TJCE 0622147-02.2018.8.06.0000
AGRAVO DE INSTRUMENTO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. SISTEMA DE AUTOGESTÃO. INAPLICABILIDADE DO CDC. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL E LEGISLAÇÃO PERTINENTE. SÚMULA Nº 608, DO STJ. DOENÇA CORONÁRIA (INSUFICIÊNCIA CARDÍACA (ICC CF II). IMPLANTE DA VALVA AÓRTICA POR TÉCNICA PERCUTÂNEA - EVOLUT R (MEDTRONIC). NEGATIVA DE PROCEDIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. SITUAÇÃO DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA. RISCO DE VIDA EVIDENCIADO. ALEGAÇÃO DE TRATAMENTO NÃO PREVISTO NO ROL DA ANS. AFASTADO. ROL EXEMPLIFICATIVO. OBRIGAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - SUS. INACEITABILIDADE. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ART. 300, DO CPC/2015. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO EM PARTE. DECISÃO DE PISO REFORMADA PARCIALMENTE.
1. In casu, da detida análise dos autos, observa-se que a recorrida foi diagnosticada com quadro sincopal e sintomas de insuficiência cardíaca (ICC CF II), sendo indicado a substituição valvar aórtica, por técnica percutânea, com maior celeridade, procedimento este negado pela operadora de saúde, sendo, no entanto, deferido pelo d. Magistrado de Piso (fls. 30-34).
2. Inconformada, a caixa de assistência à saúde alega, em suma, o seguinte: a) que não tem condições de suportar com os custos do tratamento de que carece a agravada; b) que é da competência do Estado garantir o direito à saúde da população; c) que o CDC não é aplicável à espécie; d) que referido tratamento é autorizado pela ANS; e e) que o cumprimento da medida tem caráter de irreversibilidade, pois uma vez realizada a cirurgia, não haverá como ser revertida.
3. O Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento acerca da inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor com a aprovação, em 11.04.2018 (DJe de 17.04.2018), da Súmula nº 608, com a seguinte redação: "Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão". Em contrapartida, a referida Corte cancelou a Súmula nº 469, do STJ.
4. Precedentes do STJ: REsp: 1735459 SP 2018/0085505-1, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Publicação: DJ 04/05/2018; AgInt no REsp 1358893 PE, Rel. Ministro LUIZ FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 21//11/2017, DJe 23/11/2017; (REsp 1673366 RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/08/2017, DJe 21/08/2017.
5. Entretanto, a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor não é suficiente para autorizar qualquer limitação ou exclusão contratual nos planos de autogestão, posto que estes se submetem aos ditames da Lei 9.656/98 e demais dispositivos legais relativos à matéria. Desta feita, nos termos dos arts. 423 e 424, do CC, e art. 1º, da Lei dos plano de saúde, o fato de a agravante Postal Saúde ser entidade de autogestão, sem fins lucrativos, não altera a solução da demanda, na medida em que permanece sendo operadora de plano de saúde, e, nessa condição, deve observar os princípios da função social do contrato e da boa-fé contratual.
6. Segundo se apura do exame da documentação médica acostada aos fólios, o quadro clínico da paciente/agravada, que conta com 75 (setenta e cinco) anos de idade, é gravíssimo, bastando que se leia com atenção, para tanto, o Relatório expedido pelo Dr. José Maria Bezerra Filho - C.R.M. 7733, cardiologista que assiste à paciente, onde descreve a necessidade do procedimento de urgência e emergência, mediante a liberação dos procedimentos "OPME SEM TUSS, Colação de Cateter intracavitário para monitorização hemodinâmica, Angiografia por cateterismo não seletivo de grande vaso, Valvoplastia percutânea por via arterial ou venosa e troca valvar", razão pela qual se mostra inconcebível, de início, a negativa da Caixa de Assistência recorrente.
7. Quanto a argumentativa de que o referido tratamento é autorizado pela ANS, posto que não consta em seu rol, não serve para justificar a negativa de autorização, pois as tabelas dos órgãos reguladores não exaurem a relação de procedimentos ou exames, dispondo apenas sobre o mínimo que os planos de saúde devem oferecer aos seus usuários/beneficiários.
8. Ademais, tratando-se de doença coberta, é de competência do especialista, e não da operadora do plano, a escolha da terapia e tratamentos relativos à patologia, sob pena de desnaturar os objetivos inerentes à própria natureza do contrato (art. 424 do Código Civil e art. 1º da Lei nº 9.656/1998).
9. Também não merece acolhimento a alegação da recorrente de que a saúde é uma obrigação ilimitada do Estado, e, em razão disso, deveria arcar com as solicitações exoradas pela recorrida. Não obstante a previsão constitucional de que é dever do Estado a prestação de assistência à saúde, nos termos dos arts. 196 e 198 da Constituição Federal, há de se ressaltar que a agravada é beneficiária do plano de saúde demandado, cabendo a ela, pois, a faculdade de litigar em desfavor da caixa de assistência à saúde ou do ente federado.
10. Logo, correta a decisão do Magistrado a quo, posto que verifica-se a presença do periculum in mora inverso, uma vez que eventual reforma da decisão farpeada poderia, em tese, estimular o seu descumprimento pela recorrente, no sentido de impedir ou dificultar o acesso ao tratamento suplicado, correndo-se o risco de agravar o estado clínico da recorrida ou até, proporcionar novos danos à sua saúde.
11. Ademais, há de se ressaltar que inexiste perigo de irreversibilidade da medida, tendo em vista que, em caso de eventual improcedência do pedido, poderá a agravante proceder à cobrança das verbas que reputa sem cobertura contratual.
12. Recurso conhecido e provido em parte. Decisão de Piso reformada parcialmente para tão somente afastar a incidência do Código de Defesa do Consumidor, mantendo os demais termos ali consignados.
ACÓRDÃO
Acordam os Desembargadores integrantes da Segunda Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, em conhecer e julgar parcialmente provido o presente recurso, tudo de conformidade com o voto da e. Relatora.
Ementa
AGRAVO DE INSTRUMENTO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. SISTEMA DE AUTOGESTÃO. INAPLICABILIDADE DO CDC. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL E LEGISLAÇÃO PERTINENTE. SÚMULA Nº 608, DO STJ. DOENÇA CORONÁRIA (INSUFICIÊNCIA CARDÍACA (ICC CF II). IMPLANTE DA VALVA AÓRTICA POR TÉCNICA PERCUTÂNEA - EVOLUT R (MEDTRONIC). NEGATIVA DE PROCEDIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. SITUAÇÃO DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA. RISCO DE VIDA EVIDENCIADO. ALEGAÇÃO DE TRATAMENTO NÃO PREVISTO NO ROL DA ANS. AFASTADO. ROL EXEMPLIFICATIVO. OBRIGAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - SUS. INACEITABILIDADE. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ART. 300, DO CPC/2015. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO EM PARTE. DECISÃO DE PISO REFORMADA PARCIALMENTE.
1. In casu, da detida análise dos autos, observa-se que a recorrida foi diagnosticada com quadro sincopal e sintomas de insuficiência cardíaca (ICC CF II), sendo indicado a substituição valvar aórtica, por técnica percutânea, com maior celeridade, procedimento este negado pela operadora de saúde, sendo, no entanto, deferido pelo d. Magistrado de Piso (fls. 30-34).
2. Inconformada, a caixa de assistência à saúde alega, em suma, o seguinte: a) que não tem condições de suportar com os custos do tratamento de que carece a agravada; b) que é da competência do Estado garantir o direito à saúde da população; c) que o CDC não é aplicável à espécie; d) que referido tratamento é autorizado pela ANS; e e) que o cumprimento da medida tem caráter de irreversibilidade, pois uma vez realizada a cirurgia, não haverá como ser revertida.
3. O Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento acerca da inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor com a aprovação, em 11.04.2018 (DJe de 17.04.2018), da Súmula nº 608, com a seguinte redação: "Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão". Em contrapartida, a referida Corte cancelou a Súmula nº 469, do STJ.
4. Precedentes do STJ: REsp: 1735459 SP 2018/0085505-1, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Publicação: DJ 04/05/2018; AgInt no REsp 1358893 PE, Rel. Ministro LUIZ FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 21//11/2017, DJe 23/11/2017; (REsp 1673366 RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/08/2017, DJe 21/08/2017.
5. Entretanto, a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor não é suficiente para autorizar qualquer limitação ou exclusão contratual nos planos de autogestão, posto que estes se submetem aos ditames da Lei 9.656/98 e demais dispositivos legais relativos à matéria. Desta feita, nos termos dos arts. 423 e 424, do CC, e art. 1º, da Lei dos plano de saúde, o fato de a agravante Postal Saúde ser entidade de autogestão, sem fins lucrativos, não altera a solução da demanda, na medida em que permanece sendo operadora de plano de saúde, e, nessa condição, deve observar os princípios da função social do contrato e da boa-fé contratual.
6. Segundo se apura do exame da documentação médica acostada aos fólios, o quadro clínico da paciente/agravada, que conta com 75 (setenta e cinco) anos de idade, é gravíssimo, bastando que se leia com atenção, para tanto, o Relatório expedido pelo Dr. José Maria Bezerra Filho - C.R.M. 7733, cardiologista que assiste à paciente, onde descreve a necessidade do procedimento de urgência e emergência, mediante a liberação dos procedimentos "OPME SEM TUSS, Colação de Cateter intracavitário para monitorização hemodinâmica, Angiografia por cateterismo não seletivo de grande vaso, Valvoplastia percutânea por via arterial ou venosa e troca valvar", razão pela qual se mostra inconcebível, de início, a negativa da Caixa de Assistência recorrente.
7. Quanto a argumentativa de que o referido tratamento é autorizado pela ANS, posto que não consta em seu rol, não serve para justificar a negativa de autorização, pois as tabelas dos órgãos reguladores não exaurem a relação de procedimentos ou exames, dispondo apenas sobre o mínimo que os planos de saúde devem oferecer aos seus usuários/beneficiários.
8. Ademais, tratando-se de doença coberta, é de competência do especialista, e não da operadora do plano, a escolha da terapia e tratamentos relativos à patologia, sob pena de desnaturar os objetivos inerentes à própria natureza do contrato (art. 424 do Código Civil e art. 1º da Lei nº 9.656/1998).
9. Também não merece acolhimento a alegação da recorrente de que a saúde é uma obrigação ilimitada do Estado, e, em razão disso, deveria arcar com as solicitações exoradas pela recorrida. Não obstante a previsão constitucional de que é dever do Estado a prestação de assistência à saúde, nos termos dos arts. 196 e 198 da Constituição Federal, há de se ressaltar que a agravada é beneficiária do plano de saúde demandado, cabendo a ela, pois, a faculdade de litigar em desfavor da caixa de assistência à saúde ou do ente federado.
10. Logo, correta a decisão do Magistrado a quo, posto que verifica-se a presença do periculum in mora inverso, uma vez que eventual reforma da decisão farpeada poderia, em tese, estimular o seu descumprimento pela recorrente, no sentido de impedir ou dificultar o acesso ao tratamento suplicado, correndo-se o risco de agravar o estado clínico da recorrida ou até, proporcionar novos danos à sua saúde.
11. Ademais, há de se ressaltar que inexiste perigo de irreversibilidade da medida, tendo em vista que, em caso de eventual improcedência do pedido, poderá a agravante proceder à cobrança das verbas que reputa sem cobertura contratual.
12. Recurso conhecido e provido em parte. Decisão de Piso reformada parcialmente para tão somente afastar a incidência do Código de Defesa do Consumidor, mantendo os demais termos ali consignados.
ACÓRDÃO
Acordam os Desembargadores integrantes da Segunda Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, em conhecer e julgar parcialmente provido o presente recurso, tudo de conformidade com o voto da e. Relatora.
Data do Julgamento
:
27/06/2018
Data da Publicação
:
27/06/2018
Classe/Assunto
:
Agravo de Instrumento / Planos de Saúde
Órgão Julgador
:
2ª Câmara Direito Privado
Relator(a)
:
MARIA DE FÁTIMA DE MELO LOUREIRO
Comarca
:
Fortaleza
Comarca
:
Fortaleza
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