TJCE 0737148-71.2014.8.06.0001
APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO CULPOSO NO TRÂNSITO. ART. 302, CAPUT, DO CTB. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. CONDENAÇÃO MANTIDA. CONDUTOR QUE TRAFEGAVA NA CONTRAMÃO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONFIANÇA QUE DEVE HAVER ENTRE OS CONDUTORES NA CONVIVÊNCIA NO TRÂNSITO. RECURSO DESPROVIDO. CONDENAÇÃO A TÍTULO DE REPARAÇÃO PELOS DANOS SOFRIDOS PELA VÍTIMA. NECESSIDADE DE PEDIDO EXPRESSO E DE OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. EXCLUSÃO DE OFÍCIO.
1. A Defesa interpôs recurso de apelação, requerendo a reforma da sentença no sentido de que seja declarado inocente, concluindo as razões recursais nos seguintes termos: " Em síntese, após o devido exame dos fatos e documentos acostados aos autos, afora o laudo pericial, que não fora devidamente apreciado pelo juízo, que balizam a decisão, verá o juízo que pela dinâmica da batida, pelos depoimentos ocorridos em juízo, levando-nos a inocência do réu, já que não teve a devida culpa (modo imprudência), já que não havia sinalização da rua em que este trafegava, e que culminou no acidente, onde a vítima concorreu de modo contundente ao desfecho trágico."
2. A ocorrência material do fato, no que toca ao acidente de trânsito e ao óbito, restou certa e induvidosa, assim emergindo do Inquérito Policial (fls. 04/61) e Laudo Cadavérico às fls. 52/53, corroborada por todo o lastro probatório constante dos autos. A autoria restou evidenciada pela própria versão apresentada pelo recorrente e na prova testemunhal colhida.
3. Como se constata, o acusado confirmou em seu interrogatório os fatos narrados na denúncia, sendo devidamente corroborados através dos depoimentos colhidos durante a instrução processual, tornando o conjunto probatório harmônico, robusto e contundente em apontar o recorrente como autor do delito de trânsito, principalmente pelo fato de que o acusado trafegava na contramão de tráfico, como bem observa o perito no Laudo de Exame em Local de Acidente de Tráfico, verbis: "O polo de placas NQP 8596 CE, transitava pela rua Joaquim Magalhães no sentido leste para oeste, pela contramão de tráfego, momento em que transpunha a rua Jaime Benévolo foi colidido no setor lateral médio esquerdo pelo setor frontal da moto."
4. O magistrado a quo em seu decreto condenatório também refere-se ao Laudo Pericial para confirmar a culpa do acusado, verbis: "A evidência que o réu operou com culpa, em razão de não ter observado os cuidados objetivos necessárias a segurança no trânsito, se extrai do laudo pericial (fls. 46/50), segundo o qual o evento se deu devido ao acusado trafegar pela contramão de trafego quando interceptou a trajetória retilínea e prioritária da moto conduzida pela vítima."
5. Deve-se atentar para o dever de cuidado objetivo ao dirigir veículo automotor. A ideia de cuidado objetivo advém exatamente de uma cautela mediana imposta a todos. Observe-se que o acusado não teve a cautela comum a todos, principalmente pelo fato de esta dirigindo na contramão.
6. Em análise ao preceito primário de que o homem é um ser cercado de constantes perigos, espera-se que todos observem o dever de cuidado objetivo imposto, o que interliga ao princípio da confiança, sendo este o norteador das relações viárias. O condutor de um veículo automotor tem o direito de esperar dos condutores o respeito às regras de trânsito, assim como tem a obrigação de respeitá-las. Este princípio está ligado com a previsibilidade do resultado, pois se não for exigido do agente, não haverá que se falar em culpa.
7. No caso em exame, a vítima que trafegava em sua via, esperava que o condutor do polo parasse seu veículo antes de avançar ao cruzamento, bem como tinha a certeza de que não vinha veículo naquela mão, já que tratava-se de contrafluxo. Tudo isso leva ao dever de sancionar o recorrente por sua conduta.
8. Ademais, a culpa decorre da violação de um dever jurídico objetivo por meio de conduta revestida de imprudência, negligência ou imperícia, interessando ao presente caso a primeira dessas formas. Mirabete e Fabbrini pontuam que "a imprudência é uma atitude em que o agente atua com precipitação, inconsideração, com afoiteza, sem cautelas, não usando de seus poderes inibidores" (Manual de Direito Penal: parte geral. v. 1. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 137).
9. Diante de todo o exposto, deve-se reconhecer a impossibilidade da absolvição do recorrente, eis que o conjunto probatório, principalmente pela dinâmica relatada no Laudo Pericial, demonstra de forma inequívoca a prática de um homicídio culposo por imprudência, incorrendo o réu nas penas do artigo 302, caput c/c, do Código Nacional de Trânsito.
10. No que concerne à condenação em reparação de danos aos sucessores da vítima, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem adotando o entendimento de que essa espécie de reparação de danos na sentença penal não dispensa a formulação de pedido expresso, além de ser necessário a apuração, durante a instrução processual, do valor eventualmente indenizável, de modo a permitir ao réu o pleno exercício de sua defesa. Desse modo, não havendo nos autos requerimento expresso de reparação de danos, nem tendo havido apuração do respectivo valor na fase de instrução, necessário se faz, ex officio, a exclusão do valor de R$ 4.000,00 (quatro mil) reais referente a reparação de danos cíveis à família da vítima.
11. Recurso conhecido e desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal nº 0737148-71.2014.8.06.0001, em que figura como recorrente Sérgio Castelo Branco Pinheiro e recorrido o Ministério Público do Estado do Ceará.
ACORDAM os Desembargadores integrantes da 3ª Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade de votos, em CONHECER do recurso e NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos do voto do eminente Relator.
Fortaleza, 17 de abril de 2018.
Des. Francisco Lincoln Araújo e Silva
Presidente do Órgão Julgador
Dr. Antônio Pádua Silva
Relator - Port. 1369/2016
Ementa
APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO CULPOSO NO TRÂNSITO. ART. 302, CAPUT, DO CTB. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. CONDENAÇÃO MANTIDA. CONDUTOR QUE TRAFEGAVA NA CONTRAMÃO. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONFIANÇA QUE DEVE HAVER ENTRE OS CONDUTORES NA CONVIVÊNCIA NO TRÂNSITO. RECURSO DESPROVIDO. CONDENAÇÃO A TÍTULO DE REPARAÇÃO PELOS DANOS SOFRIDOS PELA VÍTIMA. NECESSIDADE DE PEDIDO EXPRESSO E DE OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. EXCLUSÃO DE OFÍCIO.
1. A Defesa interpôs recurso de apelação, requerendo a reforma da sentença no sentido de que seja declarado inocente, concluindo as razões recursais nos seguintes termos: " Em síntese, após o devido exame dos fatos e documentos acostados aos autos, afora o laudo pericial, que não fora devidamente apreciado pelo juízo, que balizam a decisão, verá o juízo que pela dinâmica da batida, pelos depoimentos ocorridos em juízo, levando-nos a inocência do réu, já que não teve a devida culpa (modo imprudência), já que não havia sinalização da rua em que este trafegava, e que culminou no acidente, onde a vítima concorreu de modo contundente ao desfecho trágico."
2. A ocorrência material do fato, no que toca ao acidente de trânsito e ao óbito, restou certa e induvidosa, assim emergindo do Inquérito Policial (fls. 04/61) e Laudo Cadavérico às fls. 52/53, corroborada por todo o lastro probatório constante dos autos. A autoria restou evidenciada pela própria versão apresentada pelo recorrente e na prova testemunhal colhida.
3. Como se constata, o acusado confirmou em seu interrogatório os fatos narrados na denúncia, sendo devidamente corroborados através dos depoimentos colhidos durante a instrução processual, tornando o conjunto probatório harmônico, robusto e contundente em apontar o recorrente como autor do delito de trânsito, principalmente pelo fato de que o acusado trafegava na contramão de tráfico, como bem observa o perito no Laudo de Exame em Local de Acidente de Tráfico, verbis: "O polo de placas NQP 8596 CE, transitava pela rua Joaquim Magalhães no sentido leste para oeste, pela contramão de tráfego, momento em que transpunha a rua Jaime Benévolo foi colidido no setor lateral médio esquerdo pelo setor frontal da moto."
4. O magistrado a quo em seu decreto condenatório também refere-se ao Laudo Pericial para confirmar a culpa do acusado, verbis: "A evidência que o réu operou com culpa, em razão de não ter observado os cuidados objetivos necessárias a segurança no trânsito, se extrai do laudo pericial (fls. 46/50), segundo o qual o evento se deu devido ao acusado trafegar pela contramão de trafego quando interceptou a trajetória retilínea e prioritária da moto conduzida pela vítima."
5. Deve-se atentar para o dever de cuidado objetivo ao dirigir veículo automotor. A ideia de cuidado objetivo advém exatamente de uma cautela mediana imposta a todos. Observe-se que o acusado não teve a cautela comum a todos, principalmente pelo fato de esta dirigindo na contramão.
6. Em análise ao preceito primário de que o homem é um ser cercado de constantes perigos, espera-se que todos observem o dever de cuidado objetivo imposto, o que interliga ao princípio da confiança, sendo este o norteador das relações viárias. O condutor de um veículo automotor tem o direito de esperar dos condutores o respeito às regras de trânsito, assim como tem a obrigação de respeitá-las. Este princípio está ligado com a previsibilidade do resultado, pois se não for exigido do agente, não haverá que se falar em culpa.
7. No caso em exame, a vítima que trafegava em sua via, esperava que o condutor do polo parasse seu veículo antes de avançar ao cruzamento, bem como tinha a certeza de que não vinha veículo naquela mão, já que tratava-se de contrafluxo. Tudo isso leva ao dever de sancionar o recorrente por sua conduta.
8. Ademais, a culpa decorre da violação de um dever jurídico objetivo por meio de conduta revestida de imprudência, negligência ou imperícia, interessando ao presente caso a primeira dessas formas. Mirabete e Fabbrini pontuam que "a imprudência é uma atitude em que o agente atua com precipitação, inconsideração, com afoiteza, sem cautelas, não usando de seus poderes inibidores" (Manual de Direito Penal: parte geral. v. 1. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 137).
9. Diante de todo o exposto, deve-se reconhecer a impossibilidade da absolvição do recorrente, eis que o conjunto probatório, principalmente pela dinâmica relatada no Laudo Pericial, demonstra de forma inequívoca a prática de um homicídio culposo por imprudência, incorrendo o réu nas penas do artigo 302, caput c/c, do Código Nacional de Trânsito.
10. No que concerne à condenação em reparação de danos aos sucessores da vítima, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem adotando o entendimento de que essa espécie de reparação de danos na sentença penal não dispensa a formulação de pedido expresso, além de ser necessário a apuração, durante a instrução processual, do valor eventualmente indenizável, de modo a permitir ao réu o pleno exercício de sua defesa. Desse modo, não havendo nos autos requerimento expresso de reparação de danos, nem tendo havido apuração do respectivo valor na fase de instrução, necessário se faz, ex officio, a exclusão do valor de R$ 4.000,00 (quatro mil) reais referente a reparação de danos cíveis à família da vítima.
11. Recurso conhecido e desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal nº 0737148-71.2014.8.06.0001, em que figura como recorrente Sérgio Castelo Branco Pinheiro e recorrido o Ministério Público do Estado do Ceará.
ACORDAM os Desembargadores integrantes da 3ª Câmara Criminal deste Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade de votos, em CONHECER do recurso e NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos do voto do eminente Relator.
Fortaleza, 17 de abril de 2018.
Des. Francisco Lincoln Araújo e Silva
Presidente do Órgão Julgador
Dr. Antônio Pádua Silva
Relator - Port. 1369/2016
Data do Julgamento
:
17/04/2018
Data da Publicação
:
17/04/2018
Classe/Assunto
:
Apelação / Crimes de Trânsito
Órgão Julgador
:
3ª Câmara Criminal
Relator(a)
:
ANTÔNIO PÁDUA SILVA - PORT 1369/2016
Comarca
:
Fortaleza
Comarca
:
Fortaleza
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