IMPROVIDO. DE OFÍCIO, DECLARADA EXTINTA A PUNIBILIDADE DO RÉU QUANTO À CONTRAVENÇÃO PENAL DO ART. 19 DA LCP, PELA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL.
ACORDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso em sentido estrito nº 0004267-72.2012.8.06.0124, ACORDAM os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade e em parcial consonância com o parecer ministerial, em conhecer parcialmente do recurso e, na parte conhecida, negar-lhe provimento.
De ofício, fica declarada extinta a punibilidade do réu quanto à contravenção penal do art. 19 da LCP, em razão da prescrição da pretensão punitiva estatal, tudo em conformidade com o voto do Relator.
Fortaleza, 28 de setembro de 2017
DESEMBARGADOR MÁRIO PARENTE TEÓFILO NETO
Relator
Ementa
PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRONÚNCIA. TENTATIVA DE HOMICÍDIO, PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO E PORTE DE ARMA BRANCA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA REFERENTE À CONTRAVENÇÃO PENAL. QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA.
1. O recorrente foi pronunciado pela prática, em tese, de uma tentativa de homicídio, conexa com o delito de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido e com a contravenção penal de porte de arma branca art. 19 da Lei de Contravenções Penais, devendo a prescrição de cada uma das infrações ser analisada com base nas penas separadamente, nos termos do art. 119 do Código Penal.
2. Neste contexto, tem-se que o delito de porte de arma branca possui pena máxima de prisão simples de até 06 (seis) meses, podendo ser aumentada até metade se ocorrer a hipótese do §1º do art. 19 da LCP, totalizando 09 (nove) meses. Assim, conforme art. 109, VI do Código Penal, deve prescrever em 03 (três) anos.
3. Desta forma e com base no teor do art. 117 do Diploma Repressivo, tem-se o transcurso de mais de 03 (três) anos entre a data do recebimento da denúncia (04/06/2012 fls. 55/56) e a data da prolação da decisão de pronúncia, que se deu em 23/06/2016 (fls. 123/129), demonstrando que houve a prescrição da pretensão punitiva do Estado no que tange à discutida contravenção penal, devendo a punibilidade do acusado ser extinta neste ponto. Precedentes. Declarada extinta a punibilidade do réu quanto à infração do art. 19 da Lei de Contravenções Penais, fica prejudicado o recurso no que tange ao pedido de absolvição referente à aludida imputação.
PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÃO CORPORAL EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE ANIMUS NECANDI. NÃO ACOLHIMENTO. DÚVIDAS SOBRE A EXISTÊNCIA OU NÃO DE DOLO DE MATAR. PRINCÍPIO "IN DUBIO PRO SOCIETATE". REMESSA DO FEITO AO CONSELHO DE SENTENÇA, QUE TAMBÉM TEM COMPETÊNCIA PARA ANALISAR O CRIME CONEXO.
4. Na primeira fase do procedimento dos crimes de competência do Tribunal do Júri, quando houver dúvida ou incerteza sobre qual tese optar, a da defesa ou da acusação, esta se resolve em favor da sociedade, pois nesta fase vigora o princípio in dubio pro societate.
5. Existindo comprovação da materialidade e indícios suficientes de autoria, tem-se que, adentrando ao mérito do recurso, no que tange à tese de ausência de animus necandi, extrai-se que ainda que o réu afirme que tinha a intenção de apenas dar um susto em seu cunhado, existem relatos no sentido de que ele chegou na frente da porta da casa do ofendido e desferiu disparo de espingarda, em decorrência de uma desavença ocorrida anteriormente, disparo este que atingiu a irmã do réu (que também é esposa da vítima) a qual tinha, pelo que consta nos autos, empurrado o esposo, colocando-se a frente dele, para protegê-lo.
6. Assim, tem-se que o modus operandi delitivo traz indícios da presença de animus necandi, pois repita-se, os depoimentos dão conta de que o réu se aproximou da casa com uma espingarda e desferiu disparo possivelmente contra seu cunhado, só não tendo atingido-o por circunstâncias alheias à sua vontade, qual seja, sua irmã tê-lo empurrado e colocado-se na frente do trajeto da bala.
7. Relembre-se ainda o fato de que a porta, segundo os depoimentos, possuía brechas entre os pedaços de madeira que possibilitaram, inclusive, que as vítimas - que estavam dentro da casa - visualizassem o réu do lado de fora. Assim, tem-se que o fato de se afirmar que a porta estava fechada não afasta a possibilidade de o acusado ter visto as vítimas e efetuado disparo com o dolo de matar, ressaltando-se que se existia visão de dentro para fora da casa, é provável que a visualização inversa também fosse possível em razão das já citadas brechas, principalmente porque Luiza informou que ainda não havia colocado o pano na frente da porta, como fazia de costume, para "barrar o vento".
8. Ademais, ressalte-se que o fato de só ter sido dado um disparo pode ter decorrido da afirmação do próprio réu em inquérito de que a espingarda só tinha capacidade para um tiro, não havendo certeza, portanto, da inexistência do dolo de matar neste momento processual.
9. Assim, havendo indícios hábeis a sustentar a possibilidade de ocorrência do dolo de matar, medida que se impõe é a remessa do feito para julgamento pelo Conselho de Sentença, órgão competente para analisar as provas e concluir se o réu agiu ou não com animus necandi. Precedentes.
10. Por fim, quanto ao pedido de desclassificação do crime de porte ilegal de arma de fogo para o tipo contido no art. 12 da Lei 10.826/2003, tem-se que estando a pretensão punitiva do Estado ainda não fulminada pela prescrição, tal análise deve ser realizada pelo Tribunal do Júri, juiz natural dos crimes dolosos contra a vida e dos crimes conexos, pois conforme escol doutrina, não cabe ao magistrado fazer qualquer análise de mérito sobre a infração conexa, devendo esta seguir a mesma sorte da infração principal (qual seja, a tentativa de homicídio). Precedentes.
11. Pronunciado o réu e admitida a acusação referente ao crime doloso contra a vida, necessário se faz remeter a análise do feito, por inteiro, ao Conselho de Sentença, competente para julgar no presente caso não só a tentativa de homicídio, mas também o crime conexo a ela, pois o órgão estudará a dinâmica dos fatos e concluirá se houve porte ou posse irregular de arma de fogo e se os delitos foram ou não cometidos no mesmo contexto.
RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E IMPROVIDO. DE OFÍCIO, DECLARADA EXTINTA A PUNIBILIDADE DO RÉU QUANTO À CONTRAVENÇÃO PENAL DO ART. 19 DA LCP, PELA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL.
ACORDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso em sentido estrito nº 0004267-72.2012.8.06.0124, ACORDAM os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade e em parcial consonância com o parecer ministerial, em conhecer parcialmente do recurso e, na parte conhecida, negar-lhe provimento.
De ofício, fica declarada extinta a punibilidade do réu quanto à contravenção penal do art. 19 da LCP, em razão da prescrição da pretensão punitiva estatal, tudo em conformidade com o voto do Relator.
Fortaleza, 28 de setembro de 2017
DESEMBARGADOR MÁRIO PARENTE TEÓFILO NETO
Relator
Data do Julgamento
:
28/09/2017
Data da Publicação
:
28/09/2017
Classe/Assunto
:
Recurso em Sentido Estrito / Homicídio Qualificado
Órgão Julgador
:
1ª Câmara Criminal
Relator(a)
:
MARIO PARENTE TEÓFILO NETO
Comarca
:
Milagres
Comarca
:
Milagres
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