TJCE 0636253-93.2000.8.06.0001
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DIREITO À INFORMAÇÃO DE ATOS ESTATAIS. DISPONIBILIZAÇÃO NA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES DE NOMES E DE SALÁRIOS DE MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE ADMINISTRATIVA. PREVALÊNCIA. AUSÊNCIA DE TERMOS PEJORATIVOS POR PARTE DO ESTADO SUSCETÍVEIS DE GERAR PREJUÍZOS EXTRAPATRIMONIAIS AOS EMBARGANTES. NÃO OCORRÊNCIA DE VULNERAÇÃO À INTIMIDADE, NEM ATO OFENSIVO OU DEPRECIATIVO QUE JUSTIFIQUE A PRETENSA REPARAÇÃO. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DESTE EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. ACÓRDÃO MANTIDO.
1. Cuida-se de Embargos Infringentes interpostos por Pedro Casimiro Campos de Oliveira e outros, adversando Acórdão da extinta 8ª Câmara Cível deste egrégio Tribunal de Justiça que, por maioria de votos, deu provimento à remessa necessária e à apelação de nº. 0636253-93.2000.8.06.0001, no sentido de reformar o comando sentencial promando no Juízo de origem, que havia julgado procedentes os pedidos formulados na ação indenizatória em referência.
2. Sustentam os embargantes, em resumo: a) que o Estado do Ceará publicou uma lista contendo os seus nomes e as respectivas remunerações, identificando-os como servidores com remuneração bruta acima de R$7.800,00 (sete mil e oitocentos reais); b) que a indigitada lista foi comentada pela população e analisada pela imprensa, que passaram a denominar os agentes nominados de "marajás" dos serviços públicos, "barnabés milionários" e "beneficiários de supersalários"; e c) que a referida conduta estatal representou causa direta de desqualificação social e deterioração da reputação e da autoestima dos membros epigrafados, restando evidenciada sua responsabilidade civil e o dever de indenizar.
3. Pois bem. A matéria posta em descortinamento ascende aparente conflito entre direitos fundamentais elencados na Constituição Cidadã, quais sejam: o direito à intimidade, à honra e à vida privada, como reflexos do princípio da dignidade da pessoa-humana e o direito de acesso à informação, sob o enfoque da supremacia do interesse público.
4. Se de um lado está previsto no art. 5°, X, da CF/88 a garantia da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, de outro, no inciso XXXIII do mesmo artigo, resta assegurado ao cidadão o direito a informações relativas a órgãos públicos. Sopesando-se estes dois bens juridicamente tutelados, deve prevalecer o direito à informação dos atos administrativos praticados pelo Poder Público, no qual está incluída a divulgação das remunerações pagas aos agentes públicos.
5. Sob essa lente, me parece inexistir ato comissivo ilícito perpetrado pelo Estado do Ceará, suscetível de malferir a integridade moral dos embargantes, na medida em que a divulgação dos nomes, cargos e salários de agentes públicos, incluindo os agentes políticos, não ofende o direito constitucional à privacidade. Precedentes do Supremo Tribunal Federal.
6. Logo, o Acórdão adversando não comporta nenhum reproche, porquanto embora possa se sustentar que a divulgação dos vencimentos dos membros do Parquet gerou exposição dos embargantes, tal incidente apenas pode ser caracterizado, em última análise, como mero dissabor, irritação ou aborrecimento, até porque os próprios recorrentes admitem que valor da remuneração divulgada pelo demandado representou exatamente a contraprestação pecuniária percebida à época.
7. Não bastasse isso, o fato de a Lei nº. 12.527/2011 (que regula o acesso às informações) ter sido editada apenas em 2011 não permite concluir que antes da referida data os salários dos servidores públicos estariam acobertados sob o pretenso manto do sigilo ou que seriam imunes à divulgação pelo Estado e pela Impressa, pois tal interpretação violaria os princípios da moralidade, impessoalidade e publicidade que regem toda a atuação da Administração Pública.
8. Em outras palavras, independentemente da existência ou não de lei regulamentando o acesso de informações, os gastos públicos e a remuneração dos servidores públicos sempre tiveram regidos pelo princípio da publicidade, razão pela qual a divulgação das vantagens financeiras recebidas não configurou, na espécie, conduta apta a causar ofensa à honra ou à intimidade dos embargantes.
9. Na hipótese vertente, não houve nenhuma comprovação de abalo moral, inexistindo indicação específica do suposto prejuízo imaterial causado pelo evento, capaz de caracterizar ato ilícito praticado pela Administração Pública, até porque os supostos termos pejorativos indicados pelos postulantes foram produzidos pela impressa e não pelo ente estatal, o que representa ausência de nexo de causalidade entre o ato e o dano. Não se nega que a situação pode ter causado desconforto, desagrado, mas não se revelou suscetível de ocasionar prejuízos extrapatrimoniais aos recorrentes.
10. A propósito, esta emérita Corte de Justiça, em casos da mesma natureza - envolvendo a divulgação da remuneração de membros do Ministério Público desse Estado - se manifestou no sentido de que é legítima a divulgação de seus nomes e dos respectivos vencimentos, em atenção ao princípio da publicidade, inexistindo, nessa extensão, dano moral a ser indenizado. Precedentes.
11. Com efeito, não me resta outra medida a não ser desacolher a pretensão dos embargantes, até por um dever de uniformidade, estabilidade e integridade dos casos submetidos à apreciação deste Tribunal. É preciso ter coerência com o que aqui já foi decidido e igualdade perante a jurisdição. Não podemos deixar de aplicar um entendimento consolidado sem justificativa séria, palatável e devidamente exposta, pois é nosso dever decidir casos análogos com a mesma interpretação da questão jurídica comum a todos eles.
12. Embargos infringentes conhecidos e desprovidos. Acórdão mantido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos Infringentes de nº. 0636253-93.2000.8.06.0001/50001, em que são partes as acima relacionadas, ACORDAM os Desembargadores que compõem esta egrégia Seção de Direito Público, por , em conhecer do recurso, mas para negar-lhe provimento, nos termos do voto da eminente Relatora, parte integrante desta.
Fortaleza/CE, 26 de setembro de 2017.
Desa. Lisete de Sousa Gadelha
Relatora
Ementa
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DIREITO À INFORMAÇÃO DE ATOS ESTATAIS. DISPONIBILIZAÇÃO NA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES DE NOMES E DE SALÁRIOS DE MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE ADMINISTRATIVA. PREVALÊNCIA. AUSÊNCIA DE TERMOS PEJORATIVOS POR PARTE DO ESTADO SUSCETÍVEIS DE GERAR PREJUÍZOS EXTRAPATRIMONIAIS AOS EMBARGANTES. NÃO OCORRÊNCIA DE VULNERAÇÃO À INTIMIDADE, NEM ATO OFENSIVO OU DEPRECIATIVO QUE JUSTIFIQUE A PRETENSA REPARAÇÃO. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DESTE EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. ACÓRDÃO MANTIDO.
1. Cuida-se de Embargos Infringentes interpostos por Pedro Casimiro Campos de Oliveira e outros, adversando Acórdão da extinta 8ª Câmara Cível deste egrégio Tribunal de Justiça que, por maioria de votos, deu provimento à remessa necessária e à apelação de nº. 0636253-93.2000.8.06.0001, no sentido de reformar o comando sentencial promando no Juízo de origem, que havia julgado procedentes os pedidos formulados na ação indenizatória em referência.
2. Sustentam os embargantes, em resumo: a) que o Estado do Ceará publicou uma lista contendo os seus nomes e as respectivas remunerações, identificando-os como servidores com remuneração bruta acima de R$7.800,00 (sete mil e oitocentos reais); b) que a indigitada lista foi comentada pela população e analisada pela imprensa, que passaram a denominar os agentes nominados de "marajás" dos serviços públicos, "barnabés milionários" e "beneficiários de supersalários"; e c) que a referida conduta estatal representou causa direta de desqualificação social e deterioração da reputação e da autoestima dos membros epigrafados, restando evidenciada sua responsabilidade civil e o dever de indenizar.
3. Pois bem. A matéria posta em descortinamento ascende aparente conflito entre direitos fundamentais elencados na Constituição Cidadã, quais sejam: o direito à intimidade, à honra e à vida privada, como reflexos do princípio da dignidade da pessoa-humana e o direito de acesso à informação, sob o enfoque da supremacia do interesse público.
4. Se de um lado está previsto no art. 5°, X, da CF/88 a garantia da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, de outro, no inciso XXXIII do mesmo artigo, resta assegurado ao cidadão o direito a informações relativas a órgãos públicos. Sopesando-se estes dois bens juridicamente tutelados, deve prevalecer o direito à informação dos atos administrativos praticados pelo Poder Público, no qual está incluída a divulgação das remunerações pagas aos agentes públicos.
5. Sob essa lente, me parece inexistir ato comissivo ilícito perpetrado pelo Estado do Ceará, suscetível de malferir a integridade moral dos embargantes, na medida em que a divulgação dos nomes, cargos e salários de agentes públicos, incluindo os agentes políticos, não ofende o direito constitucional à privacidade. Precedentes do Supremo Tribunal Federal.
6. Logo, o Acórdão adversando não comporta nenhum reproche, porquanto embora possa se sustentar que a divulgação dos vencimentos dos membros do Parquet gerou exposição dos embargantes, tal incidente apenas pode ser caracterizado, em última análise, como mero dissabor, irritação ou aborrecimento, até porque os próprios recorrentes admitem que valor da remuneração divulgada pelo demandado representou exatamente a contraprestação pecuniária percebida à época.
7. Não bastasse isso, o fato de a Lei nº. 12.527/2011 (que regula o acesso às informações) ter sido editada apenas em 2011 não permite concluir que antes da referida data os salários dos servidores públicos estariam acobertados sob o pretenso manto do sigilo ou que seriam imunes à divulgação pelo Estado e pela Impressa, pois tal interpretação violaria os princípios da moralidade, impessoalidade e publicidade que regem toda a atuação da Administração Pública.
8. Em outras palavras, independentemente da existência ou não de lei regulamentando o acesso de informações, os gastos públicos e a remuneração dos servidores públicos sempre tiveram regidos pelo princípio da publicidade, razão pela qual a divulgação das vantagens financeiras recebidas não configurou, na espécie, conduta apta a causar ofensa à honra ou à intimidade dos embargantes.
9. Na hipótese vertente, não houve nenhuma comprovação de abalo moral, inexistindo indicação específica do suposto prejuízo imaterial causado pelo evento, capaz de caracterizar ato ilícito praticado pela Administração Pública, até porque os supostos termos pejorativos indicados pelos postulantes foram produzidos pela impressa e não pelo ente estatal, o que representa ausência de nexo de causalidade entre o ato e o dano. Não se nega que a situação pode ter causado desconforto, desagrado, mas não se revelou suscetível de ocasionar prejuízos extrapatrimoniais aos recorrentes.
10. A propósito, esta emérita Corte de Justiça, em casos da mesma natureza - envolvendo a divulgação da remuneração de membros do Ministério Público desse Estado - se manifestou no sentido de que é legítima a divulgação de seus nomes e dos respectivos vencimentos, em atenção ao princípio da publicidade, inexistindo, nessa extensão, dano moral a ser indenizado. Precedentes.
11. Com efeito, não me resta outra medida a não ser desacolher a pretensão dos embargantes, até por um dever de uniformidade, estabilidade e integridade dos casos submetidos à apreciação deste Tribunal. É preciso ter coerência com o que aqui já foi decidido e igualdade perante a jurisdição. Não podemos deixar de aplicar um entendimento consolidado sem justificativa séria, palatável e devidamente exposta, pois é nosso dever decidir casos análogos com a mesma interpretação da questão jurídica comum a todos eles.
12. Embargos infringentes conhecidos e desprovidos. Acórdão mantido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos Infringentes de nº. 0636253-93.2000.8.06.0001/50001, em que são partes as acima relacionadas, ACORDAM os Desembargadores que compõem esta egrégia Seção de Direito Público, por , em conhecer do recurso, mas para negar-lhe provimento, nos termos do voto da eminente Relatora, parte integrante desta.
Fortaleza/CE, 26 de setembro de 2017.
Desa. Lisete de Sousa Gadelha
Relatora
Data do Julgamento
:
26/09/2017
Data da Publicação
:
26/09/2017
Classe/Assunto
:
Embargos Infringentes / Efeitos
Órgão Julgador
:
Seção de Direito Público
Relator(a)
:
LISETE DE SOUSA GADELHA
Comarca
:
Fortaleza
Comarca
:
Fortaleza
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