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Jurisprudência


TJCE 0628252-63.2016.8.06.0000

Ementa
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL COM PARTILHA DE BENS E ALIMENTOS. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DEFERIMENTO DA TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITOS PREVISTOS NO ARTIGO 300, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, DEMONSTRADOS. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. INSCRIÇÃO DA CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE DOS BENS IMÓVEIS E VEÍCULOS REGISTRADOS EM NOME DAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS ADMINISTRADAS PELO CONVIVENTE VARÃO. PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO ADQUIRIDO PELO CASAL DURANTE A CONVIVÊNCIA E REGISTRADOS EM NOME DAS EMPRESAS. GARANTIA DA JUSTA PARTILHA DE BENS. POSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. DECISÃO MANTIDA. 1. Cinge-se à controvérsia ao exame da possibilidade de concessão de tutela de urgência inaudita altera parte em Incidente de Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica; da configuração de violação da ampla defesa e do contraditório, em virtude do deferimento da tutela liminar; da alegação de que a agravada não demonstrou os requisitos do artigo 300, do CPC para fins de obtenção da tutela provisória de urgência, assim como verificar o cabimento de bloqueio dos bens sob a titularidade das empresas administradas pelo recorrente, não obstante a sua condição de sócio minoritário. 2. A desconsideração inversa da personalidade jurídica é um desmembramento teórico da desconsideração da personalidade jurídica comum, cuja sede normativa precípua é o artigo 50, do Código Civil a seguir transcrito e ocorre quando seus sócios ou administradores se utilizam da pessoa jurídica para a satisfação de seus interesses pessoais. "Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica." 3. Nesse sentido, o Enunciado 283, do IV Jornada de Direito Civil, dispõe que: É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada "inversa" para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízos a terceiros." 4. No âmbito do Direito de Família, o mencionado instituto vem sendo utilizado para combater ações desonestas e ardis articuladas para omitir bens com o claro e inequívoco fito de ludibriar alguém que possui legítimo direito sobre eles. Assim, nos casos de divórcio, partilha de bens ou pensão alimentícia, pode ser utilizado como remédio adequado para combater ação do cônjuge que "esconde" um bem do casal transferindo-o para a empresa pessoa jurídica do qual é sócio subtraindo e reduzindo o acervo a ser partilhado pelo casal. 5. Sobre a matéria, o Superior Tribunal de Justiça -STJ, ao julgar o REsp 1.236.916, da relatoria da Ministra Nancy Andrighi, interposto de decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande Sul, aplicou a desconsideração inversa da personalidade jurídica para proteger direto de cônjuge em partilha. No voto, esclareceu a relatora que "há situações em que o cônjuge ou companheiro esvazia o patrimônio pessoal, enquanto pessoa natural, e o integraliza na pessoa jurídica, de modo a afastar o outro da partilha. Também há situações em que, às vésperas do divórcio ou da dissolução da união estável, o cônjuge ou companheiro efetiva sua retirada aparente da sociedade, transferindo a participação para outro membro da empresa ou para terceiro, também com o objetivo de fraudar a partilha." 6. Dessa forma, a parte prejudicada poderá invocar a desconsideração da personalidade jurídica ao inverso para reaver o bem ou a parcela que fora omitida ou subtraída do acervo comum com o objetivo inequívoco de fraudar a sua divisão consoante previsão legal, cujo procedimento encontra-se disposto nos artigos 133 a 137, do Código de Processo Civil. 7. Na hipótese, a autora da Ação de Reconhecimento e Dissolução de União Estável com Partilha de Bens e Alimentos, requereu a instauração do Incidente de Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica durante o trâmite da ação principal, quando ainda sequer foi realizada a audiência de conciliação, o que denota o atendimento a norma insculpida no artigo 134, do Código de Processo Civil, o qual prescreve que: "O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial." 8. Nessa perspectiva, também foi atendido pela recorrida a norma insculpida no § 4º, do artigo retrocitado quanto ao requisito da existência de prova que evidencia a plausibilidade da alegação, posto que na espécie, o incidente, se funda no fato de que a maioria dos bens alegadamente adquiridos pelo ex casal durante o lapso da união estável se encontram registrados em nome das Empresas Gráfica Minerva LTDA e ACL Barbosa EPP, as quais são de titularidade do demandado/recorrente e por este, administradas. 9. Portanto, de acordo com o ordenamento jurídico acima delineado, a agravada atendeu as formalidades legais para requerer a instauração do Incidente de Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica e a norma inserta no artigo 300, do Código de Processo Civil autoriza o Julgador a conceder a tutela de urgência, caso a parte demonstre os requisitos ali consignados, liminarmente. 10. No caso em análise, pelo acervo produzido nos autos originários (Proc. 0177647-15.2015.8.06.0001), a autora do Incidente logrou êxito em demonstrar os requisitos insculpidos no artigo 300, do CPC, consistentes na probabilidade do direito, representado pelo fato da mesma residir em imóvel situado na Avenida Beira Mar, 4620, apto. 2201, nesta cidade de Fortaleza/CE, registrado em nome da Gráfica Minerva LTDA, mas de fato, pertencente ao ex casal, bem como a existência de extenso rol de bens imóveis em nome da mencionada Gráfica, sem qualquer relação com a sua atividade-fim. Já o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, restou configurado em virtude da possibilidade do promovido alienar os bens, excluindo-os da partilha e, por conseguinte, tolhendo o direito de meação da sua ex convivente. 11. Dessa forma, demonstrados os requisitos do art. 300, do CPC, é admissível ao Juízo da causa deferir a tutela de urgência, conservativa ou satisfativa, adequada para garantir o resultado útil do processo, em razão do poder geral de prevenção, instituídos pelos artigos 297 e 301, do CPC, a qual, no caso, consiste apenas na determinação de inscrição da cláusula de inalienabilidade nos registros dos bens imóveis e veículos realizados em nome das Empresas Gráfica Minerva LTDA e ACL Barbosa, não havendo o que se falar em cerceamento de defesa do promovido/agravante, uma vez que o Magistrado a quo assim o fez autorizado pelo § 2º, do artigo 300, do CPC, tendo na mesma decisão concessiva da liminar, determinado a citação das empresas de titularidade do ora recorrente. 12. Relativamente ao inconformismo do agravante quando alega que a inalienabilidade dos bens deve se restringir a sua participação nas empresas, impõe-se destacar que, conforme Contratos Sociais colacionados aos fólios principais (fls. 45-53), a empresa Gráfica Minerva LTDA sempre teve o recorrente como sócio majoritário e administrador, sendo que a sua irmã, Maria Elba Barbosa, tinha participação societária minoritária e sem qualquer interferência nos atos administrativos da empresa. Todavia, observa-se, in casu, que de forma súbita, o recorrente, em janeiro de 2002 (fls. 55-56), transferiu, de forma graciosa, a maioria das suas quotas (97,73%) para a irmã, no entanto, os atos de administração permaneceram reservados a si, decorrendo a presunção de que o mesmo na sua condição de sócio majoritário da pessoa jurídica dissimulou a transferência de grande parte do capital social para interposta pessoa, que por coincidência é a sua irmã e sempre fora até o presente, mera sócia quotista, com o visível intuito de fraudar uma eventual partilha de bens e fixação de verba alimentar. 13. Assim, com vista a garantir a justa partilha dos bens adquiridos pelo ex casal ao longo dos trinta anos de convivência, resultando dessa união três filhos, hoje, todos maiores de idade, escorreita foi a decisão que, baseada nos pressupostos do artigo 300, do Código de Processo Civil e no Poder Geral de Cautela (art. 297 e 301, do CPC), deferiu a tutela de urgência no sentido de determinar a inscrição da cláusula de inalienabilidade no registro dos bens imóveis e veículos, existentes em nome das Empresas Gráfica Minerva Ltda e ACL Barbosa, controladas e administradas por seu sócio minoritário, ora recorrente. 14. Recurso conhecido e improvido. ACÓRDÃO Acordam os Desembargadores integrantes da Segunda Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, unanimemente, em conhecer do recurso interposto e negar-lhe provimento, nos termos do voto da relatora.

Data do Julgamento : 30/05/2018
Data da Publicação : 30/05/2018
Classe/Assunto : Agravo de Instrumento / Reconhecimento / Dissolução
Órgão Julgador : 2ª Câmara Direito Privado
Relator(a) : MARIA DE FÁTIMA DE MELO LOUREIRO
Comarca : Fortaleza
Comarca : Fortaleza
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