TJCE 0009500-75.2005.8.06.0001
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. EXTINÇÃO DO FEITO POR EQUIVOCADA INDICAÇÃO DO VALOR DA CAUSA E NÃO MENSURAÇÃO PRECISA DOS SUPOSTOS DANOS. ERROR IN JUDICANDO. MESMO À MÍNGUA DE IMPUGNAÇÃO DA PARTE ADVERSA, POR SER MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA, O MAGISTRADO PODE CORRIGIR O VALOR DA CAUSA EX OFFICIO. JULGADOS DO STJ. A QUANTIFICAÇÃO DOS DANOS PODE SER OBTIDA MEDIANTE A INSTRUÇÃO PROCESSUAL OU MESMO RELEGADA À LIQUIDAÇÃO DO JULGADO. ART. 475-A, CPC/1973. ART. 509, CPC/2015. SENTENÇA CASSADA. INEXISTÊNCIA DE CAUSA MADURA. RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM. ART. 1.013, § 3º, CPC/2015. NÃO INCIDÊNCIA DO ART. 938, § 1º, CPC/2015 PARA AS HIPÓTESES DE INEXISTÊNCIA DE INSTRUÇÃO DO FEITO. DOUTRINA. APELO CONHECIDO E PROVIDO.
1. Preliminarmente, face a um juízo antecedente de admissibilidade, é de se conhecer do recurso, pois presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos ao transpasse para o juízo de mérito, atendo-se às regras processuais vigentes quando da publicação do decisório recorrido, em atenção ao Enunciado Administrativo nº 02 do c. Superior Tribunal de Justiça: "Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça".
2. Nos moldes do art. 282, V, do CPC/1973, a petição inicial deverá indicar o valor da causa, o que foi feito na espécie. Não concordando, a parte adversa, sob pena de reclusão, deve opor a respectiva impugnação, nos moldes do art. 261 do CPC/1973.
3. Outrossim, muito embora os arts. 259 e 260 daquele diploma processual preceituem regras para correta estipulação do valor da causa, a indicação errônea desse item da peça exordial não acarreta a extinção do feito, podendo o juiz, inclusive, modificá-lo ex officio. Julgados do STJ: AgInt no AREsp 1.123.100/SP; AgInt no AREsp 686.311/SP; REsp 1.234.002/RJ e REsp 55.288/GO.
4. Assim, afigura-se descabida a extinção do feito por indicação equivocada do valor da causa.
5. Também não se sustentam os fundamentos da sentença no tocante à extinção do feito por impossibilidade de estimação dos valores dos danos material e moral.
6. Da simples leitura da peça inicial observa-se a afirmação dos autores de que os danos materiais consistiriam nos alugueis que deixaram de receber devido à desocupação de imóveis decorrente de obras do Metrofor, bem como na redução do valor da nova locação celebrada após o início de tais obras, além dos impostos e taxas suportados pelos demandantes, que antes eram encargos atribuídos aos locatários.
7. Quanto à ocorrência dos danos morais, isso decorreria de os promoventes terem sofrido gravíssimo constrangimento, com ofensa à sua honra e imagem, tendo de recorrer a empréstimos pessoais e à ajuda de parentes para cumprir suas obrigações, cabendo a mensuração de tais danos ao prudente arbítrio do juiz.
8. Portanto, estão perfeitamente delimitadas as causas de pedir dos danos materiais e morais, em atenção às quais devem os pedidos finais ser interpretados, consoante a jurisprudência pátria.
9. Respeitante à apuração de tais valores, isso é matéria para a instrução processual ou mesmo para futura liquidação de sentença (art. 475-A, CPC/1973; art. 509, CPC/2015), não constituindo requisito indispensável da exordial, afora que na réplica foi declarado o valor dos alugueres da época (R$ 950,00), bem como juntados documentos alusivos ao IPTU dos imóveis, sendo equivocada a extinção prematuramente a causa.
10. Verificado, pois, o desacerto da sentença combatida, que extinguiu o feito sem resolução de mérito, mister a devolução dos autos ao juízo de origem para proceder à devida instrução processual, a qual foi subtraída das partes.
11. O art. 1.013, § 3º, do CPC/2015 apenas possibilita a resolução da causa diretamente na segunda instância se o feito encontrar-se pronto para apreciação do seu mérito, o que não é o caso destes autos.
12. Malgrado as disposições do Enunciado 646 do Fórum de Processualistas Civis ("Constatada a necessidade de produção de prova em grau de recurso, o relator tem o dever de conversão do julgamento em diligência") e do teor do art. 938, § 1º, do CPC/2015, que permite baixar o feito em diligência para produzir prova, isso não equivale à possibilidade de realização de toda a instrução processual com vistas à formação do convencimento do julgador.
13. Do contrário, as partes teriam suprimido seu direito ao duplo grau de jurisdição com possibilidade de ampla cognição fático-probatória.
14. Consoante a doutrina de DANIEL AMORIM ASSUNÇÃO NEVES acerca do art. 938, §1º, do CPC/2015: "A ânsia por um processo mais célere não pode ser motivo do afastamento de princípios básicos e fundamentais do processo civil. Essa afirmação é importante porque a aplicação do dispositivo legal ora comentado não pode levar à prática de atos pelos tribunais que caberiam ao juízo de primeiro grau e que são de extrema relevância para a formação de seu convencimento e, consequentemente, servem como substrato da fundamentação de sua sentença. O saneamento dos vícios, sempre que verificados antes da prolação da sentença, só poderá ocorrer nos casos em que tal atividade não seja determinante para a formação do convencimento, limitando-se às questões secundárias, meramente formais. O eventual atropelo de atos que necessariamente devam ser praticados pelo juízo de primeiro grau significa uma ofensa ao princípio do duplo grau e até mesmo ao contraditório, que deve ser preservado segundo a própria disposição legal" (Manual de direito processual civil, Vol. Único, 8ª. ed., Salvador: Juspodivm, 2016, p. 1486/1488).
15. Apelação conhecida e provida para reformar a sentença de primeira instância e ordenar o retorno dos autos ao juízo de origem, com o fim de proceder à devida instrução processual, proferindo nova sentença.
ACÓRDÃO
Acordam os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, nos autos da Apelação Cível, Processo nº 0009500-75.2005.8.06.0001, por unanimidade, por uma de suas Turmas, em conhecer do recurso e dar-lhe provimento, tudo de conformidade com o voto do e. Relator.
Fortaleza, 06 de junho de 2018.
Ementa
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. EXTINÇÃO DO FEITO POR EQUIVOCADA INDICAÇÃO DO VALOR DA CAUSA E NÃO MENSURAÇÃO PRECISA DOS SUPOSTOS DANOS. ERROR IN JUDICANDO. MESMO À MÍNGUA DE IMPUGNAÇÃO DA PARTE ADVERSA, POR SER MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA, O MAGISTRADO PODE CORRIGIR O VALOR DA CAUSA EX OFFICIO. JULGADOS DO STJ. A QUANTIFICAÇÃO DOS DANOS PODE SER OBTIDA MEDIANTE A INSTRUÇÃO PROCESSUAL OU MESMO RELEGADA À LIQUIDAÇÃO DO JULGADO. ART. 475-A, CPC/1973. ART. 509, CPC/2015. SENTENÇA CASSADA. INEXISTÊNCIA DE CAUSA MADURA. RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM. ART. 1.013, § 3º, CPC/2015. NÃO INCIDÊNCIA DO ART. 938, § 1º, CPC/2015 PARA AS HIPÓTESES DE INEXISTÊNCIA DE INSTRUÇÃO DO FEITO. DOUTRINA. APELO CONHECIDO E PROVIDO.
1. Preliminarmente, face a um juízo antecedente de admissibilidade, é de se conhecer do recurso, pois presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos ao transpasse para o juízo de mérito, atendo-se às regras processuais vigentes quando da publicação do decisório recorrido, em atenção ao Enunciado Administrativo nº 02 do c. Superior Tribunal de Justiça: "Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça".
2. Nos moldes do art. 282, V, do CPC/1973, a petição inicial deverá indicar o valor da causa, o que foi feito na espécie. Não concordando, a parte adversa, sob pena de reclusão, deve opor a respectiva impugnação, nos moldes do art. 261 do CPC/1973.
3. Outrossim, muito embora os arts. 259 e 260 daquele diploma processual preceituem regras para correta estipulação do valor da causa, a indicação errônea desse item da peça exordial não acarreta a extinção do feito, podendo o juiz, inclusive, modificá-lo ex officio. Julgados do STJ: AgInt no AREsp 1.123.100/SP; AgInt no AREsp 686.311/SP; REsp 1.234.002/RJ e REsp 55.288/GO.
4. Assim, afigura-se descabida a extinção do feito por indicação equivocada do valor da causa.
5. Também não se sustentam os fundamentos da sentença no tocante à extinção do feito por impossibilidade de estimação dos valores dos danos material e moral.
6. Da simples leitura da peça inicial observa-se a afirmação dos autores de que os danos materiais consistiriam nos alugueis que deixaram de receber devido à desocupação de imóveis decorrente de obras do Metrofor, bem como na redução do valor da nova locação celebrada após o início de tais obras, além dos impostos e taxas suportados pelos demandantes, que antes eram encargos atribuídos aos locatários.
7. Quanto à ocorrência dos danos morais, isso decorreria de os promoventes terem sofrido gravíssimo constrangimento, com ofensa à sua honra e imagem, tendo de recorrer a empréstimos pessoais e à ajuda de parentes para cumprir suas obrigações, cabendo a mensuração de tais danos ao prudente arbítrio do juiz.
8. Portanto, estão perfeitamente delimitadas as causas de pedir dos danos materiais e morais, em atenção às quais devem os pedidos finais ser interpretados, consoante a jurisprudência pátria.
9. Respeitante à apuração de tais valores, isso é matéria para a instrução processual ou mesmo para futura liquidação de sentença (art. 475-A, CPC/1973; art. 509, CPC/2015), não constituindo requisito indispensável da exordial, afora que na réplica foi declarado o valor dos alugueres da época (R$ 950,00), bem como juntados documentos alusivos ao IPTU dos imóveis, sendo equivocada a extinção prematuramente a causa.
10. Verificado, pois, o desacerto da sentença combatida, que extinguiu o feito sem resolução de mérito, mister a devolução dos autos ao juízo de origem para proceder à devida instrução processual, a qual foi subtraída das partes.
11. O art. 1.013, § 3º, do CPC/2015 apenas possibilita a resolução da causa diretamente na segunda instância se o feito encontrar-se pronto para apreciação do seu mérito, o que não é o caso destes autos.
12. Malgrado as disposições do Enunciado 646 do Fórum de Processualistas Civis ("Constatada a necessidade de produção de prova em grau de recurso, o relator tem o dever de conversão do julgamento em diligência") e do teor do art. 938, § 1º, do CPC/2015, que permite baixar o feito em diligência para produzir prova, isso não equivale à possibilidade de realização de toda a instrução processual com vistas à formação do convencimento do julgador.
13. Do contrário, as partes teriam suprimido seu direito ao duplo grau de jurisdição com possibilidade de ampla cognição fático-probatória.
14. Consoante a doutrina de DANIEL AMORIM ASSUNÇÃO NEVES acerca do art. 938, §1º, do CPC/2015: "A ânsia por um processo mais célere não pode ser motivo do afastamento de princípios básicos e fundamentais do processo civil. Essa afirmação é importante porque a aplicação do dispositivo legal ora comentado não pode levar à prática de atos pelos tribunais que caberiam ao juízo de primeiro grau e que são de extrema relevância para a formação de seu convencimento e, consequentemente, servem como substrato da fundamentação de sua sentença. O saneamento dos vícios, sempre que verificados antes da prolação da sentença, só poderá ocorrer nos casos em que tal atividade não seja determinante para a formação do convencimento, limitando-se às questões secundárias, meramente formais. O eventual atropelo de atos que necessariamente devam ser praticados pelo juízo de primeiro grau significa uma ofensa ao princípio do duplo grau e até mesmo ao contraditório, que deve ser preservado segundo a própria disposição legal" (Manual de direito processual civil, Vol. Único, 8ª. ed., Salvador: Juspodivm, 2016, p. 1486/1488).
15. Apelação conhecida e provida para reformar a sentença de primeira instância e ordenar o retorno dos autos ao juízo de origem, com o fim de proceder à devida instrução processual, proferindo nova sentença.
ACÓRDÃO
Acordam os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, nos autos da Apelação Cível, Processo nº 0009500-75.2005.8.06.0001, por unanimidade, por uma de suas Turmas, em conhecer do recurso e dar-lhe provimento, tudo de conformidade com o voto do e. Relator.
Fortaleza, 06 de junho de 2018.
Data do Julgamento
:
06/06/2018
Data da Publicação
:
06/06/2018
Classe/Assunto
:
Apelação / Indenização por Dano Material
Órgão Julgador
:
1ª Câmara Direito Privado
Relator(a)
:
HERACLITO VIEIRA DE SOUSA NETO
Comarca
:
Fortaleza
Comarca
:
Fortaleza
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