TJCE 0020323-02.2012.8.06.0151
PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO MINISTERIAL. ROUBO SIMPLES. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. MANUTENÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVAS APTAS A FUNDAREM A CONDENAÇÃO DO ACUSADO. VÍTIMA QUE SEQUER FOI ARROLADA NA DENÚNCIA PARA FINS DE OITIVA DURANTE A INSTRUÇÃO CRIMINAL. RECONHECIMENTO REALIZADO DURANTE A FASE INQUISITORIAL QUE NÃO SE MOSTRA EXTREME DE DÚVIDAS. PARECER MINISTERIAL PELO IMPROVIMENTO DO APELO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO EM CONSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL.
1. Trata-se de apelação ministerial na qual o Parquet pugna pela reforma da sentença para que o réu seja condenado nas tenazes do art. 157, caput, do CPB.
2. Na espécie, a sentença absolutória não merece reproche, haja vista não existir cenário seguro e indubitável que demonstre a autoria delitiva. De início, é de se mencionar que a vítima, Sra. Andressa de Sousa Lima, sequer foi ouvida durante a instrução criminal, não tendo sequer sido feitos expedientes para que a mesma prestasse declarações, em que pese repousar nos autos sua qualificação e endereço completos (vide termo de declarações de fl. 12). Na denúncia, o Ministério Público, em que pese requerer a oitiva da vítima, indicou expressamente apenas os policiais que participaram da prisão do apelado no rol de testemunhas, não incluíndo a vítima neste rol, assim como não se insurgiu quanto à não oitiva desta durante a instrução criminal. Ora, sendo certa a elevada eficácia probatória atribuída as declarações da vítima, esta, salvo situações excepcionais, tais como sua não localização, tem de ser ouvida em juízo para que o julgador possa avaliar as informações por si trazidas, assim como o réu, querendo, possa infirmá-las. Esta necessidade decorre do direito ao contraditório e à ampla defesa no âmbito do processo penal, os quais, inclusive, permeiam o Código de Processo Penal a ponto de neste ser positivada a impossibilidade de condenação com base em elementos informativos produzidos somente em sede inquisitorial.
3. Comparando os relatos prestados em sede inquisitorial pela vítima e pela única testemunha de acusação que também foi ouvida em juízo, Sr. Daniel Holanda, é possível ver divergências entre as declarações por estes prestadas, pois, pelo informado pelo Policial, o réu estava correndo em decorrência de perseguição de populares quando de sua abordagem, enquanto a vítima relata que este tentou correr, mas foi contido, tendo ela e alguns rapazes ficado vigiando o mesmo até a chegada da polícia.
4. Além disso, ainda que o mencionado policial, durante seu depoimento prestado na instrução criminal (gravado em mídia digital em anexo aos autos) tenha afirmado que a vítima reconheceu o acusado como sendo o autor do delito, em análise as declarações da vítima, observa-se que este reconhecimento não se mostra extreme de dúvidas, pois, pela dinâmica por si exposta, é pouco provável que a mesma tenha visto o rosto do criminoso, extraindo-se que ela estava falando ao celular subtraído quando da ocorrência delitiva e foi abordada pelas costas, tendo a ofendida informado que o deliquente, por pelo menos duas vezes, mandou que a mesma não olhasse para trás.
5. Outrossim, ainda que o acusado estivesse trajando uma blusa lilás e um short colorido, o que foi reconhecido pela vítima, tal fato por si só não pode ensejar sua condenação, sobretudo por quê há notícia nos autos de que, próximo ao local do crime, havia uma praça em que um circo estava instalado, o que pode ensejar a movimentação de várias pessoas, tornando possível que existam duas ou mais pessoas vestindo roupas similares. Ademais, com o acusado não foi encontrado a res furtiva, ainda que o tempo entre a ocorrência delitiva e a prisão do mesmo tenha sido curto.
6. Ressalte-se, por fim, que ainda que o acusado tenha sido condenado anteriormente pelo cometimento do delito de roubo, tal circunstância não serve para comprovar a autoria delitiva do crime em análise sob pena de aplicação indevida da teoria do direito penal do autor. É dizer, partindo-se de tal premissa, tem-se que, já tendo o réu cometido um delito, poder-se-ia partir da presunção de que outros delitos posteriores também foram por ele cometidos, o que não se mostra aceitável pelo ordenamento jurídico pátrio que se funda no princípio da presunção de inocência e da não-culpabilidade, ou seja, no direito penal do fato.
7. Assim, várias são as circunstâncias passíveis de infirmar o reconhecimento da autoria delitiva feita pela vítima em sede inquisitorial, razão pela qual, neste momento, é de se aplicar o princípio do in dubio pro reo, ou seja, não havendo provas suficientes a ensejar a condenação do apelado, medida que se impõe é a manutenção da absolvição do apelado.
8. Não se desconhece a jurisprudência pacífica desta Câmara Criminal sobre a possibilidade de utilizar-se das declarações da vítima prestadas unicamente em sede inquisitorial, mas confirmadas em juízo pelo depoimento de testemunhas, para fins de juízo condenatório, contudo, aqui as próprias declarações da vítima, que, repise-se, sequer foi incluída no rol de testemunhas da peça denunciatória (bem como não houve insurgência quanto a sua não oitiva durante a instrução criminal), possuem incongruências aptas a desqualificá-la como prova firme e segura de eventual sentença condenatória, seja pela possibilidade de que a ofendida não tenha visto o rosto do criminoso, seja pela divergência entre suas declarações e as prestadas pela única testemunha ouvida em sede inquisitorial e em juízo acerca do momento e das circunstâncias da abordagem policial ao acusado, ou ainda por não ter sido encontrado com o acusado a res furtiva em que pese o pouco lapso temporal transcorrido entre o cometimento do crime e sua abordagem.
RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.
ACORDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação criminal nº 0020323-02.2012.8.06.0151, ACORDAM os Desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade e em consonância com o parecer ministerial, em conhecer do recurso de apelação e lhe improvimento, nos termos do voto do relator, parte integrante do julgado.
Fortaleza, 19 de dezembro de 2017
DESEMBARGADOR MÁRIO PARENTE TEÓFILO NETO
Relator
Ementa
PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO MINISTERIAL. ROUBO SIMPLES. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. MANUTENÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVAS APTAS A FUNDAREM A CONDENAÇÃO DO ACUSADO. VÍTIMA QUE SEQUER FOI ARROLADA NA DENÚNCIA PARA FINS DE OITIVA DURANTE A INSTRUÇÃO CRIMINAL. RECONHECIMENTO REALIZADO DURANTE A FASE INQUISITORIAL QUE NÃO SE MOSTRA EXTREME DE DÚVIDAS. PARECER MINISTERIAL PELO IMPROVIMENTO DO APELO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO EM CONSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL.
1. Trata-se de apelação ministerial na qual o Parquet pugna pela reforma da sentença para que o réu seja condenado nas tenazes do art. 157, caput, do CPB.
2. Na espécie, a sentença absolutória não merece reproche, haja vista não existir cenário seguro e indubitável que demonstre a autoria delitiva. De início, é de se mencionar que a vítima, Sra. Andressa de Sousa Lima, sequer foi ouvida durante a instrução criminal, não tendo sequer sido feitos expedientes para que a mesma prestasse declarações, em que pese repousar nos autos sua qualificação e endereço completos (vide termo de declarações de fl. 12). Na denúncia, o Ministério Público, em que pese requerer a oitiva da vítima, indicou expressamente apenas os policiais que participaram da prisão do apelado no rol de testemunhas, não incluíndo a vítima neste rol, assim como não se insurgiu quanto à não oitiva desta durante a instrução criminal. Ora, sendo certa a elevada eficácia probatória atribuída as declarações da vítima, esta, salvo situações excepcionais, tais como sua não localização, tem de ser ouvida em juízo para que o julgador possa avaliar as informações por si trazidas, assim como o réu, querendo, possa infirmá-las. Esta necessidade decorre do direito ao contraditório e à ampla defesa no âmbito do processo penal, os quais, inclusive, permeiam o Código de Processo Penal a ponto de neste ser positivada a impossibilidade de condenação com base em elementos informativos produzidos somente em sede inquisitorial.
3. Comparando os relatos prestados em sede inquisitorial pela vítima e pela única testemunha de acusação que também foi ouvida em juízo, Sr. Daniel Holanda, é possível ver divergências entre as declarações por estes prestadas, pois, pelo informado pelo Policial, o réu estava correndo em decorrência de perseguição de populares quando de sua abordagem, enquanto a vítima relata que este tentou correr, mas foi contido, tendo ela e alguns rapazes ficado vigiando o mesmo até a chegada da polícia.
4. Além disso, ainda que o mencionado policial, durante seu depoimento prestado na instrução criminal (gravado em mídia digital em anexo aos autos) tenha afirmado que a vítima reconheceu o acusado como sendo o autor do delito, em análise as declarações da vítima, observa-se que este reconhecimento não se mostra extreme de dúvidas, pois, pela dinâmica por si exposta, é pouco provável que a mesma tenha visto o rosto do criminoso, extraindo-se que ela estava falando ao celular subtraído quando da ocorrência delitiva e foi abordada pelas costas, tendo a ofendida informado que o deliquente, por pelo menos duas vezes, mandou que a mesma não olhasse para trás.
5. Outrossim, ainda que o acusado estivesse trajando uma blusa lilás e um short colorido, o que foi reconhecido pela vítima, tal fato por si só não pode ensejar sua condenação, sobretudo por quê há notícia nos autos de que, próximo ao local do crime, havia uma praça em que um circo estava instalado, o que pode ensejar a movimentação de várias pessoas, tornando possível que existam duas ou mais pessoas vestindo roupas similares. Ademais, com o acusado não foi encontrado a res furtiva, ainda que o tempo entre a ocorrência delitiva e a prisão do mesmo tenha sido curto.
6. Ressalte-se, por fim, que ainda que o acusado tenha sido condenado anteriormente pelo cometimento do delito de roubo, tal circunstância não serve para comprovar a autoria delitiva do crime em análise sob pena de aplicação indevida da teoria do direito penal do autor. É dizer, partindo-se de tal premissa, tem-se que, já tendo o réu cometido um delito, poder-se-ia partir da presunção de que outros delitos posteriores também foram por ele cometidos, o que não se mostra aceitável pelo ordenamento jurídico pátrio que se funda no princípio da presunção de inocência e da não-culpabilidade, ou seja, no direito penal do fato.
7. Assim, várias são as circunstâncias passíveis de infirmar o reconhecimento da autoria delitiva feita pela vítima em sede inquisitorial, razão pela qual, neste momento, é de se aplicar o princípio do in dubio pro reo, ou seja, não havendo provas suficientes a ensejar a condenação do apelado, medida que se impõe é a manutenção da absolvição do apelado.
8. Não se desconhece a jurisprudência pacífica desta Câmara Criminal sobre a possibilidade de utilizar-se das declarações da vítima prestadas unicamente em sede inquisitorial, mas confirmadas em juízo pelo depoimento de testemunhas, para fins de juízo condenatório, contudo, aqui as próprias declarações da vítima, que, repise-se, sequer foi incluída no rol de testemunhas da peça denunciatória (bem como não houve insurgência quanto a sua não oitiva durante a instrução criminal), possuem incongruências aptas a desqualificá-la como prova firme e segura de eventual sentença condenatória, seja pela possibilidade de que a ofendida não tenha visto o rosto do criminoso, seja pela divergência entre suas declarações e as prestadas pela única testemunha ouvida em sede inquisitorial e em juízo acerca do momento e das circunstâncias da abordagem policial ao acusado, ou ainda por não ter sido encontrado com o acusado a res furtiva em que pese o pouco lapso temporal transcorrido entre o cometimento do crime e sua abordagem.
RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.
ACORDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação criminal nº 0020323-02.2012.8.06.0151, ACORDAM os Desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade e em consonância com o parecer ministerial, em conhecer do recurso de apelação e lhe improvimento, nos termos do voto do relator, parte integrante do julgado.
Fortaleza, 19 de dezembro de 2017
DESEMBARGADOR MÁRIO PARENTE TEÓFILO NETO
Relator
Data do Julgamento
:
19/12/2017
Data da Publicação
:
19/12/2017
Classe/Assunto
:
Apelação / Roubo
Órgão Julgador
:
1ª Câmara Criminal
Relator(a)
:
MARIO PARENTE TEÓFILO NETO
Comarca
:
Quixadá
Comarca
:
Quixadá
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