TJCE 0045445-79.2015.8.06.0064
PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. LESÃO CORPORAL NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. NÃO ACOLHIMENTO. ELEVADA EFICÁCIA PROBATÓRIA DA PALAVRA DA VÍTIMA.
1. Condenado à pena de 01 (um) ano e 09 (nove) meses de detenção, a ser cumprida em regime inicialmente aberto, pelo cometimento do crime do art. 129, §9º do Código Penal, com aplicação da Lei 11.340/2006, o réu interpôs o presente apelo sustentando, em síntese, a necessidade de absolvição e de redimensionamento da pena imposta. Pede, ainda, a dispensa da entrega do seu passaporte.
2. Compulsando os autos, extrai-se que as provas colhidas durante o processo são suficientes para justificar a condenação do réu, vez que a vítima é firme em relatar que o acusado a agrediu com socos e pontapés, causando-lhe as lesões descritas no laudo de exame de corpo de delito (bossa linfática e escoriações na região frontal à esquerda), as quais foram confirmadas pelas testemunhas que tiveram contato com a ofendida no dia dos fatos, a exemplo do policial e da amiga.
3. Importante ressaltar que a alegação da defesa de que o depoimento da testemunha Mariza é parcial não merece ser acolhida para fins de ensejar a absolvição do réu, primeiro porque não há indícios nos autos da aludida parcialidade. Segundo porque seu relato não foi o único elemento de prova em que se baseou o julgador para proferir decreto condenatório, tendo havido menção, repita-se, ao depoimento da vítima (que possui elevada eficácia probatória em crimes como o da espécie) e das demais testemunhas ouvidas tanto em inquérito quanto em juízo.
4. Saliente-se que o fato de o réu ter alegado que apenas bateu na vítima para se defender (ventilando, ao que parece, uma legítima defesa), bem como ter dito que as agressões foram recíprocas também não tem o condão de afastar sua responsabilidade pelos fatos objetos do presente processo, vez que não restaram comprovados os requisitos necessários para o reconhecimento da excludente de ilicitude, quais sejam: injusta agressão iniciada pela vítima e defesa por parte do réu com a utilização moderada dos meios necessários. Digo isto porque, pelo que se extrai do acervo probatório colhido, a ofendida estava dormindo quando começou a ser agredida, tendo sido acordada com chutes e pontapés que causaram severas consequências, consoante narrado pela própria vítima em seus depoimentos. Precedentes.
5. Desta feita, resta assente que o magistrado de piso fundou-se em provas hábeis e suficientes para a prolação de sentença condenatória em desfavor do apelante, não merecendo a decisão nenhuma reforma neste ponto.
ANÁLISE DA DOSIMETRIA DA PENA. NECESSIDADE DE RETIRADA DO TRAÇO NEGATIVO ATRIBUÍDO À PERSONALIDADE. APLICAÇÃO DA ATENUANTE DE CONFISSÃO ESPONTÂNEA E RETIRADA DA AGRAVANTE DE CRIME COMETIDO NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.
6. O magistrado, ao dosar a pena do réu, entendeu como desfavoráveis os vetores do art. 59 do Código Penal referentes à culpabilidade, à personalidade, à motivação, às circunstâncias e às consequências do crime e, por isso, afastou a pena-base em 01 (um) ano e 03 (três) meses do mínimo legal, que é de 03 (três) meses.
7. Sobre a culpabilidade, deve ser mantido o traço negativo atribuído em 1ª instância, vez que o fato de o réu ter agredido a vítima quando a mesma já se encontrava dormindo consoante afirmado pela própria ofendida no seu depoimento em juízo - demonstra uma maior reprovabilidade na sua ação, justificando a exasperação da basilar.
8. No que tange à personalidade do réu, tem-se que o fato de o acusado ter narrado versão distinta da apresentada pela vítima, com o propósito de se eximir da culpa, não pode ser considerado em seu desfavor, pois está inserido no princípio nemu tenetur se detegere, consubstanciado no direito de não produzir prova contra si mesmo. Assim, fica neutro o presente vetor. Precedentes.
9. O fato de o réu ser pessoa tranquila e dedicada à família (circunstâncias narradas pela testemunha Won Yung em juízo) permite o reconhecimento de que o mesmo possuía conduta social favorável. Contudo, tal reconhecimento, ao contrário do que pleiteia a defesa, não tem o condão de influenciar no quantum de pena imposto, já que não existe compensação entre as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal. Neste diapasão, a sanção é dosada com base no número de vetoriais negativas, pois quanto mais circunstâncias desfavoráveis, mais a pena se afasta do mínimo legal. Assim, sendo o vetor neutro ou favorável, não há decréscimo no quantum de pena. Por sua vez, havendo traço negativo, a reprimenda deve ser elevada.
10. Os motivos do crime devem permanecer negativados, pois a fundamentação utilizada se mostrou idônea, já que pautada no fato de o delito ter sido cometido em virtude do sentimento de posse e ciúme em relação à pessoa da vítima, o que foi confirmado pelos depoimentos colhidos ao longo do processo. Precedentes.
11. Da mesma forma, mantém-se o desvalor atribuído às circunstâncias do crime, pois conforme se extrai do depoimento da vítima, as agressões foram perpetradas na frente da filha de onze anos de idade, o que demonstra uma maior reprovabilidade, permitindo a exasperação da reprimenda. Precedentes.
12. Por fim, também deve ser mantida a negativação das consequências do crime, pois conforme depoimento da vítima - o qual, como já informado, possui elevada eficácia probatória em crimes como o da espécie a mesma, após as agressões, ficou com a cabeça inchada, sem conseguir respirar direito, precisando de ajuda para caminhar durante uma semana, não tendo sequer conseguido levantar da cama nos três primeiros dias, o que extrapola os limites do tipo penal e permite a negativação do vetor, já que, ao contrário do que afirma a defesa, não se está diante de simples escoriações.
13. De modo que, remanescendo traço desfavorável sobre 04 (quatro) vetores do art. 59 do Código Penal, fica a pena-base redimensionada ao montante de 01 (um) ano e 03 (três) meses de detenção, observando a mesma proporção aplicada pelo juízo de piso.
14. Na 2ª fase da dosimetria, deve ser aplicada, em favor do apelante, a atenuante de confissão espontânea, pois ao contrário do que informou o magistrado de piso, o Superior Tribunal de Justiça admite que a aludida atenuante, ainda que esteja agregada a teses de defesa, sirva como redutor de pena. Precedentes. Assim, atenua-se a sanção em 03 (três) meses, ficando a reprimenda, neste momento, no montante de 01 (um) ano de detenção.
15. Ainda na 2ª fase, o julgador elevou a sanção em 1/6 em virtude da agravante da prática de violência contra a mulher em ambiente doméstico (art. 61, II, 'f' do Código Penal). Ocorre que este procedimento não se mostrou correto, vez que o fato de o delito ter sido cometido no contexto da violência doméstica configura elementar do tipo penal do art. 129, §9º do Código Penal. Desta forma, necessário se faz o decote da agravante, sob pena de bis in idem. Precedentes.
16. Fica a pena definitiva, portanto, redimensionada de 01 (um) ano e 09 (nove) meses de detenção para 01 (um) ano de detenção, em razão da ausência de causas de aumento ou de diminuição de pena.
17. Mantém-se o regime aberto para o início do cumprimento da sanção, pois o quantum de pena imposto e a primariedade do réu enquadram o caso no art. 33, §2º, 'c' do Código Penal.
18. Por fim, quanto ao pedido de dispensa da entrega do passaporte, este deve ser indeferido, primeiro porque tal medida se mostra necessária para garantir a aplicação da lei penal, vez que o recorrente, agora condenado em 2ª instância, é estrangeiro e demonstrou, nas razões do recurso, a intenção de se ausentar do país, ao asseverar que "tem necessidade constante de, em função do trabalho, deslocar-se para seu país de origem e retornar para o Brasil". Segundo porque, em caso de real necessidade, nada obsta que o recorrente solicite autorização judicial para se ausentar do país (o que, inclusive, é condição obrigatória para aqueles que estão em regime aberto, nos termos do art. 115, III da Lei de Execução Penal) a qual, se deferida, será acompanhada da entrega provisória dos passaportes, não havendo prejuízo ao réu.
RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
ACORDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação criminal nº 0045445-79.2015.8.06.0064, ACORDAM os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade e em consonância com o parecer ministerial, em conhecer do recurso de apelação e dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Relator.
Fortaleza, 3 de outubro de 2017.
DESEMBARGADOR MÁRIO PARENTE TEÓFILO NETO
Relator
Ementa
PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. LESÃO CORPORAL NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. NÃO ACOLHIMENTO. ELEVADA EFICÁCIA PROBATÓRIA DA PALAVRA DA VÍTIMA.
1. Condenado à pena de 01 (um) ano e 09 (nove) meses de detenção, a ser cumprida em regime inicialmente aberto, pelo cometimento do crime do art. 129, §9º do Código Penal, com aplicação da Lei 11.340/2006, o réu interpôs o presente apelo sustentando, em síntese, a necessidade de absolvição e de redimensionamento da pena imposta. Pede, ainda, a dispensa da entrega do seu passaporte.
2. Compulsando os autos, extrai-se que as provas colhidas durante o processo são suficientes para justificar a condenação do réu, vez que a vítima é firme em relatar que o acusado a agrediu com socos e pontapés, causando-lhe as lesões descritas no laudo de exame de corpo de delito (bossa linfática e escoriações na região frontal à esquerda), as quais foram confirmadas pelas testemunhas que tiveram contato com a ofendida no dia dos fatos, a exemplo do policial e da amiga.
3. Importante ressaltar que a alegação da defesa de que o depoimento da testemunha Mariza é parcial não merece ser acolhida para fins de ensejar a absolvição do réu, primeiro porque não há indícios nos autos da aludida parcialidade. Segundo porque seu relato não foi o único elemento de prova em que se baseou o julgador para proferir decreto condenatório, tendo havido menção, repita-se, ao depoimento da vítima (que possui elevada eficácia probatória em crimes como o da espécie) e das demais testemunhas ouvidas tanto em inquérito quanto em juízo.
4. Saliente-se que o fato de o réu ter alegado que apenas bateu na vítima para se defender (ventilando, ao que parece, uma legítima defesa), bem como ter dito que as agressões foram recíprocas também não tem o condão de afastar sua responsabilidade pelos fatos objetos do presente processo, vez que não restaram comprovados os requisitos necessários para o reconhecimento da excludente de ilicitude, quais sejam: injusta agressão iniciada pela vítima e defesa por parte do réu com a utilização moderada dos meios necessários. Digo isto porque, pelo que se extrai do acervo probatório colhido, a ofendida estava dormindo quando começou a ser agredida, tendo sido acordada com chutes e pontapés que causaram severas consequências, consoante narrado pela própria vítima em seus depoimentos. Precedentes.
5. Desta feita, resta assente que o magistrado de piso fundou-se em provas hábeis e suficientes para a prolação de sentença condenatória em desfavor do apelante, não merecendo a decisão nenhuma reforma neste ponto.
ANÁLISE DA DOSIMETRIA DA PENA. NECESSIDADE DE RETIRADA DO TRAÇO NEGATIVO ATRIBUÍDO À PERSONALIDADE. APLICAÇÃO DA ATENUANTE DE CONFISSÃO ESPONTÂNEA E RETIRADA DA AGRAVANTE DE CRIME COMETIDO NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.
6. O magistrado, ao dosar a pena do réu, entendeu como desfavoráveis os vetores do art. 59 do Código Penal referentes à culpabilidade, à personalidade, à motivação, às circunstâncias e às consequências do crime e, por isso, afastou a pena-base em 01 (um) ano e 03 (três) meses do mínimo legal, que é de 03 (três) meses.
7. Sobre a culpabilidade, deve ser mantido o traço negativo atribuído em 1ª instância, vez que o fato de o réu ter agredido a vítima quando a mesma já se encontrava dormindo consoante afirmado pela própria ofendida no seu depoimento em juízo - demonstra uma maior reprovabilidade na sua ação, justificando a exasperação da basilar.
8. No que tange à personalidade do réu, tem-se que o fato de o acusado ter narrado versão distinta da apresentada pela vítima, com o propósito de se eximir da culpa, não pode ser considerado em seu desfavor, pois está inserido no princípio nemu tenetur se detegere, consubstanciado no direito de não produzir prova contra si mesmo. Assim, fica neutro o presente vetor. Precedentes.
9. O fato de o réu ser pessoa tranquila e dedicada à família (circunstâncias narradas pela testemunha Won Yung em juízo) permite o reconhecimento de que o mesmo possuía conduta social favorável. Contudo, tal reconhecimento, ao contrário do que pleiteia a defesa, não tem o condão de influenciar no quantum de pena imposto, já que não existe compensação entre as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal. Neste diapasão, a sanção é dosada com base no número de vetoriais negativas, pois quanto mais circunstâncias desfavoráveis, mais a pena se afasta do mínimo legal. Assim, sendo o vetor neutro ou favorável, não há decréscimo no quantum de pena. Por sua vez, havendo traço negativo, a reprimenda deve ser elevada.
10. Os motivos do crime devem permanecer negativados, pois a fundamentação utilizada se mostrou idônea, já que pautada no fato de o delito ter sido cometido em virtude do sentimento de posse e ciúme em relação à pessoa da vítima, o que foi confirmado pelos depoimentos colhidos ao longo do processo. Precedentes.
11. Da mesma forma, mantém-se o desvalor atribuído às circunstâncias do crime, pois conforme se extrai do depoimento da vítima, as agressões foram perpetradas na frente da filha de onze anos de idade, o que demonstra uma maior reprovabilidade, permitindo a exasperação da reprimenda. Precedentes.
12. Por fim, também deve ser mantida a negativação das consequências do crime, pois conforme depoimento da vítima - o qual, como já informado, possui elevada eficácia probatória em crimes como o da espécie a mesma, após as agressões, ficou com a cabeça inchada, sem conseguir respirar direito, precisando de ajuda para caminhar durante uma semana, não tendo sequer conseguido levantar da cama nos três primeiros dias, o que extrapola os limites do tipo penal e permite a negativação do vetor, já que, ao contrário do que afirma a defesa, não se está diante de simples escoriações.
13. De modo que, remanescendo traço desfavorável sobre 04 (quatro) vetores do art. 59 do Código Penal, fica a pena-base redimensionada ao montante de 01 (um) ano e 03 (três) meses de detenção, observando a mesma proporção aplicada pelo juízo de piso.
14. Na 2ª fase da dosimetria, deve ser aplicada, em favor do apelante, a atenuante de confissão espontânea, pois ao contrário do que informou o magistrado de piso, o Superior Tribunal de Justiça admite que a aludida atenuante, ainda que esteja agregada a teses de defesa, sirva como redutor de pena. Precedentes. Assim, atenua-se a sanção em 03 (três) meses, ficando a reprimenda, neste momento, no montante de 01 (um) ano de detenção.
15. Ainda na 2ª fase, o julgador elevou a sanção em 1/6 em virtude da agravante da prática de violência contra a mulher em ambiente doméstico (art. 61, II, 'f' do Código Penal). Ocorre que este procedimento não se mostrou correto, vez que o fato de o delito ter sido cometido no contexto da violência doméstica configura elementar do tipo penal do art. 129, §9º do Código Penal. Desta forma, necessário se faz o decote da agravante, sob pena de bis in idem. Precedentes.
16. Fica a pena definitiva, portanto, redimensionada de 01 (um) ano e 09 (nove) meses de detenção para 01 (um) ano de detenção, em razão da ausência de causas de aumento ou de diminuição de pena.
17. Mantém-se o regime aberto para o início do cumprimento da sanção, pois o quantum de pena imposto e a primariedade do réu enquadram o caso no art. 33, §2º, 'c' do Código Penal.
18. Por fim, quanto ao pedido de dispensa da entrega do passaporte, este deve ser indeferido, primeiro porque tal medida se mostra necessária para garantir a aplicação da lei penal, vez que o recorrente, agora condenado em 2ª instância, é estrangeiro e demonstrou, nas razões do recurso, a intenção de se ausentar do país, ao asseverar que "tem necessidade constante de, em função do trabalho, deslocar-se para seu país de origem e retornar para o Brasil". Segundo porque, em caso de real necessidade, nada obsta que o recorrente solicite autorização judicial para se ausentar do país (o que, inclusive, é condição obrigatória para aqueles que estão em regime aberto, nos termos do art. 115, III da Lei de Execução Penal) a qual, se deferida, será acompanhada da entrega provisória dos passaportes, não havendo prejuízo ao réu.
RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
ACORDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação criminal nº 0045445-79.2015.8.06.0064, ACORDAM os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade e em consonância com o parecer ministerial, em conhecer do recurso de apelação e dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Relator.
Fortaleza, 3 de outubro de 2017.
DESEMBARGADOR MÁRIO PARENTE TEÓFILO NETO
Relator
Data do Julgamento
:
03/10/2017
Data da Publicação
:
03/10/2017
Classe/Assunto
:
Apelação / Violência Doméstica Contra a Mulher
Órgão Julgador
:
1ª Câmara Criminal
Relator(a)
:
MARIO PARENTE TEÓFILO NETO
Comarca
:
Caucaia
Comarca
:
Caucaia
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