TJCE 0004546-53.2015.8.06.0124
APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 34 DA LEI DE DROGAS. RECEPTAÇÃO. ARTS. 12 E 14 DA LEI Nº 10.826/03. EMENDATIO LIBELLI- CERCEAMENTO DE DEFESA- NÃO OCORRÊNCIA. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS COMPROVADAS. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO- NÃO INCIDÊNCIA NO CASO. DOSIMETRIA- PENA BASE- FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. RECURSO CONHECIDO E PARCIAL PROVIDO.
1. O acusado requer: 1) a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, alegando ofensa ao princípio da correlação entre a acusação e a sentença; 2) a absolvição em relação ao crime do art. 34 da Lei de Drogas, com base no art. 386, III do CPP; 3) a absolvição do crime de receptação, com base no art. 386, VII do CPP; 4) o reconhecimento do princípio da consunção entre os crimes de porte e posse de arma de fogo; 5) o redimensionamento das penas privativas de liberdade e de multa fixadas.
2. No caso, a conduta do art. 34 da Lei nº 11.343/06 CP estava claramente descrita na denúncia, de modo que não se reconhece o julgamento extra petita. No sistema processual penal pátrio, o réu se defende da imputação fática e não da imputatio iuris. Nessa linha, o nosso Código de Processo Penal, em seu art. 383, permite que na sentença se considere da capitulação do delito dispositivo legal diverso do constante da denúncia, ainda que se tenha que aplicar pena mais grave, sem que a tal providência por parte do Juiz represente cerceamento de defesa ou acarrete qualquer nulidade.
3. A lei tipificou como crime, em tipos legais distintos, o tráfico e o armazenamento de maquinário destinado à fabricação de drogas, reconhecendo que são condutas autônomas e independentes. Apesar de o laudo pericial ter concluído que a substância apreendida na residência do réu não era cocaína (fls. 148), o auto de apresentação e apreensão de fls. 12 certifica que foi apreendida na casa do réu três peneiras, dez frascos de lidocaína solução, onze bisnagas de lidocaína, durex, esparadrapo, sacos vazios, rolos de sacos finos para embalagem e uma máquina de prensa. Tratando-se de utensílios e maquinário destinado à produção ou transformação de drogas, caracterizada a prática de delito autônomo pelo acusado.
4. A moto era produto de roubo e, uma vez encontrada na posse do acusado, cabe a ele a comprovação da origem lícita do bem, consoante entendimento pacífico do STJ. No caso, o acusado não disse o nome de quem lhe vendeu a moto, afirmando que o vendedor lhe entregaria os documentos depois. Contudo, o réu não apresentou nenhum documento da negociação do veículo, que foi restituído à proprietária, conforme do termo de restituição de fls. 55. Não se desincumbiu, portanto, do ônus de provar a origem lícita do bem.
5. O princípio da consunção deve ser aplicado quando um crime for etapa necessária do outro, existindo entre eles, portando, uma relação de interdependência. O crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido não foi etapa necessária para o de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, tendo em vista que o réu portava uma pistola quando foi abordado pelos policiais, e guardava um revólver em sua casa. Os crimes foram consumados em momentos distintos, tratando-se de desígnios autônomos, portar a arma consigo e manter uma outra em sua residência, razão pela qual não deve ser aplicado o princípio da consunção no caso.
6. Conquanto a análise das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CP esteja sob a discricionariedade do julgador, deve este fazê-la utilizando-se de fundamentação concreta e idônea. A personalidade voltada à prática criminosa não pode ser considerada como fundamento idôneo para a valoração negativa das circunstâncias judiciais, uma vez que genérica e abstrata. Referida circunstância judicial foi considerada desfavorável em razão dos procedimentos criminais pelos quais o acusado responde, embora sem registro de condenação transitada em julgado, ferindo o enunciado da Súmula nº 444 do STJ.
7. Em face do entendimento do Supremo Tribunal Federal, manifestado no julgamento do Agravo em Recurso Extraordinário nº 964.246/SP, no qual se reconheceu a repercussão geral do tema, deve o Juízo de primeiro grau, diante do teor do presente acórdão, verificar a possibilidade de imediato cumprimento da pena por parte do recorrente. Caso já tenha se iniciado o cumprimento da pena, comunique-se ao juízo da execução penal, nos termos da Resolução nº 237/2016 do Conselho Nacional de Justiça.
8. Recurso conhecido e parcial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0004546-53.2015.8.06.0124, em que é apelante Claudigleison Ribeiro Pereira e apelado Ministério Público do Estado do Ceará.
ACORDAM Desembargadores integrantes da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, em conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Relator.
Fortaleza, 08 de maio de 2018
DESEMBARGADOR RAIMUNDO NONATO SILVA SANTOS
Relator
Ementa
APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 34 DA LEI DE DROGAS. RECEPTAÇÃO. ARTS. 12 E 14 DA LEI Nº 10.826/03. EMENDATIO LIBELLI- CERCEAMENTO DE DEFESA- NÃO OCORRÊNCIA. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS COMPROVADAS. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO- NÃO INCIDÊNCIA NO CASO. DOSIMETRIA- PENA BASE- FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. RECURSO CONHECIDO E PARCIAL PROVIDO.
1. O acusado requer: 1) a nulidade da sentença por cerceamento de defesa, alegando ofensa ao princípio da correlação entre a acusação e a sentença; 2) a absolvição em relação ao crime do art. 34 da Lei de Drogas, com base no art. 386, III do CPP; 3) a absolvição do crime de receptação, com base no art. 386, VII do CPP; 4) o reconhecimento do princípio da consunção entre os crimes de porte e posse de arma de fogo; 5) o redimensionamento das penas privativas de liberdade e de multa fixadas.
2. No caso, a conduta do art. 34 da Lei nº 11.343/06 CP estava claramente descrita na denúncia, de modo que não se reconhece o julgamento extra petita. No sistema processual penal pátrio, o réu se defende da imputação fática e não da imputatio iuris. Nessa linha, o nosso Código de Processo Penal, em seu art. 383, permite que na sentença se considere da capitulação do delito dispositivo legal diverso do constante da denúncia, ainda que se tenha que aplicar pena mais grave, sem que a tal providência por parte do Juiz represente cerceamento de defesa ou acarrete qualquer nulidade.
3. A lei tipificou como crime, em tipos legais distintos, o tráfico e o armazenamento de maquinário destinado à fabricação de drogas, reconhecendo que são condutas autônomas e independentes. Apesar de o laudo pericial ter concluído que a substância apreendida na residência do réu não era cocaína (fls. 148), o auto de apresentação e apreensão de fls. 12 certifica que foi apreendida na casa do réu três peneiras, dez frascos de lidocaína solução, onze bisnagas de lidocaína, durex, esparadrapo, sacos vazios, rolos de sacos finos para embalagem e uma máquina de prensa. Tratando-se de utensílios e maquinário destinado à produção ou transformação de drogas, caracterizada a prática de delito autônomo pelo acusado.
4. A moto era produto de roubo e, uma vez encontrada na posse do acusado, cabe a ele a comprovação da origem lícita do bem, consoante entendimento pacífico do STJ. No caso, o acusado não disse o nome de quem lhe vendeu a moto, afirmando que o vendedor lhe entregaria os documentos depois. Contudo, o réu não apresentou nenhum documento da negociação do veículo, que foi restituído à proprietária, conforme do termo de restituição de fls. 55. Não se desincumbiu, portanto, do ônus de provar a origem lícita do bem.
5. O princípio da consunção deve ser aplicado quando um crime for etapa necessária do outro, existindo entre eles, portando, uma relação de interdependência. O crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido não foi etapa necessária para o de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, tendo em vista que o réu portava uma pistola quando foi abordado pelos policiais, e guardava um revólver em sua casa. Os crimes foram consumados em momentos distintos, tratando-se de desígnios autônomos, portar a arma consigo e manter uma outra em sua residência, razão pela qual não deve ser aplicado o princípio da consunção no caso.
6. Conquanto a análise das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CP esteja sob a discricionariedade do julgador, deve este fazê-la utilizando-se de fundamentação concreta e idônea. A personalidade voltada à prática criminosa não pode ser considerada como fundamento idôneo para a valoração negativa das circunstâncias judiciais, uma vez que genérica e abstrata. Referida circunstância judicial foi considerada desfavorável em razão dos procedimentos criminais pelos quais o acusado responde, embora sem registro de condenação transitada em julgado, ferindo o enunciado da Súmula nº 444 do STJ.
7. Em face do entendimento do Supremo Tribunal Federal, manifestado no julgamento do Agravo em Recurso Extraordinário nº 964.246/SP, no qual se reconheceu a repercussão geral do tema, deve o Juízo de primeiro grau, diante do teor do presente acórdão, verificar a possibilidade de imediato cumprimento da pena por parte do recorrente. Caso já tenha se iniciado o cumprimento da pena, comunique-se ao juízo da execução penal, nos termos da Resolução nº 237/2016 do Conselho Nacional de Justiça.
8. Recurso conhecido e parcial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0004546-53.2015.8.06.0124, em que é apelante Claudigleison Ribeiro Pereira e apelado Ministério Público do Estado do Ceará.
ACORDAM Desembargadores integrantes da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, em conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Relator.
Fortaleza, 08 de maio de 2018
DESEMBARGADOR RAIMUNDO NONATO SILVA SANTOS
Relator
Data do Julgamento
:
08/05/2018
Data da Publicação
:
08/05/2018
Classe/Assunto
:
Apelação / Tráfico de Drogas e Condutas Afins
Órgão Julgador
:
3ª Câmara Criminal
Relator(a)
:
RAIMUNDO NONATO SILVA SANTOS
Comarca
:
Milagres
Comarca
:
Milagres
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