TJCE 0008914-12.2016.8.06.0176
PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO QUALIFICADO E OCULTAÇÃO DE CADÁVER. PLEITO DE RECONHECIMENTO DA LEGÍTIMA DEFESA. INVIABILIDADE NESTE MOMENTO. DÚVIDA SOBRE A PRESENÇA DA EXCLUDENTE DE ILICITUDE QUE SE RESOLVE EM FAVOR DA SOCIEDADE.
1. Na primeira fase do procedimento dos crimes de competência do Tribunal do Júri, quando houver dúvida ou incerteza sobre qual tese optar, a da defesa ou da acusação, esta se resolve em favor da sociedade, pois nesta fase vigora o princípio in dubio pro societate.
2. Existindo comprovação da materialidade e indícios suficientes de autoria, tem-se que, adentrando ao mérito do recurso, no que tange à tese de legítima defesa, não se constata, neste momento, qualquer circunstância isenta de dúvida que exclua a antijuridicidade do delito, já que há elementos que apontam que foram desferidas oito facadas (registradas no exame cadavérico) as quais teriam sido efetuadas após suposto tapa dado no ofensor pela vítima.
3. Neste diapasão, tem-se que pairam dúvidas sobre o preenchimento de, pelo menos, um dos requisitos necessários para o reconhecimento da excludente de ilicitude neste momento, qual seja, a utilização moderada dos meios necessários para repelir a alegada injusta agressão (dada a desproporção, em tese, da forma de reação), o que corrobora a necessidade de encaminhar o caso para julgamento pelo Conselho de Sentença, órgão competente para analisar a dinâmica dos fatos e decidir se o ato foi ou não ilícito.
4. De certo, há versão em sentido contrário, como as alegações do próprio réu, no sentido de que deveria ser aplicada a excludente de ilicitude. Contudo, existindo dúvida, medida que se impõe é a apreciação do caso pelo Tribunal do Júri, juízo competente para processar e julgar o feito, já que neste momento vigora o princípio in dubio pro societate, impossibilitando a absolvição sumária do recorrente. Precedentes.
PLEITO DE ABSOLVIÇÃO DO CRIME CONEXO. NÃO ACOLHIMENTO, SOB PENA DE AFRONTA À COMPETÊNCIA DO CONSELHO DE SENTENÇA.
5. Ultrapassado este ponto, quanto ao pedido de absolvição do crime de ocultação de cadáver, tem-se que tal análise deve ser realizada pelo Tribunal do Júri, juiz natural dos crimes dolosos contra a vida e dos crimes conexos, pois conforme escol doutrina, não cabe ao magistrado fazer qualquer análise de mérito sobre a infração conexa, devendo esta seguir a mesma sorte da infração principal (qual seja, o homicídio). Precedentes.
6. Assim, pronunciado o réu e admitida a acusação referente ao crime doloso contra a vida, necessário se faz remeter a análise do feito, por inteiro, ao Conselho de Sentença, competente para julgar no presente caso não só o homicídio, mas também o crime conexo a ele, pois o órgão estudará as provas colhidas e decidirá se o réu teve ou não a intenção de ocultar o corpo da vítima.
PLEITO DE DECOTE DAS QUALIFICADORAS. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO APRESENTADA PELO JUIZ DE PISO. NECESSIDADE DE RECONHECER, DE OFÍCIO, NULIDADE NESTE PONTO.
7. No que tange ao pleito de retirada das qualificadoras, indo de encontro ao pedido defensivo, entende-se que se mostra necessário o reconhecimento, de ofício, de nulidade na sentença de piso neste ponto, já que a decisão de pronúncia constante às fls. 92/97 encontra-se desprovida de fundamentação no tocante à admissibilidade das qualificadoras, pois não demonstra, de forma concreta e ainda que sucintamente, a razão de ter o réu sido pronunciado pelo cometimento do delito de homicídio praticado por motivo torpe, com meio cruel e de modo a impossibilitar a defesa da vítima.
8. Em que pese a decisão ter apontado os elementos comprobatórios da materialidade do delito, bem como dos indícios de autoria, tem-se que no tocante às qualificadoras, a mesma não cuidou de apontar qualquer fundamentação concreta, limitando-se a afirmar que elas não eram manifestamente improcedentes e, por isso, deveriam ser apreciadas pelo Conselho de Sentença.
9. Ainda que a decisão de pronúncia não deva trazer conclusões acerca do mérito da demanda (pois tal análise cabe apenas ao Tribunal do Júri), tem-se que devem ser demonstrados, sucintamente e com base em dados fáticos, a materialidade do delito, os indícios de autoria, bem como em que consistiram as qualificadoras imputadas ao réu. Precedentes e doutrina.
10. Assim, uma vez que, no caso em comento, inexistiu fundamentação na imposição das qualificadoras ao acusado, medida que se impõe é a anulação, ex oficio, da decisão de pronúncia somente neste ponto, já que houve afronta ao dever de motivação judicial, trazido pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 93, IX, devendo ser proferido novo decisum apenas no tocante ao reconhecimento ou não das qualificadoras imputadas na denúncia. Precedentes.
RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. DE OFÍCIO, RECONHECIDA NULIDADE PARCIAL NA DECISÃO DE PRONÚNCIA, POR VÍCIO DE FUNDAMENTAÇÃO REFERENTE ÀS QUALIFICADORAS.
ACORDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso em sentido estrito nº 0008914-12.2016.8.06.0176, ACORDAM os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade, em conhecer do recurso e negar-lhe provimento. De ofício, fica reconhecida nulidade por ausência de fundamentação quanto ao acolhimento das qualificadoras, tudo em conformidade com o voto do Relator.
Fortaleza, 10 de abril de 2018
DESEMBARGADOR MÁRIO PARENTE TEÓFILO NETO
Relator
Ementa
PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO QUALIFICADO E OCULTAÇÃO DE CADÁVER. PLEITO DE RECONHECIMENTO DA LEGÍTIMA DEFESA. INVIABILIDADE NESTE MOMENTO. DÚVIDA SOBRE A PRESENÇA DA EXCLUDENTE DE ILICITUDE QUE SE RESOLVE EM FAVOR DA SOCIEDADE.
1. Na primeira fase do procedimento dos crimes de competência do Tribunal do Júri, quando houver dúvida ou incerteza sobre qual tese optar, a da defesa ou da acusação, esta se resolve em favor da sociedade, pois nesta fase vigora o princípio in dubio pro societate.
2. Existindo comprovação da materialidade e indícios suficientes de autoria, tem-se que, adentrando ao mérito do recurso, no que tange à tese de legítima defesa, não se constata, neste momento, qualquer circunstância isenta de dúvida que exclua a antijuridicidade do delito, já que há elementos que apontam que foram desferidas oito facadas (registradas no exame cadavérico) as quais teriam sido efetuadas após suposto tapa dado no ofensor pela vítima.
3. Neste diapasão, tem-se que pairam dúvidas sobre o preenchimento de, pelo menos, um dos requisitos necessários para o reconhecimento da excludente de ilicitude neste momento, qual seja, a utilização moderada dos meios necessários para repelir a alegada injusta agressão (dada a desproporção, em tese, da forma de reação), o que corrobora a necessidade de encaminhar o caso para julgamento pelo Conselho de Sentença, órgão competente para analisar a dinâmica dos fatos e decidir se o ato foi ou não ilícito.
4. De certo, há versão em sentido contrário, como as alegações do próprio réu, no sentido de que deveria ser aplicada a excludente de ilicitude. Contudo, existindo dúvida, medida que se impõe é a apreciação do caso pelo Tribunal do Júri, juízo competente para processar e julgar o feito, já que neste momento vigora o princípio in dubio pro societate, impossibilitando a absolvição sumária do recorrente. Precedentes.
PLEITO DE ABSOLVIÇÃO DO CRIME CONEXO. NÃO ACOLHIMENTO, SOB PENA DE AFRONTA À COMPETÊNCIA DO CONSELHO DE SENTENÇA.
5. Ultrapassado este ponto, quanto ao pedido de absolvição do crime de ocultação de cadáver, tem-se que tal análise deve ser realizada pelo Tribunal do Júri, juiz natural dos crimes dolosos contra a vida e dos crimes conexos, pois conforme escol doutrina, não cabe ao magistrado fazer qualquer análise de mérito sobre a infração conexa, devendo esta seguir a mesma sorte da infração principal (qual seja, o homicídio). Precedentes.
6. Assim, pronunciado o réu e admitida a acusação referente ao crime doloso contra a vida, necessário se faz remeter a análise do feito, por inteiro, ao Conselho de Sentença, competente para julgar no presente caso não só o homicídio, mas também o crime conexo a ele, pois o órgão estudará as provas colhidas e decidirá se o réu teve ou não a intenção de ocultar o corpo da vítima.
PLEITO DE DECOTE DAS QUALIFICADORAS. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO APRESENTADA PELO JUIZ DE PISO. NECESSIDADE DE RECONHECER, DE OFÍCIO, NULIDADE NESTE PONTO.
7. No que tange ao pleito de retirada das qualificadoras, indo de encontro ao pedido defensivo, entende-se que se mostra necessário o reconhecimento, de ofício, de nulidade na sentença de piso neste ponto, já que a decisão de pronúncia constante às fls. 92/97 encontra-se desprovida de fundamentação no tocante à admissibilidade das qualificadoras, pois não demonstra, de forma concreta e ainda que sucintamente, a razão de ter o réu sido pronunciado pelo cometimento do delito de homicídio praticado por motivo torpe, com meio cruel e de modo a impossibilitar a defesa da vítima.
8. Em que pese a decisão ter apontado os elementos comprobatórios da materialidade do delito, bem como dos indícios de autoria, tem-se que no tocante às qualificadoras, a mesma não cuidou de apontar qualquer fundamentação concreta, limitando-se a afirmar que elas não eram manifestamente improcedentes e, por isso, deveriam ser apreciadas pelo Conselho de Sentença.
9. Ainda que a decisão de pronúncia não deva trazer conclusões acerca do mérito da demanda (pois tal análise cabe apenas ao Tribunal do Júri), tem-se que devem ser demonstrados, sucintamente e com base em dados fáticos, a materialidade do delito, os indícios de autoria, bem como em que consistiram as qualificadoras imputadas ao réu. Precedentes e doutrina.
10. Assim, uma vez que, no caso em comento, inexistiu fundamentação na imposição das qualificadoras ao acusado, medida que se impõe é a anulação, ex oficio, da decisão de pronúncia somente neste ponto, já que houve afronta ao dever de motivação judicial, trazido pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 93, IX, devendo ser proferido novo decisum apenas no tocante ao reconhecimento ou não das qualificadoras imputadas na denúncia. Precedentes.
RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. DE OFÍCIO, RECONHECIDA NULIDADE PARCIAL NA DECISÃO DE PRONÚNCIA, POR VÍCIO DE FUNDAMENTAÇÃO REFERENTE ÀS QUALIFICADORAS.
ACORDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso em sentido estrito nº 0008914-12.2016.8.06.0176, ACORDAM os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade, em conhecer do recurso e negar-lhe provimento. De ofício, fica reconhecida nulidade por ausência de fundamentação quanto ao acolhimento das qualificadoras, tudo em conformidade com o voto do Relator.
Fortaleza, 10 de abril de 2018
DESEMBARGADOR MÁRIO PARENTE TEÓFILO NETO
Relator
Data do Julgamento
:
10/04/2018
Data da Publicação
:
10/04/2018
Classe/Assunto
:
Recurso em Sentido Estrito / Homicídio Qualificado
Órgão Julgador
:
1ª Câmara Criminal
Relator(a)
:
MARIO PARENTE TEÓFILO NETO
Comarca
:
Ubajara
Comarca
:
Ubajara
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