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Jurisprudência


TJCE 0622037-71.2016.8.06.0000

Ementa
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO DE PERMUTA E INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA PARA O LEVANTAMENTO DA GARANTIA HIPOTECÁRIA. CARÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. INOCORRÊNCIA. EXPOSIÇÃO DOS MOTIVOS QUE BALIZARAM A DECISÃO. PRESENÇA DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 273 DO CPC/73. ALEGAÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO (exceptio non adimpleti contractus). NECESSIDADE DE AMPLA DILAÇÃO PROBATÓRIA. APRECIAÇÃO QUE SE MOSTRA INVIÁVEL NOS LIMITES COGNITIVOS DO PRESENTE INSTRUMENTAL. REVOGABILIDADE DA MEDIDA QUE PODERÁ REPERCUTIR NA ESFERA JURÍDICA DE TERCEIROS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. DECISÃO MANTIDA. No tocante à admissibilidade, impõe-se assinalar que o recurso é cabível na espécie, foi manejado por que quem detém legítimo interesse, tempestivamente interposto (fls. 98/99) e realizado o preparo (fl. 118), razão pela qual dele tomo conhecimento. Cumpre ainda ressaltar que, inobstante tenha a então Relatora protraído o exame do pleito liminar de suspensividade do decisum agravado para momento ulterior à angulação recursal, consoante despacho de fl. 290, o comparecimento da parte agravada perante este r. Juízo ad quem, contrariando os argumentos suscitados pela recorrente, findou por tornar o vertente instrumental apto ao seu enfrentamento meritório, na medida em que restaram finalmente cinzeladas as circunstâncias de fato e de direito necessárias à revisão da decisão ora adversada por esta Egrégia Corte de Justiça. Nessa perspectiva, no sentido de priorizar uma prestação jurisdicional mais célere e eficiente, inibindo-se a produção de atos processuais desnecessários, e a fim de assegurar a primazia das decisões de mérito, enquanto garantia processual das partes, passo, doravante, ao exame do presente agravo de instrumento. Antes, porém, de adentrar ao exame do decisum impugnado, impende afirmar que neste agravo só se discute o acerto ou desacerto da decisão que deferiu a antecipação de tutela requerida pela autora/agravada, sendo todo o mais matéria a ser decidida pela via judicial adequada que, a rigor, depende do exaurimento da cognição. Quanto aos fatos, da análise dos autos digitais, colhe-se que as partes em litígio, por meio de instrumento particular, celebraram contrato de permuta e incorporação imobiliária, cujo objeto era a permuta de um terreno de propriedade da requerida/agravante, objeto da matrícula nº. 3.676 do Cartório de Registro de Imóveis da 5ª Zona desta Capital, em troca de valor líquido e certo já adimplido, bem como na permuta de unidades residenciais a serem construídas pela autora/agravada no imóvel permutado, tipo de negócio este comum no âmbito da construção civil. Extrai-se que os contratantes, conforme pactuado no item 3.1 do instrumento contratual, com as alterações constantes do primeiro aditivo, acordaram que a requerida/agravante, Ferrari Engenharia Ltda, transferiria (como transferido foi) o imóvel descrito para o domínio e posse da autora/agravada, J. Lustosa Construções Ltda - EPP, e, em troca (a título de pagamento/permuta), a agravante receberia a quantia de R$ 490.000,00 (quatrocentos e noventa mil reais), mais 07 (sete) unidades residenciais autônomas, que deveriam (como foram) ser construídas pela agravada no imóvel/terreno objeto da permuta. Consta ainda da inicial da ação de origem que pela agravada foi erguido no imóvel permutado um Edifício Residencial denominado de Edifício Mistral, composto por 18 (dezoito) pavimentos, sendo subsolo com 41 (quarenta e uma) vagas de garagem, térreo com 39 (trinta e nove) vagas de garagem, pilotis com 10 (dez) vagas de garagem e 15 (quinze) pavimentos com 45 (quarenta e cinco) unidades residenciais, totalizando uma área total construída de 7.716,93 m2, o que seria demonstrado por meio de memorial descritivo anexado aos autos. Depreende-se pela leitura do instrumento contratual coligido aos autos que nos termos do item 5.7 considerar-se-ia como término da obra, para todos os efeitos do contrato, a data do protocolo do pedido de expedição do "Habite-se" ou auto de conclusão parcial, pelo órgão público competente, ou ainda, da comunicação por escrito da segunda permutante aos adquirentes e à primeira permutante de que as unidades encontram-se em condições de habitabilidade, atendidas as exigências técnicas e legais, tomando-se por conclusão, dentre os dois, o evento que ocorrer primeiro. Ademais, vê-se que as partes, nos termos explicitados no item 5.7.2, acordaram que as unidades objeto do contrato de permuta seriam tidas como prontas e acabadas na data estipulada no item 5.7, ainda que na ocasião existam alguns serviços de acabamento a serem realizados em outras unidades ou nas partes comuns do edifício, circunstâncias estas que não poderão servir de pretexto para a primeira permutante se recusar a receber as chaves do imóvel ou impedir a instalação formal do condomínio. A agravada então ingressou em juízo afirmando ter cumprido sua parte no acordo, aduzindo que em 08 de janeiro de 2016, após os trâmites legais para a regularização da obra, a Prefeitura Municipal de Fortaleza expediu o Habite-se do empreendimento objeto do contrato, sendo que, a despeito de ter notificado a agravante, esta se mostrou recalcitrante em cumprir sua obrigação de proceder à baixa da hipoteca que fora gravada na matrícula do imóvel como garantia da execução das obras, razão pela qual pleiteou a antecipação dos efeitos da tutela, eis que não mais subsistiria razão para a manutenção da hipoteca na totalidade do empreendimento. Numa primeira abordagem, a agravante sustenta que o Magistrado a quo, ao conceder a antecipação de tutela, com esteio nas disposições do art. 273 do CPC/73, o fez de maneira açodada, mediante decisão desfundamentada, vilipendiando a majestade do art. 93, IX, da CF/88, eis que sequer declinou os motivos para a concessão da medida liminar, deixando, inclusive, de verificar se as cláusulas contratuais haviam sido plenamente respeitadas. Tal assertiva, todavia, não se coaduna com a realidade dos autos, na medida em que o Magistrado processante mencionou o seu entendimento, apontando os fundamentos de fato e de direito e os elementos de prova que formaram seu convencimento, atendendo dessa maneira o comando constitucional estampado no art. 93, IX, da Carta Magna, não merecendo, portanto, o estigma de desfundamentada. Demais disso, cumpre destacar que a lei exige que a decisão judicial seja fundamentada, mas não exige que o seja de forma exaustiva, bastando para tanto, que sejam devidamente expostos os motivos que balizaram aquela decisão, de forma a liberar o Magistrado de pormenoridades, não havendo confundir decisão sucinta e decisão carente de fundamentação. À continuidade, alega a agravante que não estariam presentes os requisitos necessários para a concessão da antecipação de tutela, não logrando o Magistrado em demonstrar que a demora na concessão da medida liminar poderia causar um dano irreparável (ou de difícil reparação) para a parte agravada, sem mencionar, inclusive, qualquer urgência que justificasse a concessão da tutela sem a prévia manifestação da recorrente, razão pela qual entende de rigor a imediata suspensão dos efeitos da decisão guerreada e, no mérito, sua própria revogação. Malgrado os argumentos suscitados pela parte agravante, tenho que a manutenção da decisão, nos termos em que prolatada, é medida que se impõe, eis que idoneamente fundamentada, além de se encontrarem presentes os requisitos exigidos para a concessão da tutela antecipatória, nos termos previstos no art. 273 do CPC/73 (art. 298, caput, c/c art. 300 na atual sistemática da legislação processual). De fato, após analisar detidamente os autos, constata-se a presença dos requisitos exigidos pelo antigo art. 273, caput, do Código de Processo Civil/73, atualmente correspondente aos art. 298, caput, c/c art. 300, ambos do CPC/2015, uma vez que os documentos acostados à exordial demonstraram a verossimilhança das alegações da autora (conclusão do empreendimento e entrega da obra com a expedição do habite-se pelo Município de Fortaleza) e o receio de impingir à agravada dano irreparável ou de difícil reparação (impedimento do exercício de sua atividade precípua a partir da venda das unidades autônomas e a possibilidade de causar lesão a terceiros adquirentes). No caso, exsurge do exame da documentação coligida aos autos que na cláusula 5.7 do instrumento contratual (fls. 49/65), as partes, de comum acordo, estabeleceram que "considerar-se-á como término da obra, para todos os efeitos deste contrato, a data do protocolo do pedido de expedição do "Habite-se" ou auto de conclusão parcial, pelo órgão público competente, ou ainda, da comunicação por escrito da SEGUNDA PERMUTANTE aos adquirentes e à PRIMEIRA PERMUTANTE de que as unidades encontram-se em condições de habitabilidade, atendidas as exigências técnicas e legais, tomando-se por conclusão, dentre os dois, o evento que ocorrer primeiro." De tal sorte, inquestionável a verossimilhança da alegação (relevância da fundamentação), como bem explicou o i. Magistrado a quo, logrando êxito a autora em comprovar a existência do contrato de permuta, juntando cópia do instrumento à exordial, além de ter demonstrado a efetiva conclusão e entrega da obra, a partir da expedição do habite-se pela Prefeitura Municipal de Fortaleza, ensejando, pois, a formalização do condomínio, o que somente seria possível mediante o cancelamento da garantia hipotecária, conforme as próprias partes acordaram, de forma expressa no item 5.7 do instrumento contratual firmado pelos litigantes. Lado outro, neste caso concreto e específico, tem-se presente o risco de dano irreparável ou de difícil reparação a que estaria sujeita a parte agravada, na medida em que, caso não fosse deferida a antecipação de tutela, estaria inviabilizada a constituição do condomínio e a consequente venda dos apartamentos, pois os adquirentes das unidades autônomas somente poderiam usufruir do pleno direito à propriedade, a partir do desmembramento e da respectiva abertura de matrícula das respectivas frações ideais, o que somente se concretizaria por meio do cancelamento do gravame hipotecário. Assim, uma vez que as próprias partes litigantes avençaram, de forma expressa, que o término da obra, para todos os efeitos do contrato, se aperfeiçoaria com a expedição do habite-se pelo poder público municipal, o que de fato ocorreu (fls. 72), e que, mediante notificação (fls. 75/80), a requerida/agravante deveria proceder à baixa na hipoteca, conforme expressamente pactuado, razão não haveria para que fosse denegado o pleito antecipatório, sob pena de impingir à agravada danos irreparáveis ou de difícil reparação, pois estaria impossibilitada de efetuar a formalização do condomínio e a venda das demais unidades do empreendimento já concluído. Não se desconhece, a propósito, a validade do instituto da exceptio non adimpleti contractus, tal como previsto no art. 476 do Código Civil. Nada obstante, a verificação acerca do possível descumprimento de cláusulas contratuais por parte da agravada, por óbvio, demanda ampla dilação probatória, o que deverá ser melhor analisado através da via judicial adequada, com a produção das provas requeridas pelas partes, algumas delas a reclamar, inclusive, a realização de prova pericial, o que se torna inviável em face dos limites cognitivos próprios do presente instrumental. Ademais, é de se notar que a medida já foi efetivamente cumprida, com o cancelamento da hipoteca perante o CRI da 5ª Zona desta Capital, bem como efetivado o registro da incorporação do empreendimento e da instituição e convenção do condomínio, além da abertura de matrículas individualizadas para cada uma das unidades autônomas, aspecto que torna visível o perigo de lesão grave e de difícil reparação reverso, já que a revogação da decisão implicaria provável repercussão na esfera jurídica de terceiros que adquiriram suas unidades de boa-fé, além do prejuízo causado à parte agravada em face da provável dificuldade para a realização da venda das unidades remanescentes. Recurso conhecido e desprovido, mantendo-se inalterada a decisão hostilizada. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Desembargadores que integram a 2ª Câmara Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, sem discrepância de votos, em CONHECER do recurso interposto, NEGANDO-LHE, todavia, provimento, mantendo-se inalterada a decisão hostilizada, tudo em conformidade com o voto do eminente Relator. Fortaleza,11 de abril de 2018 CARLOS ALBERTO MENDES FORTE Presidente do Órgão Julgador DESEMBARGADOR FRANCISCO GOMES DE MOURA Relator

Data do Julgamento : 11/04/2018
Data da Publicação : 11/04/2018
Classe/Assunto : Agravo de Instrumento / Espécies de Contratos
Órgão Julgador : 2ª Câmara Direito Privado
Relator(a) : FRANCISCO GOMES DE MOURA
Comarca : Fortaleza
Comarca : Fortaleza
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