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Jurisprudência


TJCE 0004674-13.2012.8.06.0178

Ementa
PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 359-D, DO CÓDIGO PENAL (DUAS VEZES EM CONCURSO MATERIAL). ART. 89, DA LEI Nº 8.666/93 (QUARENTA E CINCO VEZES EM CONTINUAÇÃO). ART. 359-C, DO CÓDIGO PENAL. ART. 2º, INC. II, DA LEI 8.137/90. PRELIMINAR DE NULIDADES PROCESSUAIS. REJEIÇÃO. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS COMPROVADAS. FARTO MATERIAL PROBATÓRIO. PLEITO ABSOLUTÓRIO NEGADO. DOSIMETRIA REALIZADA NA FORMA LEGAL. ELEMENTOS CONCRETOS DO PROCESSO. CONTINUIDADE DELITIVA. TABELA JURISPRUDENCIAL. MANUTENÇÃO DA FRAÇÃO. REGIME INICIAL MANTIDO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA RECONHECIDA EM RELAÇÃO AO DELITO DO ART. 2º, INC. II, DA LEI N.º 8.137/90, E DO ART. 359-D, DO CP, REFERENTE AO EXERCÍCIO DO ANO DE 2001. PUNIBILIDADE EXTINTA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A acusada foi condenada à pena total de 19 (dezenove) anos e 01 (hum) mês de reclusão, em regime inicial fechado, e 950 (novecentos e cinquenta) dias-multa, pela prática dos crimes previstos no art. 359-D, do Código Penal (duas vezes em concurso material); no art. 89, da Lei nº 8.666/93 (quarenta e cinco vezes em continuação); no art. 359-C, do Código Penal, e art. 2º, inc. II, da lei 8.137/90, todos em concurso material na forma do art. 69 do Código Penal. 2. Preliminarmente, argui a zelosa defesa a nulidade do feito, aos argumentos: 1) pelo fato da sentença ter sido integrada por decisão que concedeu provimento a recurso supostamente intempestivo; 2) de cerceamento de defesa da ré pela reunião dos processos; 3) de ausência de correlação entre a denúncia e a sentença; e 4) de carência de fundamentação do decisum guerreado. 3. A priori, explicite-se que a teoria das nulidades no processo penal é fundamentada, essencialmente, pelo princípio do prejuízo, ou seja, segundo dispõe o art. 563 do Código de Processo Penal, "nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa". É o consagrado princípio geral do direito francês pás des nullité sans grief. 4. Quanto à alegada nulidade da Sentença integrada por decisão de embargos declaratórios ministeriais, face à suposta intempestividade recursal, destaque-se ser cediço que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento no sentido de que a fluência do prazo recursal para o Ministério Público, este claramente beneficiado com intimação pessoal, tem início com a remessa dos autos com vista ou com a entrada destes na instituição, e não com aposição de ciência pelo seu representante (AgRg no REsp 1.298.945/MA, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, DJe 15/2/2013). No entanto, muito embora a data da ciência não seja o ato adotado pela hodierna jurisprudência para certificar a efetiva intimação de membro ministerial, por outro lado, a falta de um documento apto a atestar a remessa, ou o recebimento dos autos na instituição, gera incerteza quanto ao momento exato em que o Ministério Público tomou conhecimento da decisão impugnada. Desta forma, instaurada a dúvida acerca do dies a quo, a data do recebimento do feito pelo Parquet local deve balizar o início da contagem do prazo de interposição do recurso de embargos de declaração, por ser a mais favorável àquele que interpõe o recurso. Precedentes do STJ. Preliminar rejeitada. 5. Em relação ao cerceamento de defesa ocasionado pela reunião das treze ações penais ajuizadas em face da recorrente, convém destacar que, por ocasião do agrupamento das ações, ocorrida por determinação do douto magistrado a quo durante audiência realizada nos autos do processo n.º 0003750-70.2010.8.06.0178, em data de 09/10/2013, reconheceu-se a continência e a conexão instrumental (probatória) dos feitos. Esclareça-se, ainda, que não houve qualquer insurgência acerca da questão, nem mesmo posteriormente, em sede de alegações finais, momento oportuno para se ventilar a matéria, encontrando-se, pois, convalidada a situação pelo instituto da preclusão temporal, nos termos do art. 571, inc. II, do Código de Processo Penal. Precedentes do STJ. Preliminar não acolhida. 6. No tocante à suposta violação ao princípio da correlação entre a denúncia e a sentença, no caso sub examine, as denúncias referentes aos processos n.ºs 3749-85.2010.8.06.0178, 3750-70.2010.8.06.0178, 4271-78.2011.8.06.0178 e 964-58.2007.8.06.0178, descreveram, detalhadamente, a atuação criminosa da recorrente. No entanto, por ocasião do julgamento, o douto magistrado sentenciante entendeu por conceituar as condutas delituosas atribuídas à apelante como apropriação fiscal (art. 2º, inc. II, da Lei 8.137/90), e ordenação de despesa não autorizada (art. 359-D, do Código Penal). Neste ínterim, em sendo as condutas descritas pelo julgador idênticas às narradas nas denúncias que ensejaram a nova capitulação, não pairam dúvidas de que se trata de emendatio libelli, e não mutatio libelli, como faz parecer a recorrente, inexistindo na sentença qualquer vício apto a ensejar sua nulidade. Art. 383, do Código de Processo Penal. Precedentes do STJ. Preliminar também rejeitada. 7. Finalmente, quanto à arguida carência de fundamentação do decisum que justifique a condenação da apelante, observa-se, de antemão, que a defesa incorreu em patente equívoco ao pretender discutir, em sede de preliminar, matéria apontada como argumento chave para o pleito absolutório formulado nas razões da apelação, a qual deverá ser analisada no exame do meritum causae. No mais, sem adentrar, neste momento, no cerne da questão, acerca da existência ou não de material probatório, todas as acusações, sem exceção, foram descritas, uma a uma, classificadas e analisadas, utilizando-se o Juízo de primeira instância da prova oral colhida, bem como da prova documental, principalmente os laudos técnicos do TCM, para chegar às suas conclusões. O fato de discordar a recorrente dos argumentos utilizados e das provas consideradas não autorizam o reconhecimento de ausência de fundamentação na sentença, uma vez que observado, em sua integralidade, o art. 93, inc. IX da Constituição Federal. 8. No mérito, vê-se que a autoria e a materialidade dos crimes restaram sobejamente comprovadas pela produção probante levada a efeito durante a instrução processual. Esta se encontra plenamente caracterizada através dos processos administrativo-fiscais oriundos dos Processos de Prestação de Contas de Gestão e de Tomada de Contas Especial, todos catalogados nas quase oito mil páginas que compõem a presente demanda. 9. Nos termos do art. 2º, inc. II, da Lei 8.137/1990, comete crime contra a ordem tributária todo aquele que "deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos". Tratando-se de crime formal contra a ordem tributária, não se submete aos ditames da Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual "não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo". Logo, é desnecessária a constituição definitiva do crédito tributário para o início da persecução penal, porquanto o crime se tipifica com a conduta omissiva. Ademais, é crime instantâneo, sendo suficiente para configurar o fato típico a simples constatação de não ter havido o repasse (pagamento) na época apropriada. 10. Prosseguindo, a análise da FARTA prova documental, consubstanciada em relatórios contábeis e ofícios ou decisões do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Ceará, demonstra à exaustão que a acusada, então Prefeita Municipal e, nessa condição, responsável pela gestão das contas públicas daquela localidade, determinou a assunção de obrigações acima da capacidade financeira e orçamentária do Município nos dois últimos quadrimestres de seu mandato, bem como ordenou despesa não autorizada por lei. Tais fatos implicam, inexoravelmente, em inobservância do disposto pelo art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal, e art. 62, da Lei Geral de Finanças Públicas, caracterizando, consequentemente, os delitos previstos no art. 359-C e art. 359-D, ambos do Código Penal. Após detalhada análise probatória, cuja autenticidade em nenhum momento foi objeto de questionamento por qualquer das partes e, principalmente, porque já submetida ao escrutínio técnico do Tribunal de Contas dos Municípios, é possível concluir, ao contrário do que sustenta a apelante, restarem comprovadas as condutas ilícitas. 11. Por fim, quanto à condenação referente ao art. 89, da Lei n.º 8.666/90, o Supremo Tribunal Federal, atualmente, entende que o precitado tipo penal exige, além do necessário dolo simples (vontade consciente e livre de contratar independentemente da realização de prévio procedimento licitatório), a intenção de produzir um prejuízo aos cofres públicos por meio do afastamento indevido da licitação, bem como a comprovação de efetivo prejuízo ao erário. Este posicionamento foi confirmado quando o pleno do STF julgou o Inq. 2482/MG, Rel. Min. Ayres Britto, Rel. p/ acórdão Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 15/09/2011, DJe 17/02/2012. Aliás, a linha sufragada pelo STF, corrobora com a posição doutrinária de Marçal Justen Filho. 12. Frise, primeiramente, que a configuração de cada delito tipificado no art. 89, da Lei n.º 8.666/93, foi antecedida de minucioso procedimento de averiguação, iniciado através de inúmeros Processos de Prestação de Contas e Tomada de Contas Especial, todos apontados e colacionados aos autos, onde restou concedida à ora recorrente a oportunidade de defesa, mediante justificativa por escrito. Em análise de cada processo, isoladamente, verifica-se que a ex-gestora, na tentativa de eximir-se de suas responsabilidades, alegou a existência dos procedimentos licitatórios correspondentes e a desnecessidade de sua realização, em sua grande maioria. Em alguns casos específicos, chegou a colacionar, ainda em sede administrativa, documentação apta à comprovação do alegado, sanando as falhas junto ao Tribunal de Contas dos Municípios. No entanto, com relação às situações trazidas nos presentes fólios, nada foi apresentado, notadamente sob a justificativa de que não teria acesso aos documentos junto à atual administração municipal. 13. No mais, destaque-se que a análise do caso concreto deve ser única, levando em consideração as particularidades de cada situação. Depara-se, aqui, com uma gestão, de 04 (quatro) anos, que mediante inúmeros processos de inspeção do TCM (procedimento normal e necessário à salvaguarda dos princípios da Administração Pública), teve suas contas julgadas como irregulares por, notadamente, "dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade", em diversos setores, nada menos do que 45 (QUARENTA E CINCO) vezes, mesmo encontrando-se o Município de Uruburetama em alarmante dificuldade financeira, situação admitida pela acusada e ratificada mediante decreto de Estado de Calamidade Pública assinado pelo Prefeito que a sucedeu nos primeiros dias de sua gestão. Conclui-se, na realidade, que, com tais condutas, a acusada deu início a um processo gradual e contínuo de 'fabricação de emergência' para se comprar de modo direto e irregular vários tipos de insumos e contratar diversos serviços sem realizar prévia licitação. O elemento doloso configura-se pela repetição deliberada e consciente da conduta prejudicial aos certames e, portanto, ilícita. 14. Relativamente ao quantum da reprimenda aplicada, cumpre pontuar que "a dosimetria da pena configura matéria restrita ao âmbito de certa discricionariedade do magistrado e é regulada pelos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, de modo que, não evidenciada nenhuma discrepância ou arbitrariedade na exasperação efetivada na primeira fase da dosimetria, deve ser mantida inalterada a pena-base aplicada". (AgRg no HC 343.128/MS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 19/05/2016, DJe 31/05/2016). 15. Em reanálise, conclui-se que o MM Juiz que proferiu a sentença empregou de forma correta as disposições contidas no art. 68, do Código Penal Brasileiro, chegando, assim, as penas aplicadas. Na muito bem fundamentada sentença, a valoração negativa dos referidos vetores ocorreu com a constatação de elementos concretos que, apontando situações fáticas que revestem os crimes praticados de uma repulsa social que extrapola aquela ínsita ao tipo penal, notadamente a audácia e destemor na execução dos delitos ao longo do tempo, bem como pelas graves consequências deles decorrentes. Ademais, é possível que "o magistrado fixe a pena-base no máximo legal, ainda que tenha valorado tão somente uma circunstância judicial, desde que haja fundamentação idônea e bastante para tanto" (AgRg no REsp 143071/AM, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, DJe 6/5/2015). 16. Sobre a continuidade delitiva, "(...) segundo reiterado entendimento desta Corte, à míngua de circunstâncias desfavoráveis, o aumento pela continuidade delitiva deve se pautar unicamente pelo número de infrações. Assim, aplica-se o aumento de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações; 1/4, para 4 infrações; 1/3, para 5 infrações; 1/2, para 6 infrações; e 2/3, para 7 ou mais infrações (...)". (STJ, HC nº 376882/SP, Rela. Mina. Maria Thereza de Assis Moura, Julgado em: 06/12/2016). Com tal entendimento, reputa-se correto o posicionamento do douto magistrado quando de sua aplicação. Veja-se que, pela observância da tabela jurisprudencial, a fração de 2/3 (dois terços) encontra-se escorreita, considerando que quarenta e cinco foram os delitos praticados. 17. Por oportuno, impõe-se o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva, decorridos que estão: a) mais de 04 (quatro) anos ENTRE O COMETIMENTO DO CRIME DO ART. 2º, INC. II, DA LEI N.º 8.137/90 (EXERCÍCIO DE 2003), E O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA (22/02/2011), marco interruptivo do prazo prescricional; b) mais de 08 (oito) anos ENTRE O COMETIMENTO DO CRIME DO ART. 359-D, DO CP (EXERCÍCIO DE 2001), E O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA (27/03/2012), marco interruptivo do prazo prescricional; consoante o art. 107, inc. IV, c/c artigo 109, incisos IV e V, c/c artigo 110, § 1º, e artigo 117, inc. I, todos do Código Penal. 18. Considerando a manutenção das penas aplicadas pelo douto magistrado a quo e, procedendo-se a redução ensejada pelo reconhecimento da prescrição, nos moldes acima delineados, deverá a acusada cumprir a pena total e definitiva de 14 (quatorze) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, cumulado com o pagamento de 600 (seiscentos) dias-multa. 19. Mantenho o regime de cumprimento da pena, fixado em inicialmente fechado, com fulcro no art. 33, § 2º, 'a', do Código Penal. 20. Recurso conhecido e parcialmente provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal nº 0004674-13.2012.8.06.0178, em que figuram como recorrente Maria das Graças Cordeiro de Paiva, sendo recorrido o Ministério Público do Estado do Ceará. ACORDAM os Desembargadores integrantes da 3ª Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade de votos, em CONHECER do recurso e DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO, no sentido de decretar a extinção da punibilidade da acusada, por reconhecer operada a prescrição, em relação aos delitos insculpidos no art. 2º, inciso II, da Lei n.º 8.137/1990 (Proc. n.º 0003750-70.2010.8.06.0178), e art. 359-D, do Código Penal (Proc. n.º 0004271-78.2011.8.06.0178), nos termos do voto do eminente Relator. Fortaleza, 29 de maio de 2018. Des. José Tarcílio Souza da Silva Presidente do Órgão Julgador, em exercício Dr. Antônio Pádua Silva Relator - Port. 1369/2016

Data do Julgamento : 29/05/2018
Data da Publicação : 29/05/2018
Classe/Assunto : Apelação / Apropriação indébita
Órgão Julgador : 3ª Câmara Criminal
Relator(a) : ANTÔNIO PÁDUA SILVA - PORT 1369/2016
Comarca : Uruburetama
Comarca : Uruburetama
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