TJCE 0076413-34.2008.8.06.0001
DIREITO CIVIL. AGRAVO RETIDO. AUSÊNCIA DE REITERAÇÃO. ART. 523, § 1º, DO CPC/1973. RECURSO NÃO CONHECIDO. APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. DESNECESSIDADE DE PERÍCIA. PERDA ANATÔMICA NOTÓRIA DE MEMBRO INFERIOR. PRECLUSÃO. Preliminar afastada. MÉRITO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. COLISÃO ENTRE ÔNIBUS E BICICLETA. AMPUTAÇÃO DO MEMBRO INFERIOR DIREITO DO CICLISTA. DIVERGÊNCIA ENTRE PROVA PERICIAL E PROVA TESTEMUNHAL. PREVALÊNCIA DA PERSPECTIVA DAS TESTEMUNHAS QUE PRESENCIARAM A CENA. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA NÃO COMPROVADA. ÔNIBUS QUE AVANÇOU SINAL DIVERSO DO VERDE. PREENCHIMENTO DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS DEVIDOS E ARBITRADOS RAZOAVELMENTE. INCAPACIDADE LABORAL DA VÍTIMA. POSSIBILIDADE DE PAGAMENTO EM COTA ÚNICA DA PENSÃO. SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE À ÉPOCA DO ACIDENTE. DEDUÇÃO DO VALOR DO SEGURO OBRIGATÓRIO. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO EFETIVO RECEBIMENTO. FIXAÇÃO DOS JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO. APELAÇÃO CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA.
1. DO AGRAVO RETIDO. Não merece conhecimento o Agravo Retido interposto pela ora apelante, uma vez que não houve requerimento expresso para sua apreciação pelo Tribunal nas razões de apelação, conforme exigia o art. 523, § 1º do CPC/1973.
2. DA APELAÇÃO. Trata-se de Apelação interposta por concessionária de serviço de transporte público em face de sentença que julgou parcialmente procedente a ação indenizatória originária para condenar a ora apelante ao pagamento da quantia de 200 salários mínimos de danos materiais (pensão) em favor do autor, além de danos morais em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), em decorrência de acidente de trânsito envolvendo um ônibus conduzido pelo preposto da empresa e a bicicleta guiada pelo demandante, que resultou na amputação do membro inferior direito do ciclista.
3. Na presente insurgência, a apelante defende, preliminarmente, a nulidade da sentença por ausência de perícia médica para análise do grau de incapacidade do autor. No mérito, sustenta a reforma da decisão, com fundamento: a) na culpa exclusiva da vítima; b) na necessidade de redução do valor da condenação a título de danos materiais; c) na necessidade de fixação do salário mínimo vigente à época do acidente e na impossibilidade de utilização do salário mínimo como indexador; d) na impossibilidade do pagamento da pensão mensal em cota única; e) na necessidade de dedução do seguro obrigatório; f) na necessidade de estabelecimento do marco inicial dos juros sobre os danos materiais.
4. DA PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE REALIZAÇÃO DE PERÍCIA. O réu, durante a instrução processual, deixou de requerer a produção da prova ora perseguida, mantendo-se silente ao ser cientificado do encerramento da instrução, de forma a configurar a preclusão do direito de produzir a prova em questão.
5. Além disso, a amputação do membro inferior direito do autor é fato que já se encontra comprovado por diversos elementos dos autos, quais sejam, o Auto de Exame de Corpo de Delito elaborado pelo Instituto Médico Legal e os depoimentos testemunhais; circunstância que ocasiona, indubitavelmente, incapacidade total para qualquer labor que demande o pleno uso dos membros inferiores. Preliminar afastada.
6. DO MÉRITO. O laudo pericial concluiu que a causa determinante do acidente decorreu de ato praticado pelo condutor da bicicleta, que efetuou manobra brusca, da direita para a esquerda, sem atentar para a corrente de tráfego ao seu lado.
7. Não obstante, na hipótese em exame, não deve prevalecer referido laudo, uma vez que as testemunhas oculares do fato asseguraram que o ônibus avançou o semáforo quando havia impedimento para tanto, não havendo menção a qualquer manobra brusca do ciclista.
8. Verificada a prática do ato ilícito culposo pelo preposto da empresa demandada, diante da sua imprudência, e o nexo de causalidade com o evento danoso, insta ressaltar que a concessionária de serviço público possui o dever de reparar os danos causados à vítima.
9. A perda do membro inferior direito em decorrência do acidente enseja danos morais ao autor, haja vista a aflição certamente vivenciada pela vítima ao constatar a necessidade de amputação de parte do seu corpo, sendo razoável o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) fixado a título de reparação.
10. O demandante também faz jus à pensão em razão da inabilitação para o trabalho decorrente do acidente de trânsito, podendo o valor, inclusive, ser pago de uma só vez, conforme prevê o parágrafo único do art. 950 do Código Civil. Precedentes do STJ.
11. Não se mostra, sob nenhuma perspectiva, exorbitante o quantum arbitrado a título de danos materiais, qual seja, duzentos salários mínimos, mormente tendo em vista que a finalidade da pensão por ato ilícito é reparar os prejuízos financeiros advindos e possibilitar que a vítima mantenha renda compatível com a percebida antes do evento danoso, considerando as limitações decorrentes da deficiência adquirida.
12. O salário mínimo adotado como parâmetro para a indenização por danos materiais, a ser paga em cota única, é aquele vigente à época do acidente.
13.A Símula 246 do STJ estabelece que ''o valor do seguro obrigatório deve ser deduzido da indenização judicialmente fixada'', sendo desnecessário comprovar o efetivo recebimento, pela vítima, do seguro mencionado. Precedentes do STJ.
14. Os juros de mora dos danos materiais devem ser de 1% (um por cento) ao mês, com incidência a partir do evento danoso, nos termos do art. 398 do Código Civil e da Súmula 54 do STJ, por se tratar de responsabilidade extracontratual. O índice da correção monetária, que também não fora fixado, deve ser o INPC.
15. Agravo Retido não conhecido. Apelação conhecida e parcialmente provida. Sentença reformada.
ACÓRDÃO
Acordam os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, nos autos do processo nº 0076413-34.2008.8.06.0001, por unanimidade, por uma de suas Turmas, em não conhecer do Agravo Retido e em conhecer do recurso de apelação para dar-lhe parcial provimento, tudo de conformidade com o voto do e. Relator.
Fortaleza, 28 de fevereiro de 2018.
Ementa
DIREITO CIVIL. AGRAVO RETIDO. AUSÊNCIA DE REITERAÇÃO. ART. 523, § 1º, DO CPC/1973. RECURSO NÃO CONHECIDO. APELAÇÃO CÍVEL. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. DESNECESSIDADE DE PERÍCIA. PERDA ANATÔMICA NOTÓRIA DE MEMBRO INFERIOR. PRECLUSÃO. Preliminar afastada. MÉRITO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. COLISÃO ENTRE ÔNIBUS E BICICLETA. AMPUTAÇÃO DO MEMBRO INFERIOR DIREITO DO CICLISTA. DIVERGÊNCIA ENTRE PROVA PERICIAL E PROVA TESTEMUNHAL. PREVALÊNCIA DA PERSPECTIVA DAS TESTEMUNHAS QUE PRESENCIARAM A CENA. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA NÃO COMPROVADA. ÔNIBUS QUE AVANÇOU SINAL DIVERSO DO VERDE. PREENCHIMENTO DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS DEVIDOS E ARBITRADOS RAZOAVELMENTE. INCAPACIDADE LABORAL DA VÍTIMA. POSSIBILIDADE DE PAGAMENTO EM COTA ÚNICA DA PENSÃO. SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE À ÉPOCA DO ACIDENTE. DEDUÇÃO DO VALOR DO SEGURO OBRIGATÓRIO. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO EFETIVO RECEBIMENTO. FIXAÇÃO DOS JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO. APELAÇÃO CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA.
1. DO AGRAVO RETIDO. Não merece conhecimento o Agravo Retido interposto pela ora apelante, uma vez que não houve requerimento expresso para sua apreciação pelo Tribunal nas razões de apelação, conforme exigia o art. 523, § 1º do CPC/1973.
2. DA APELAÇÃO. Trata-se de Apelação interposta por concessionária de serviço de transporte público em face de sentença que julgou parcialmente procedente a ação indenizatória originária para condenar a ora apelante ao pagamento da quantia de 200 salários mínimos de danos materiais (pensão) em favor do autor, além de danos morais em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), em decorrência de acidente de trânsito envolvendo um ônibus conduzido pelo preposto da empresa e a bicicleta guiada pelo demandante, que resultou na amputação do membro inferior direito do ciclista.
3. Na presente insurgência, a apelante defende, preliminarmente, a nulidade da sentença por ausência de perícia médica para análise do grau de incapacidade do autor. No mérito, sustenta a reforma da decisão, com fundamento: a) na culpa exclusiva da vítima; b) na necessidade de redução do valor da condenação a título de danos materiais; c) na necessidade de fixação do salário mínimo vigente à época do acidente e na impossibilidade de utilização do salário mínimo como indexador; d) na impossibilidade do pagamento da pensão mensal em cota única; e) na necessidade de dedução do seguro obrigatório; f) na necessidade de estabelecimento do marco inicial dos juros sobre os danos materiais.
4. DA PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE REALIZAÇÃO DE PERÍCIA. O réu, durante a instrução processual, deixou de requerer a produção da prova ora perseguida, mantendo-se silente ao ser cientificado do encerramento da instrução, de forma a configurar a preclusão do direito de produzir a prova em questão.
5. Além disso, a amputação do membro inferior direito do autor é fato que já se encontra comprovado por diversos elementos dos autos, quais sejam, o Auto de Exame de Corpo de Delito elaborado pelo Instituto Médico Legal e os depoimentos testemunhais; circunstância que ocasiona, indubitavelmente, incapacidade total para qualquer labor que demande o pleno uso dos membros inferiores. Preliminar afastada.
6. DO MÉRITO. O laudo pericial concluiu que a causa determinante do acidente decorreu de ato praticado pelo condutor da bicicleta, que efetuou manobra brusca, da direita para a esquerda, sem atentar para a corrente de tráfego ao seu lado.
7. Não obstante, na hipótese em exame, não deve prevalecer referido laudo, uma vez que as testemunhas oculares do fato asseguraram que o ônibus avançou o semáforo quando havia impedimento para tanto, não havendo menção a qualquer manobra brusca do ciclista.
8. Verificada a prática do ato ilícito culposo pelo preposto da empresa demandada, diante da sua imprudência, e o nexo de causalidade com o evento danoso, insta ressaltar que a concessionária de serviço público possui o dever de reparar os danos causados à vítima.
9. A perda do membro inferior direito em decorrência do acidente enseja danos morais ao autor, haja vista a aflição certamente vivenciada pela vítima ao constatar a necessidade de amputação de parte do seu corpo, sendo razoável o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) fixado a título de reparação.
10. O demandante também faz jus à pensão em razão da inabilitação para o trabalho decorrente do acidente de trânsito, podendo o valor, inclusive, ser pago de uma só vez, conforme prevê o parágrafo único do art. 950 do Código Civil. Precedentes do STJ.
11. Não se mostra, sob nenhuma perspectiva, exorbitante o quantum arbitrado a título de danos materiais, qual seja, duzentos salários mínimos, mormente tendo em vista que a finalidade da pensão por ato ilícito é reparar os prejuízos financeiros advindos e possibilitar que a vítima mantenha renda compatível com a percebida antes do evento danoso, considerando as limitações decorrentes da deficiência adquirida.
12. O salário mínimo adotado como parâmetro para a indenização por danos materiais, a ser paga em cota única, é aquele vigente à época do acidente.
13.A Símula 246 do STJ estabelece que ''o valor do seguro obrigatório deve ser deduzido da indenização judicialmente fixada'', sendo desnecessário comprovar o efetivo recebimento, pela vítima, do seguro mencionado. Precedentes do STJ.
14. Os juros de mora dos danos materiais devem ser de 1% (um por cento) ao mês, com incidência a partir do evento danoso, nos termos do art. 398 do Código Civil e da Súmula 54 do STJ, por se tratar de responsabilidade extracontratual. O índice da correção monetária, que também não fora fixado, deve ser o INPC.
15. Agravo Retido não conhecido. Apelação conhecida e parcialmente provida. Sentença reformada.
ACÓRDÃO
Acordam os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, nos autos do processo nº 0076413-34.2008.8.06.0001, por unanimidade, por uma de suas Turmas, em não conhecer do Agravo Retido e em conhecer do recurso de apelação para dar-lhe parcial provimento, tudo de conformidade com o voto do e. Relator.
Fortaleza, 28 de fevereiro de 2018.
Data do Julgamento
:
28/02/2018
Data da Publicação
:
01/03/2018
Classe/Assunto
:
Apelação / Indenização por Dano Material
Órgão Julgador
:
1ª Câmara Direito Privado
Relator(a)
:
HERACLITO VIEIRA DE SOUSA NETO
Comarca
:
Fortaleza
Comarca
:
Fortaleza
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