TJCE 0430602-15.2010.8.06.0001
PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. LESÃO CORPORAL CULPOSA NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR EM CONCURSO FORMAL. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO. REJEIÇÃO
1. Condenado à pena de 03 (três) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de detenção, o réu interpôs o presente apelo pugnando, preliminarmente, pelo reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva. No mérito, requer sua absolvição em razão da insuficiência de provas para um decreto condenatório. Subsidiariamente, pede a desclassificação da sua conduta para o tipo penal do art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro ou o redimensionamento da pena imposta, com o afastamento do art. 70 do Código Penal.
2. Não merece acolhida a preliminar suscitada, pois tomando por base os marcos interruptivos da prescrição (dispostos no artigo 117 do Código Penal), tendo o fato ocorrido em 31/07/2010; o respectivo recebimento da denúncia se dado em 10/10/2011 (fls. 106) e o ato de disponibilização da sentença (considerado como publicação) acontecido em 16/06/2015, extrai-se que transcorreu entre as mencionadas datas, ou entre a última e os dias atuais, lapso temporal inferior a 08 (oito) anos, não sendo, portanto, suficiente para fulminar a pretensão punitiva estatal.
3. De se ressaltar que o acusado não se encontra nas situações trazidas pelo art. 115 do Código Penal, já que não era menor de 21 (vinte e um) anos na data dos fatos, nem maior de 70 (setenta) anos quando da prolação da sentença condenatória, conforme documento de fl. 50. Preliminar rejeitada.
PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. CULPA DO RÉU NÃO DEMONSTRADA DE FORMA INDUBITÁVEL. FRAGILIDADE DAS PROVAS. IN DUBIO PRO REO. NECESSIDADE DE ABSOLVIÇÃO. RECURSO PROVIDO.
4. Dos depoimentos colhidos, principalmente do interrogatório do réu já que esta foi a única prova produzida em juízo que se reportava à dinâmica do acidente - extrai-se que o acusado dirigia em linha reta pela Rua Rio Grande do Sul quando, em determinado momento, a bicicleta, que vinha de uma rua que cruzava o ponto onde aconteceu o acidente, atravessou na sua frente depois de subir a calçada, tendo adentrado na pista já muito próximo da motocicleta. Ato contínuo, a moto atingiu a bicicleta no pneu traseiro, tendo o impacto se dado de lado, fazendo com que todos caíssem ao solo.
5. O cerne da questão, portanto, é dirimir se o ré agiu ou não com culpa no abalroamento, pois só na primeira hipótese é que poderia ser responsabilizado pelo crime em comento. Para tanto, relembre-se que na denúncia foi imputado ao acusado conduta imprudente e imperita em virtude de não ter habilitação e de ter ingerido álcool antes do ocorrido. Contudo, não foi produzida, durante a instrução, qualquer prova que apontasse que as citadas condutas do réu tenham dado causa ao acidente, nem que o acusado tenha deixado de frear quando podia, principalmente porque não foram ouvidas pessoas que estavam presentes no momento dos fatos, à exceção do acusado, que disse que dirigia em velocidade normal e que a bicicleta na qual as vítimas estavam atravessou seu caminho de repente, não tendo havido tempo de reação.
6. Sobre o fato de o réu não possuir, ao tempo do acidente, habilitação para dirigir veículo automotor, tem-se que este sim encontra-se comprovado nos autos, tendo inclusive o próprio acusado confirmado tal circunstância. Ocorre que, diferente do que fora dito pela acusação e pelo magistrado singular, a ausência de CNH (que consubstancia a inobservância de uma disposição regulamentar) não enseja nos dias atuais, por si só, presunção de culpa na ação do réu, devendo haver comprovação de que a sua conduta, de certo, concorreu para a ocorrência do delito. Precedentes e doutrina.
7. Em igual sentido, tem-se que não ficou demonstrado que o fato de o acusado ter ingerido uma lata de cerveja antes do acidente influenciou na sua ocorrência, já que, pelas circunstâncias narradas e considerando a entrada abrupta da bicicleta na frente da moto (cabendo repetir que, em juízo, as alegações do réu formaram a única versão apresentada sobre a dinâmica dos fatos), a colisão poderia ter se dado com qualquer outra pessoa que transitasse no lugar do acusado, quer tivesse bebido ou não.
8. Assim, não há no feito elementos que demonstrem que o réu agiu com quebra do dever objetivo de cuidado. Na verdade, as peculiaridades do fato conduzem à conclusão de que os ofendidos optaram por atravessar na frente da motocicleta, quando na verdade deveriam ter esperado que o veículo passasse, para que só então pudessem adentrar na pista com segurança circunstâncias estas que, ao que parece, causaram o acidente.
9. Nesta senda, não havendo prova cabal da alegada quebra de dever objetivo de cuidado por parte do réu e não sendo mais admitida pelo Direito Penal a responsabilidade objetiva, impossível se mostra a manutenção da condenação do apelante, sendo necessária sua absolvição.
10. Mencione-se, por fim, que seria inviável realizar a desclassificação da conduta imputada ao recorrente para o delito do art. 309 do CTB, já que o referido tipo penal exige que a pessoa sem habilitação dirija seu veículo de forma a gerar perigo de dano, situação da qual, repita-se, não se tem notícia nos autos. Precedentes.
11. Também não poderia haver desclassificação para o tipo penal do art. 306 do CTB, pois o fato ocorreu sob a égide da Lei 11.705/2008, quando só era possível demonstrar a materialidade do apontado delito através de exames técnicos (sangue ou bafômetro) que comprovassem a concentração de álcool no organismo do agente, o que não foi feito no caso em tela, pois há apenas exame clínico (fl. 84). Precedentes.
RECURSO CONHECIDO, PARA REJEITAR A PRELIMINAR ARGUIDA E, NO MÉRITO, DAR-LHE PROVIMENTO.
ACORDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação criminal nº 0430602-15.2010.8.06.0001, ACORDAM os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade, em conhecer do recurso de apelação e lhe dar provimento, ficando ainda rejeitada a preliminar arguida, nos termos do voto do Relator.
Fortaleza, 22 de maio de 2018
DESEMBARGADOR MÁRIO PARENTE TEÓFILO NETO
Relator
Ementa
PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. LESÃO CORPORAL CULPOSA NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR EM CONCURSO FORMAL. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO. REJEIÇÃO
1. Condenado à pena de 03 (três) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de detenção, o réu interpôs o presente apelo pugnando, preliminarmente, pelo reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva. No mérito, requer sua absolvição em razão da insuficiência de provas para um decreto condenatório. Subsidiariamente, pede a desclassificação da sua conduta para o tipo penal do art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro ou o redimensionamento da pena imposta, com o afastamento do art. 70 do Código Penal.
2. Não merece acolhida a preliminar suscitada, pois tomando por base os marcos interruptivos da prescrição (dispostos no artigo 117 do Código Penal), tendo o fato ocorrido em 31/07/2010; o respectivo recebimento da denúncia se dado em 10/10/2011 (fls. 106) e o ato de disponibilização da sentença (considerado como publicação) acontecido em 16/06/2015, extrai-se que transcorreu entre as mencionadas datas, ou entre a última e os dias atuais, lapso temporal inferior a 08 (oito) anos, não sendo, portanto, suficiente para fulminar a pretensão punitiva estatal.
3. De se ressaltar que o acusado não se encontra nas situações trazidas pelo art. 115 do Código Penal, já que não era menor de 21 (vinte e um) anos na data dos fatos, nem maior de 70 (setenta) anos quando da prolação da sentença condenatória, conforme documento de fl. 50. Preliminar rejeitada.
PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. CULPA DO RÉU NÃO DEMONSTRADA DE FORMA INDUBITÁVEL. FRAGILIDADE DAS PROVAS. IN DUBIO PRO REO. NECESSIDADE DE ABSOLVIÇÃO. RECURSO PROVIDO.
4. Dos depoimentos colhidos, principalmente do interrogatório do réu já que esta foi a única prova produzida em juízo que se reportava à dinâmica do acidente - extrai-se que o acusado dirigia em linha reta pela Rua Rio Grande do Sul quando, em determinado momento, a bicicleta, que vinha de uma rua que cruzava o ponto onde aconteceu o acidente, atravessou na sua frente depois de subir a calçada, tendo adentrado na pista já muito próximo da motocicleta. Ato contínuo, a moto atingiu a bicicleta no pneu traseiro, tendo o impacto se dado de lado, fazendo com que todos caíssem ao solo.
5. O cerne da questão, portanto, é dirimir se o ré agiu ou não com culpa no abalroamento, pois só na primeira hipótese é que poderia ser responsabilizado pelo crime em comento. Para tanto, relembre-se que na denúncia foi imputado ao acusado conduta imprudente e imperita em virtude de não ter habilitação e de ter ingerido álcool antes do ocorrido. Contudo, não foi produzida, durante a instrução, qualquer prova que apontasse que as citadas condutas do réu tenham dado causa ao acidente, nem que o acusado tenha deixado de frear quando podia, principalmente porque não foram ouvidas pessoas que estavam presentes no momento dos fatos, à exceção do acusado, que disse que dirigia em velocidade normal e que a bicicleta na qual as vítimas estavam atravessou seu caminho de repente, não tendo havido tempo de reação.
6. Sobre o fato de o réu não possuir, ao tempo do acidente, habilitação para dirigir veículo automotor, tem-se que este sim encontra-se comprovado nos autos, tendo inclusive o próprio acusado confirmado tal circunstância. Ocorre que, diferente do que fora dito pela acusação e pelo magistrado singular, a ausência de CNH (que consubstancia a inobservância de uma disposição regulamentar) não enseja nos dias atuais, por si só, presunção de culpa na ação do réu, devendo haver comprovação de que a sua conduta, de certo, concorreu para a ocorrência do delito. Precedentes e doutrina.
7. Em igual sentido, tem-se que não ficou demonstrado que o fato de o acusado ter ingerido uma lata de cerveja antes do acidente influenciou na sua ocorrência, já que, pelas circunstâncias narradas e considerando a entrada abrupta da bicicleta na frente da moto (cabendo repetir que, em juízo, as alegações do réu formaram a única versão apresentada sobre a dinâmica dos fatos), a colisão poderia ter se dado com qualquer outra pessoa que transitasse no lugar do acusado, quer tivesse bebido ou não.
8. Assim, não há no feito elementos que demonstrem que o réu agiu com quebra do dever objetivo de cuidado. Na verdade, as peculiaridades do fato conduzem à conclusão de que os ofendidos optaram por atravessar na frente da motocicleta, quando na verdade deveriam ter esperado que o veículo passasse, para que só então pudessem adentrar na pista com segurança circunstâncias estas que, ao que parece, causaram o acidente.
9. Nesta senda, não havendo prova cabal da alegada quebra de dever objetivo de cuidado por parte do réu e não sendo mais admitida pelo Direito Penal a responsabilidade objetiva, impossível se mostra a manutenção da condenação do apelante, sendo necessária sua absolvição.
10. Mencione-se, por fim, que seria inviável realizar a desclassificação da conduta imputada ao recorrente para o delito do art. 309 do CTB, já que o referido tipo penal exige que a pessoa sem habilitação dirija seu veículo de forma a gerar perigo de dano, situação da qual, repita-se, não se tem notícia nos autos. Precedentes.
11. Também não poderia haver desclassificação para o tipo penal do art. 306 do CTB, pois o fato ocorreu sob a égide da Lei 11.705/2008, quando só era possível demonstrar a materialidade do apontado delito através de exames técnicos (sangue ou bafômetro) que comprovassem a concentração de álcool no organismo do agente, o que não foi feito no caso em tela, pois há apenas exame clínico (fl. 84). Precedentes.
RECURSO CONHECIDO, PARA REJEITAR A PRELIMINAR ARGUIDA E, NO MÉRITO, DAR-LHE PROVIMENTO.
ACORDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação criminal nº 0430602-15.2010.8.06.0001, ACORDAM os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade, em conhecer do recurso de apelação e lhe dar provimento, ficando ainda rejeitada a preliminar arguida, nos termos do voto do Relator.
Fortaleza, 22 de maio de 2018
DESEMBARGADOR MÁRIO PARENTE TEÓFILO NETO
Relator
Data do Julgamento
:
22/05/2018
Data da Publicação
:
22/05/2018
Classe/Assunto
:
Apelação / Crimes de Trânsito
Órgão Julgador
:
1ª Câmara Criminal
Relator(a)
:
MARIO PARENTE TEÓFILO NETO
Comarca
:
Fortaleza
Comarca
:
Fortaleza
Mostrar discussão