TJCE 0010849-35.2015.8.06.0043
PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. NÃO ACOLHIMENTO. ESTADO DE NECESSIDADE NÃO CONFIGURADO. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS.
1. Condenado à pena de 01 (um) ano, 07 (sete) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e ao pagamento de 98 (noventa e oito) dias-multa, por infração ao art. 12 da Lei 10.826/2003, o réu interpôs o presente apelo pugnando, preliminarmente, pelos benefícios da justiça gratuita. No mérito, pede sua absolvição, pois afirma que agiu em estado de necessidade, já que estava recebendo ameaças de morte. Subsidiariamente, pede o redimensionamento da pena e a alteração do regime para o inicialmente aberto.
2. Sabe-se que, de acordo com o art. 24 do Código Penal, para a caracterização do estado de necessidade o agente não deve ter outro meio, senão lesar o interesse de outrem (ou da coletividade), para salvar bem próprio ou de terceiro, de perigo atual ao qual não deu causa.
3. Dito isto, ao se compulsar os atos, extrai-se que não há prova inconteste que demonstre a possível situação de perigo atual pela qual o apelante passava, pois ainda que o réu tenha informado, em seu interrogatório, que possuía a arma porque tinha sofrido ameaças por telefone (não sabendo se elas estariam sendo feitas por familiares da vítima de um homicídio por ele cometido em Juazeiro), tem-se que elas consubstanciam perigo futuro, não preenchendo, portanto, o requisito da temporal da atualidade. Precedentes.
4. Sabe-se que o Direito Penal Brasileiro acolhe a teoria da indiciariedade ou "ratio cognoscendi", segundo a qual o fato típico é presumivelmente ilícito. Assim, caberia a defesa demonstrar a ocorrência da excludente de ilicitude, ônus do qual não se desincumbiu, de acordo com o art. 156 do Código de Processo Penal. Precedentes e doutrina.
5. Relembre-se ainda que para que haja a configuração da mencionada excludente de ilicitude, exige-se que não haja outro modo de repelir o perigo, situação na qual não se enquadra o presente caso, vez que o recorrente poderia ter ido até a polícia, relatado a ocorrência das ameaças e pedido proteção. Porém, preferiu, segundo o que afirma, adquirir arma para a própria proteção, sem que pedisse autorização específica para tanto, praticando fato típico (que, saliente-se, se consuma com a mera conduta de possuir arma em desacordo com as determinações legais), sem que haja razão para o reconhecimento de causa excludente de ilicitude.
6. Desta feita, resta assente que o magistrado de piso fundou-se em provas hábeis e suficientes para justificar a condenação pelo crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido, não havendo reforma a se fazer neste ponto.
DA ANÁLISE DA DOSIMETRIA DA PENA. CORREÇÃO DE ERRO MATERIAL OCORRIDO NA SENTENÇA E NECESSIDADE DE ALTERAÇÃO DA SANÇÃO EM SEU ASPECTO QUANTITATIVO PARA QUE OBSERVE A PROPORCIONALIDADE. MANUTENÇÃO DO REGIME INICIAL SEMIABERTO.
7. Ab initio, convém ressaltar que o magistrado de piso aplicou ao réu, de forma equivocada, pena de reclusão, pois o tipo penal do art. 12 da Lei 10.826/2003 dispõe, em seu preceito secundário, que a natureza da pena a ser imposta a crimes como o presente é a de detenção. Assim, tendo em vista o citado erro material, necessário se faz sua correção por esta corte.
8. Ultrapassado este ponto, tem-se que o juiz, ao dosar a sanção, afastou a basilar em 06 (seis) meses do mínimo legal, que é de 01 (um) ano, em razão da análise negativa da culpabilidade, sob a fundamentação de que o réu guardou a arma de fogo e as munições dentro de um colchão no quarto de seus filhos, o que, de fato, demonstra maior reprovabilidade na ação, devendo ser mantido o desvalor.
9. Contudo, faz-se necessário alterar o quantum de aumento, já que realizando-se os cálculos da forma majoritariamente defendida pela jurisprudência e doutrina pátrias, cujo procedimento consiste em obter o intervalo de pena previsto em abstrato (máximo mínimo), devendo, em seguida, ser dividido o resultado por 8 (oito) - que é o número de circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal chega-se à conclusão de que se deve aumentar a reprimenda básica em 03 (três) meses para cada vetorial negativa, ficando a pena-base em 01 (um) ano e 03 (três) meses de detenção.
10. Na 2ª fase da dosimetria, o julgador reconheceu a atenuante de confissão e a agravante de reincidência, mas por entender a última como preponderante, agravou a sanção em 01 (um) mês e 15 (quinze) dias. Mantém-se o reconhecimento das aludidas circunstâncias, porém, em observância ao atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, deve-se realizar compensação entre as mesmas, por serem igualmente preponderantes, permanecendo a reprimenda em 01 (um) ano e 03 (três) meses de detenção. Precedentes.
11. Fica a pena definitiva redimensionada de 01 (um) ano, 07 (sete) meses e 15 (quinze) dias de reclusão para 01 (um) ano e 03 (três) meses de detenção, reduzindo-se ainda a pena de multa para 53 (cinquenta e três) dias-multa, à razão de 1/30 do salário-mínimo vigente à época dos fatos.
12. Quanto ao regime de cumprimento de pena, o magistrado o fixou em semiaberto, o que deve permanecer pois, ainda que o quantum de sanção tenha sido imposto em patamar inferior a 04 (quatro) anos, o réu é reincidente e subsistiu negativado um vetor do art. 59, CP, o que enquadra o caso no art. 33, §2º, 'b' e §3º, do Código Penal.
PLEITO DE CONCESSÃO DOS BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA. NÃO CONHECIMENTO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO PENAL.
13. Deixa-se de conhecer o pleito referente à concessão dos benefícios da justiça gratuita, já que o entendimento jurisprudencial pátrio é no sentido de que a matéria é competência do juízo das execuções. Precedentes.
RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
ACORDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação criminal nº 0010849-35.2015.8.06.0043, ACORDAM os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade e em parcial consonância com o parecer ministerial, em conhecer parcialmente do recurso de apelação e lhe dar parcial provimento, nos termos do voto do relator.
Fortaleza, 17 de outubro de 2017
DESEMBARGADOR MÁRIO PARENTE TEÓFILO NETO
Relator
Ementa
PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. NÃO ACOLHIMENTO. ESTADO DE NECESSIDADE NÃO CONFIGURADO. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS.
1. Condenado à pena de 01 (um) ano, 07 (sete) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e ao pagamento de 98 (noventa e oito) dias-multa, por infração ao art. 12 da Lei 10.826/2003, o réu interpôs o presente apelo pugnando, preliminarmente, pelos benefícios da justiça gratuita. No mérito, pede sua absolvição, pois afirma que agiu em estado de necessidade, já que estava recebendo ameaças de morte. Subsidiariamente, pede o redimensionamento da pena e a alteração do regime para o inicialmente aberto.
2. Sabe-se que, de acordo com o art. 24 do Código Penal, para a caracterização do estado de necessidade o agente não deve ter outro meio, senão lesar o interesse de outrem (ou da coletividade), para salvar bem próprio ou de terceiro, de perigo atual ao qual não deu causa.
3. Dito isto, ao se compulsar os atos, extrai-se que não há prova inconteste que demonstre a possível situação de perigo atual pela qual o apelante passava, pois ainda que o réu tenha informado, em seu interrogatório, que possuía a arma porque tinha sofrido ameaças por telefone (não sabendo se elas estariam sendo feitas por familiares da vítima de um homicídio por ele cometido em Juazeiro), tem-se que elas consubstanciam perigo futuro, não preenchendo, portanto, o requisito da temporal da atualidade. Precedentes.
4. Sabe-se que o Direito Penal Brasileiro acolhe a teoria da indiciariedade ou "ratio cognoscendi", segundo a qual o fato típico é presumivelmente ilícito. Assim, caberia a defesa demonstrar a ocorrência da excludente de ilicitude, ônus do qual não se desincumbiu, de acordo com o art. 156 do Código de Processo Penal. Precedentes e doutrina.
5. Relembre-se ainda que para que haja a configuração da mencionada excludente de ilicitude, exige-se que não haja outro modo de repelir o perigo, situação na qual não se enquadra o presente caso, vez que o recorrente poderia ter ido até a polícia, relatado a ocorrência das ameaças e pedido proteção. Porém, preferiu, segundo o que afirma, adquirir arma para a própria proteção, sem que pedisse autorização específica para tanto, praticando fato típico (que, saliente-se, se consuma com a mera conduta de possuir arma em desacordo com as determinações legais), sem que haja razão para o reconhecimento de causa excludente de ilicitude.
6. Desta feita, resta assente que o magistrado de piso fundou-se em provas hábeis e suficientes para justificar a condenação pelo crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido, não havendo reforma a se fazer neste ponto.
DA ANÁLISE DA DOSIMETRIA DA PENA. CORREÇÃO DE ERRO MATERIAL OCORRIDO NA SENTENÇA E NECESSIDADE DE ALTERAÇÃO DA SANÇÃO EM SEU ASPECTO QUANTITATIVO PARA QUE OBSERVE A PROPORCIONALIDADE. MANUTENÇÃO DO REGIME INICIAL SEMIABERTO.
7. Ab initio, convém ressaltar que o magistrado de piso aplicou ao réu, de forma equivocada, pena de reclusão, pois o tipo penal do art. 12 da Lei 10.826/2003 dispõe, em seu preceito secundário, que a natureza da pena a ser imposta a crimes como o presente é a de detenção. Assim, tendo em vista o citado erro material, necessário se faz sua correção por esta corte.
8. Ultrapassado este ponto, tem-se que o juiz, ao dosar a sanção, afastou a basilar em 06 (seis) meses do mínimo legal, que é de 01 (um) ano, em razão da análise negativa da culpabilidade, sob a fundamentação de que o réu guardou a arma de fogo e as munições dentro de um colchão no quarto de seus filhos, o que, de fato, demonstra maior reprovabilidade na ação, devendo ser mantido o desvalor.
9. Contudo, faz-se necessário alterar o quantum de aumento, já que realizando-se os cálculos da forma majoritariamente defendida pela jurisprudência e doutrina pátrias, cujo procedimento consiste em obter o intervalo de pena previsto em abstrato (máximo mínimo), devendo, em seguida, ser dividido o resultado por 8 (oito) - que é o número de circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal chega-se à conclusão de que se deve aumentar a reprimenda básica em 03 (três) meses para cada vetorial negativa, ficando a pena-base em 01 (um) ano e 03 (três) meses de detenção.
10. Na 2ª fase da dosimetria, o julgador reconheceu a atenuante de confissão e a agravante de reincidência, mas por entender a última como preponderante, agravou a sanção em 01 (um) mês e 15 (quinze) dias. Mantém-se o reconhecimento das aludidas circunstâncias, porém, em observância ao atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, deve-se realizar compensação entre as mesmas, por serem igualmente preponderantes, permanecendo a reprimenda em 01 (um) ano e 03 (três) meses de detenção. Precedentes.
11. Fica a pena definitiva redimensionada de 01 (um) ano, 07 (sete) meses e 15 (quinze) dias de reclusão para 01 (um) ano e 03 (três) meses de detenção, reduzindo-se ainda a pena de multa para 53 (cinquenta e três) dias-multa, à razão de 1/30 do salário-mínimo vigente à época dos fatos.
12. Quanto ao regime de cumprimento de pena, o magistrado o fixou em semiaberto, o que deve permanecer pois, ainda que o quantum de sanção tenha sido imposto em patamar inferior a 04 (quatro) anos, o réu é reincidente e subsistiu negativado um vetor do art. 59, CP, o que enquadra o caso no art. 33, §2º, 'b' e §3º, do Código Penal.
PLEITO DE CONCESSÃO DOS BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA. NÃO CONHECIMENTO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO PENAL.
13. Deixa-se de conhecer o pleito referente à concessão dos benefícios da justiça gratuita, já que o entendimento jurisprudencial pátrio é no sentido de que a matéria é competência do juízo das execuções. Precedentes.
RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
ACORDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação criminal nº 0010849-35.2015.8.06.0043, ACORDAM os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade e em parcial consonância com o parecer ministerial, em conhecer parcialmente do recurso de apelação e lhe dar parcial provimento, nos termos do voto do relator.
Fortaleza, 17 de outubro de 2017
DESEMBARGADOR MÁRIO PARENTE TEÓFILO NETO
Relator
Data do Julgamento
:
17/10/2017
Data da Publicação
:
17/10/2017
Classe/Assunto
:
Apelação / Crimes do Sistema Nacional de Armas
Órgão Julgador
:
1ª Câmara Criminal
Relator(a)
:
MARIO PARENTE TEÓFILO NETO
Comarca
:
Barbalha
Comarca
:
Barbalha
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