TJCE 0796728-32.2014.8.06.0001
PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. INSURGÊNCIA. RECEPTAÇÃO.
1. Após condenações dos acusados Luciana Cristina dos Santos Sousa (5 anos de reclusão e 500 dias-multa) e Douglas Anderson dos Santos (13 anos de reclusão e 800 dias-multa), as respectivas defesas interpuseram recursos de apelação, requerendo em relação a Luciana, (a) a fixação da pena-base no mínimo legal e (b) a diminuição máxima da pena em razão da incidência da causa especial de diminuição de pena do art. 33, §4º, da Lei 11.343/06 e, em relação a Douglas, (a) a absolvição pelo crime de receptação, (b) a aplicação da pena-base no mínimo legal ou em patamar próximo e (c) o aumento do quantum de redução da circunstância atenuante da confissão espontânea.
DO RECURSO DE LUCIANA CRISTINA DOS SANTOS SOUSA. TRÁFICO DE DROGAS. PLEITO PELA REDUÇÃO DA PENA-BASE. IMPOSSIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PEDIDO DE APLICAÇÃO DA FRAÇÃO MÁXIMA DA MINORANTE DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. QUANTIDADE EXPRESSIVA DE DINHEIRO E DROGA APREENDIDA. FRAÇÃO EM 1/6. MANUTENÇÃO.
2. Extrai-se da sentença que o magistrado de piso, na primeira fase, deu traço negativo aos vetores das circunstâncias e das consequências do crime, a primeira em razão de a recorrente ter feito serviço de "correria" para um traficante e, a segunda, com base na natureza do entorpecente.
3. Entende-se que a vetorial referente aos motivos do crime não foi negativada na primeira instância, uma vez que, embora o magistrado tenha dito que tal circunstância consistia em "desejo de obtenção de lucro fácil", não qualificou tal fato como negativo ou desfavorável, conforme o fez em relação às circunstâncias e consequências do crime.
4. Cumpre mencionar que, de acordo com os depoimentos prestados pelos policiais que realizaram o flagrante e com o auto de apreensão e apresentação de fl. 7, foram apreendidos 1.021 gramas de crack no momento da abordagem, sendo possível extrair do interrogatório judicial do corréu e do depoimento de Eliezer Batista que a droga seria entregue a um terceiro, servindo a recorrente como "transportadora" dos narcóticos.
5. Assim, mostrou-se correta a exasperação da pena-base com fulcro na condição de transportadora da recorrente (circunstâncias do crime) e na natureza da droga apreendida, destacando tão somente que este elemento deve ser utilizado para negativar a culpabilidade em vez das consequências do crime, haja vista que o crack possui natureza extremamente danosa, merecendo maior reprovabilidade a conduta de quem o trafica.
6. Na terceira fase, não assiste razão à defesa quando requer a fixação da redução do art. 33, §4º, da Lei 11.343/06 na fração máxima, posto que não tendo o magistrado, na primeira fase, utilizado-se da expressiva quantidade de dinheiro (R$ 5.089,00) e droga (1,021 kg) apreendida quando a recorrente faria um serviço de "correria", mostra-se idônea a sua utilização para manter a fração de 1/6 (um sexto) aplicada na instância inferior.
7. Tem-se que as circunstâncias do caso concreto, embora não pudessem levar a conclusão de que a recorrente dedicava-se às atividades delituosas ou integrava organização criminosa, denotam maior organização da cadeia de comercialização de drogas, na qual a recorrente, neste episódio, participou como mediadora de relação de compra e venda de expressiva quantidade de droga, permitindo-se assim a aplicação da fração mínima.
8. Portanto, não merecendo modificação a pena dosada na primeira e na terceira fase e não incidindo nenhuma agravante ou atenuante na segunda, deve a sanção definitiva aplicada à recorrente no montante de 5 (cinco) anos e 500 (quinhentos) dias-multa pelo juízo a quo permanecer inalterada. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.
RECURSO DE DOUGLAS ANDERSON DOS SANTOS. CRIME DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA. PLEITO DE REDUÇÃO DA PENA-BASE AO MÍNIMO OU A PATAMAR PRÓXIMO. DECOTE DAS CIRCUNSTÂNCIAS ATINENTES AOS ANTECEDENTES CRIMINAIS, À CONDUTA SOCIAL E ÀS CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. NECESSIDADE. NEGATIVAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME E DA CULPABILIDADE. POSSIBILIDADE. PLEITO DE MAIOR ATENUAÇÃO DA PENA DECORRENTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. POSSIBILIDADE. HIERARQUIA DAS FASES DO PROCESSO DOSIMÉTRICO.
9. Em relação ao recorrente Douglas Anderson dos Santos, o magistrado de piso, na fixação da pena-base, deu traço negativo aos seguintes vetores: antecedentes, conduta social, circunstâncias e consequências do crime, não o fazendo com relação aos motivos do crime, conforme já relatado na análise da pena da corré.
10. No que concerne aos antecedentes criminais do recorrente, em consulta à movimentação e aos autos digitais dos processos indicados na certidão de fls. 150/157, não se verificou nenhuma condenação transitada em julgado em desfavor do recorrente, razão pela qual a exasperação da pena-base com fulcro em ações penais em curso encontra óbice na súmula nº 444 do Superior Tribunal de Justiça.
11. O argumento de que a conduta social do sentenciado não é favorável porque não comprovou ocupação lícita mostra-se inidôneo para exasperar a pena-base, uma vez que a ausência de comprovação de vínculo empregatício não leva a presunção de que o acusado possui má conduta social, vez que o desemprego é infortúnio que permeia grande parte da sociedade atual, não podendo ser utilizado para fins de agravamento da sanção do réu, devendo ser decotado o traço negativo.
12. O traço negativo dado às circunstâncias do crime deve ser mantido, posto que a exasperação da pena-base com fulcro na grande quantidade de droga apreendida com o recorrente (1.474g de cocaína e 1.021g de crack) mostra idônea e em consonância com o art. 42 da Lei 11.343/2006. O fato de que a casa do recorrente funcionava como um "laboratório de preparação e refino de drogas" também se mostra suficiente para negativar a presente circunstância judicial.
13. A exasperação da pena-base com fulcro na natureza da droga também está de acordo com o disposto no art. 42 da Lei de Drogas, devendo salientar apenas que o referido fato deve ser negativado a título de culpabilidade em vez de consequências do crime, porque a tráfico de crack (droga cuja natureza é especialmente nociva) mostra maior reprovação da conduta.
14. Na fixação da pena intermediária, em razão de o quantum de exasperação da pena-base por circunstância judicial negativa ter correspondido à 7 (sete) meses e 15 (quinze) dias na primeira etapa, a atenuação da pena intermediária em apenas 6 (seis) meses pela confissão espontânea (art. 65, III, 'd', CPB) violou a hierarquia das fases que disciplina o processo dosimétrico.
15. É certo que, dado a ausência de previsão legal em relação ao quantum de pena que deve ser acrescido em caso de concorrer uma circunstância agravante ou reduzido pela incidência de uma circunstância atenuante, a jurisprudência convencionou como critério ideal a fração de 1/6 (um sexto), sem prejuízo de aplicação de fração diversa mediante utilização de fundamentação baseada nas peculiaridades do caso concreto.
16. No caso em tela, portanto, deve ser aplicada a fração de atenuação de 1/6 (um sexto), ante a inexistência de elementos concretos aptos a ensejar a fixação de fração diversa, inclusive, considerando que a confissão espontânea tem preponderância quando se encontra em concurso com agravantes que não resultem dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência (art. 67, CPB).
17. Na primeira fase, remanescendo somente duas circunstâncias judiciais desfavoráveis (culpabilidade e circunstâncias do crime), deve a pena-base ser redimensionada proporcionalmente para 6 (seis) anos e 3 (três) meses de reclusão.
18. Na segunda fase, ante a incidência da circunstância atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, 'd', CPB), deve a pena ser reduzida em 1/6, ficando no patamar de 5 (cinco) anos, 2 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão.
19. Na terceira fase, não incidindo nenhuma causa de aumento ou diminuição, deve a pena corporal definitiva ser redimensionada de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de reclusão para 5 (cinco) anos, 2 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão pelo crime de tráfico de entorpecentes.
20. Reduz-se, de ofício, a pena de multa em proporcionalidade com a privativa de liberdade, para 516 (quinhentos e dezesseis) dias-multa, mantendo a razão de 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato.
CRIME DE RECEPTAÇÃO. PLEITO PELA ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
21. No que toca o crime de receptação, a defesa de Douglas Anderson dos Santos pleitou a absolvição com base no fundamento de que "não houve suficiência probatória no sentido de estabelecer que era do conhecimento do réu que o mencionado objeto [colete balístico] seria produto do crime".
22. Dos autos, extrai-se que o colete apreendido na casa do recorrente foi furtado na agência do Banco do Brasil de Pindoretama no dia 20/11/2013 (fl. 71).
23. O auto de fl. 7 atesta a apreensão do colete balístico (inclusive, duas unidades, conforme se extrai também do termo de restituição de fl. 69) de uso da Corpvs, bem como aponta a apreensão de uma "capa para colete à prova de bala" com "LOGOMARCA CORPVS".
24. Quanto ao dolo, tem-se que existência de elementos no colete balístico que permitiram a polícia civil identificar que a Corpvs Segurança era usuária do bem e ainda a existência de logomarca da empresa no acessório do objeto (capa) impõem a conclusão de que o recorrente tinha consciência de que estava adquirindo um bem de origem ilícita, tendo ele dito em seu interrogatório, inclusive, que adquiriu o objeto no "mercado negro".
25. Por fim, tendo o recorrente sido flagrado com a res, cumpre a ele, na persecução penal do crime de receptação, demonstrar a origem lícita do bem ou a sua conduta culposa. Precedentes do STJ.
ANÁLISE, DE OFÍCIO, DA DOSIMETRIA DA PENA DOS CRIMES DE RECEPTAÇÃO E POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO.
26. Na dosimetria das penas, verifica-se que o magistrado de piso, na primeira fase, fez referência às vetoriais objetivas do art. 59 somente em relação ao crime de tráfico de entorpecentes (art. 33, Lei 11.343/06), levando em consideração, portanto, apenas as circunstâncias judicias subjetivas desfavoráveis (antecedentes e conduta social) para exasperar a pena-base dos demais crimes.
DOSIMETRIA. CRIME DE RECEPTAÇÃO. CIRCUNSTÂNCIAS SUBJETIVAS AFASTADAS. REDUÇÃO DA PENA. NECESSIDADE.
27. Assim, tendo a pena-base do crime de receptação sido fixada no dobro do mínimo legal, que é de 1 (um) ano, com fulcro unicamente nas circunstâncias judiciais atinentes aos antecedentes e à conduta social do recorrente, cuja incidência já foi devidamente afastada na dosimetria do crime de tráfico (itens 10 e 11), tem-se por necessário o retorno da pena-base ao patamar mínimo na primeira fase.
28. Ausentes agravantes e atenuantes na segunda fase e causas de aumento e de diminuição de pena na terceira fase, deve a pena definitiva do crime de receptação ser redimensionada de 2 (dois) anos de reclusão e 50 (cinquenta) dias-multa para 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa.
DOSIMETRIA. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. CIRCUNSTÂNCIAS SUBJETIVAS AFASTADAS. REDUÇÃO PENA. NECESSIDADE.
29. Conforme já relatado na análise da dosimetria do crime de receptação, tem-se que os antecedentes criminais e a conduta social do recorrente não têm o condão de exasperar a pena-base, haja vista não lhe serem desfavoráveis.
30. Considerando que o crime praticado pelo recorrente trata-se de posse ilegal de arma de uso restrito em razão de dois fatos (adequação ao rol do art. 16 do Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados e arma com numeração suprida), entende-se como idônea a exasperação da pena-base com fundamento em um deles, conforme realizado pelo magistrado de piso.
31. Ante o exposto, na primeira fase, remanescendo somente uma circunstância judicial negativa (circunstância do crime), fixa-se a pena-base em 3 (três) anos, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 43 (quarenta e três) dias-multa.
32. Na segunda fase, reconhece-se a circunstância atenuante do art. 65, III, "d", do CPB, reduzindo a pena intermediária para 3 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, em observância ao verbete da súmula nº 231 do STJ.
33. Na terceira fase, ausentes causas de aumento e diminuição de pena, torna-se definitiva a pena fixada na etapa anterior, a fim de redimensionar a pena definitiva fixada em primeiro grau de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 50 (cinquenta) dias-multa para 3 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, estes na razão de 1/30 do salário vigente ao tempo dos fatos cada um.
CONCURSO MATERIAL. PRÁTICA DE TRÊS CRIMES MEDIANTE MAIS DE UMA AÇÃO. APLICAÇÃO CUMULATIVA DAS PENAS. REGIME INICIAL. QUANTUM DE PENA. FECHADO. NECESSIDADE.
34. Tendo Douglas Anderson dos Santos, mediante mais de uma ação, praticado os três crimes, devem as respectivas penas ser aplicadas cumulativamente, nos termos do art. 69 e 72 do CPB, totalizando 9 (nove) anos, 2 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 536 (quinhentos e trinta e seis) dias-multa.
35. Mantém-se o regime inicial de cumprimento de pena no fechado, pois o quantum de pena imposto enquadra o caso no art. 33, §2º, "a", do Código Penal. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO, para reduzir a pena-base e a sanção intermediária aplicadas ao crime de tráfico. De ofício, redução da pena definitiva dos demais crimes.
ACORDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação criminal nº 0796728-32.2014.8.06.0000, ACORDAM os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade e em parcial consonância com o parecer ministerial, em CONHECER E NEGAR PROVIMENTO ao recurso de LUCIANA CRISTINA DOS SANTOS SOUSA, bem como CONHECER E DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de DOUGLAS ANDERSON DOS SANTOS. De ofício, redução das penas fixadas para os delitos de receptação e posse ilegal de arma de fogo de uso restrito, nos termos do voto do Relator e mantidas as demais disposições da sentença.
Fortaleza, 12 de junho de 2018
DESEMBARGADOR MÁRIO PARENTE TEÓFILO NETO
Relator
Ementa
PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. INSURGÊNCIA. RECEPTAÇÃO.
1. Após condenações dos acusados Luciana Cristina dos Santos Sousa (5 anos de reclusão e 500 dias-multa) e Douglas Anderson dos Santos (13 anos de reclusão e 800 dias-multa), as respectivas defesas interpuseram recursos de apelação, requerendo em relação a Luciana, (a) a fixação da pena-base no mínimo legal e (b) a diminuição máxima da pena em razão da incidência da causa especial de diminuição de pena do art. 33, §4º, da Lei 11.343/06 e, em relação a Douglas, (a) a absolvição pelo crime de receptação, (b) a aplicação da pena-base no mínimo legal ou em patamar próximo e (c) o aumento do quantum de redução da circunstância atenuante da confissão espontânea.
DO RECURSO DE LUCIANA CRISTINA DOS SANTOS SOUSA. TRÁFICO DE DROGAS. PLEITO PELA REDUÇÃO DA PENA-BASE. IMPOSSIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PEDIDO DE APLICAÇÃO DA FRAÇÃO MÁXIMA DA MINORANTE DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. QUANTIDADE EXPRESSIVA DE DINHEIRO E DROGA APREENDIDA. FRAÇÃO EM 1/6. MANUTENÇÃO.
2. Extrai-se da sentença que o magistrado de piso, na primeira fase, deu traço negativo aos vetores das circunstâncias e das consequências do crime, a primeira em razão de a recorrente ter feito serviço de "correria" para um traficante e, a segunda, com base na natureza do entorpecente.
3. Entende-se que a vetorial referente aos motivos do crime não foi negativada na primeira instância, uma vez que, embora o magistrado tenha dito que tal circunstância consistia em "desejo de obtenção de lucro fácil", não qualificou tal fato como negativo ou desfavorável, conforme o fez em relação às circunstâncias e consequências do crime.
4. Cumpre mencionar que, de acordo com os depoimentos prestados pelos policiais que realizaram o flagrante e com o auto de apreensão e apresentação de fl. 7, foram apreendidos 1.021 gramas de crack no momento da abordagem, sendo possível extrair do interrogatório judicial do corréu e do depoimento de Eliezer Batista que a droga seria entregue a um terceiro, servindo a recorrente como "transportadora" dos narcóticos.
5. Assim, mostrou-se correta a exasperação da pena-base com fulcro na condição de transportadora da recorrente (circunstâncias do crime) e na natureza da droga apreendida, destacando tão somente que este elemento deve ser utilizado para negativar a culpabilidade em vez das consequências do crime, haja vista que o crack possui natureza extremamente danosa, merecendo maior reprovabilidade a conduta de quem o trafica.
6. Na terceira fase, não assiste razão à defesa quando requer a fixação da redução do art. 33, §4º, da Lei 11.343/06 na fração máxima, posto que não tendo o magistrado, na primeira fase, utilizado-se da expressiva quantidade de dinheiro (R$ 5.089,00) e droga (1,021 kg) apreendida quando a recorrente faria um serviço de "correria", mostra-se idônea a sua utilização para manter a fração de 1/6 (um sexto) aplicada na instância inferior.
7. Tem-se que as circunstâncias do caso concreto, embora não pudessem levar a conclusão de que a recorrente dedicava-se às atividades delituosas ou integrava organização criminosa, denotam maior organização da cadeia de comercialização de drogas, na qual a recorrente, neste episódio, participou como mediadora de relação de compra e venda de expressiva quantidade de droga, permitindo-se assim a aplicação da fração mínima.
8. Portanto, não merecendo modificação a pena dosada na primeira e na terceira fase e não incidindo nenhuma agravante ou atenuante na segunda, deve a sanção definitiva aplicada à recorrente no montante de 5 (cinco) anos e 500 (quinhentos) dias-multa pelo juízo a quo permanecer inalterada. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.
RECURSO DE DOUGLAS ANDERSON DOS SANTOS. CRIME DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA. PLEITO DE REDUÇÃO DA PENA-BASE AO MÍNIMO OU A PATAMAR PRÓXIMO. DECOTE DAS CIRCUNSTÂNCIAS ATINENTES AOS ANTECEDENTES CRIMINAIS, À CONDUTA SOCIAL E ÀS CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. NECESSIDADE. NEGATIVAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME E DA CULPABILIDADE. POSSIBILIDADE. PLEITO DE MAIOR ATENUAÇÃO DA PENA DECORRENTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. POSSIBILIDADE. HIERARQUIA DAS FASES DO PROCESSO DOSIMÉTRICO.
9. Em relação ao recorrente Douglas Anderson dos Santos, o magistrado de piso, na fixação da pena-base, deu traço negativo aos seguintes vetores: antecedentes, conduta social, circunstâncias e consequências do crime, não o fazendo com relação aos motivos do crime, conforme já relatado na análise da pena da corré.
10. No que concerne aos antecedentes criminais do recorrente, em consulta à movimentação e aos autos digitais dos processos indicados na certidão de fls. 150/157, não se verificou nenhuma condenação transitada em julgado em desfavor do recorrente, razão pela qual a exasperação da pena-base com fulcro em ações penais em curso encontra óbice na súmula nº 444 do Superior Tribunal de Justiça.
11. O argumento de que a conduta social do sentenciado não é favorável porque não comprovou ocupação lícita mostra-se inidôneo para exasperar a pena-base, uma vez que a ausência de comprovação de vínculo empregatício não leva a presunção de que o acusado possui má conduta social, vez que o desemprego é infortúnio que permeia grande parte da sociedade atual, não podendo ser utilizado para fins de agravamento da sanção do réu, devendo ser decotado o traço negativo.
12. O traço negativo dado às circunstâncias do crime deve ser mantido, posto que a exasperação da pena-base com fulcro na grande quantidade de droga apreendida com o recorrente (1.474g de cocaína e 1.021g de crack) mostra idônea e em consonância com o art. 42 da Lei 11.343/2006. O fato de que a casa do recorrente funcionava como um "laboratório de preparação e refino de drogas" também se mostra suficiente para negativar a presente circunstância judicial.
13. A exasperação da pena-base com fulcro na natureza da droga também está de acordo com o disposto no art. 42 da Lei de Drogas, devendo salientar apenas que o referido fato deve ser negativado a título de culpabilidade em vez de consequências do crime, porque a tráfico de crack (droga cuja natureza é especialmente nociva) mostra maior reprovação da conduta.
14. Na fixação da pena intermediária, em razão de o quantum de exasperação da pena-base por circunstância judicial negativa ter correspondido à 7 (sete) meses e 15 (quinze) dias na primeira etapa, a atenuação da pena intermediária em apenas 6 (seis) meses pela confissão espontânea (art. 65, III, 'd', CPB) violou a hierarquia das fases que disciplina o processo dosimétrico.
15. É certo que, dado a ausência de previsão legal em relação ao quantum de pena que deve ser acrescido em caso de concorrer uma circunstância agravante ou reduzido pela incidência de uma circunstância atenuante, a jurisprudência convencionou como critério ideal a fração de 1/6 (um sexto), sem prejuízo de aplicação de fração diversa mediante utilização de fundamentação baseada nas peculiaridades do caso concreto.
16. No caso em tela, portanto, deve ser aplicada a fração de atenuação de 1/6 (um sexto), ante a inexistência de elementos concretos aptos a ensejar a fixação de fração diversa, inclusive, considerando que a confissão espontânea tem preponderância quando se encontra em concurso com agravantes que não resultem dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência (art. 67, CPB).
17. Na primeira fase, remanescendo somente duas circunstâncias judiciais desfavoráveis (culpabilidade e circunstâncias do crime), deve a pena-base ser redimensionada proporcionalmente para 6 (seis) anos e 3 (três) meses de reclusão.
18. Na segunda fase, ante a incidência da circunstância atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, 'd', CPB), deve a pena ser reduzida em 1/6, ficando no patamar de 5 (cinco) anos, 2 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão.
19. Na terceira fase, não incidindo nenhuma causa de aumento ou diminuição, deve a pena corporal definitiva ser redimensionada de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de reclusão para 5 (cinco) anos, 2 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão pelo crime de tráfico de entorpecentes.
20. Reduz-se, de ofício, a pena de multa em proporcionalidade com a privativa de liberdade, para 516 (quinhentos e dezesseis) dias-multa, mantendo a razão de 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato.
CRIME DE RECEPTAÇÃO. PLEITO PELA ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
21. No que toca o crime de receptação, a defesa de Douglas Anderson dos Santos pleitou a absolvição com base no fundamento de que "não houve suficiência probatória no sentido de estabelecer que era do conhecimento do réu que o mencionado objeto [colete balístico] seria produto do crime".
22. Dos autos, extrai-se que o colete apreendido na casa do recorrente foi furtado na agência do Banco do Brasil de Pindoretama no dia 20/11/2013 (fl. 71).
23. O auto de fl. 7 atesta a apreensão do colete balístico (inclusive, duas unidades, conforme se extrai também do termo de restituição de fl. 69) de uso da Corpvs, bem como aponta a apreensão de uma "capa para colete à prova de bala" com "LOGOMARCA CORPVS".
24. Quanto ao dolo, tem-se que existência de elementos no colete balístico que permitiram a polícia civil identificar que a Corpvs Segurança era usuária do bem e ainda a existência de logomarca da empresa no acessório do objeto (capa) impõem a conclusão de que o recorrente tinha consciência de que estava adquirindo um bem de origem ilícita, tendo ele dito em seu interrogatório, inclusive, que adquiriu o objeto no "mercado negro".
25. Por fim, tendo o recorrente sido flagrado com a res, cumpre a ele, na persecução penal do crime de receptação, demonstrar a origem lícita do bem ou a sua conduta culposa. Precedentes do STJ.
ANÁLISE, DE OFÍCIO, DA DOSIMETRIA DA PENA DOS CRIMES DE RECEPTAÇÃO E POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO.
26. Na dosimetria das penas, verifica-se que o magistrado de piso, na primeira fase, fez referência às vetoriais objetivas do art. 59 somente em relação ao crime de tráfico de entorpecentes (art. 33, Lei 11.343/06), levando em consideração, portanto, apenas as circunstâncias judicias subjetivas desfavoráveis (antecedentes e conduta social) para exasperar a pena-base dos demais crimes.
DOSIMETRIA. CRIME DE RECEPTAÇÃO. CIRCUNSTÂNCIAS SUBJETIVAS AFASTADAS. REDUÇÃO DA PENA. NECESSIDADE.
27. Assim, tendo a pena-base do crime de receptação sido fixada no dobro do mínimo legal, que é de 1 (um) ano, com fulcro unicamente nas circunstâncias judiciais atinentes aos antecedentes e à conduta social do recorrente, cuja incidência já foi devidamente afastada na dosimetria do crime de tráfico (itens 10 e 11), tem-se por necessário o retorno da pena-base ao patamar mínimo na primeira fase.
28. Ausentes agravantes e atenuantes na segunda fase e causas de aumento e de diminuição de pena na terceira fase, deve a pena definitiva do crime de receptação ser redimensionada de 2 (dois) anos de reclusão e 50 (cinquenta) dias-multa para 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa.
DOSIMETRIA. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. CIRCUNSTÂNCIAS SUBJETIVAS AFASTADAS. REDUÇÃO PENA. NECESSIDADE.
29. Conforme já relatado na análise da dosimetria do crime de receptação, tem-se que os antecedentes criminais e a conduta social do recorrente não têm o condão de exasperar a pena-base, haja vista não lhe serem desfavoráveis.
30. Considerando que o crime praticado pelo recorrente trata-se de posse ilegal de arma de uso restrito em razão de dois fatos (adequação ao rol do art. 16 do Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados e arma com numeração suprida), entende-se como idônea a exasperação da pena-base com fundamento em um deles, conforme realizado pelo magistrado de piso.
31. Ante o exposto, na primeira fase, remanescendo somente uma circunstância judicial negativa (circunstância do crime), fixa-se a pena-base em 3 (três) anos, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 43 (quarenta e três) dias-multa.
32. Na segunda fase, reconhece-se a circunstância atenuante do art. 65, III, "d", do CPB, reduzindo a pena intermediária para 3 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, em observância ao verbete da súmula nº 231 do STJ.
33. Na terceira fase, ausentes causas de aumento e diminuição de pena, torna-se definitiva a pena fixada na etapa anterior, a fim de redimensionar a pena definitiva fixada em primeiro grau de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 50 (cinquenta) dias-multa para 3 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, estes na razão de 1/30 do salário vigente ao tempo dos fatos cada um.
CONCURSO MATERIAL. PRÁTICA DE TRÊS CRIMES MEDIANTE MAIS DE UMA AÇÃO. APLICAÇÃO CUMULATIVA DAS PENAS. REGIME INICIAL. QUANTUM DE PENA. FECHADO. NECESSIDADE.
34. Tendo Douglas Anderson dos Santos, mediante mais de uma ação, praticado os três crimes, devem as respectivas penas ser aplicadas cumulativamente, nos termos do art. 69 e 72 do CPB, totalizando 9 (nove) anos, 2 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 536 (quinhentos e trinta e seis) dias-multa.
35. Mantém-se o regime inicial de cumprimento de pena no fechado, pois o quantum de pena imposto enquadra o caso no art. 33, §2º, "a", do Código Penal. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO, para reduzir a pena-base e a sanção intermediária aplicadas ao crime de tráfico. De ofício, redução da pena definitiva dos demais crimes.
ACORDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação criminal nº 0796728-32.2014.8.06.0000, ACORDAM os desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, à unanimidade e em parcial consonância com o parecer ministerial, em CONHECER E NEGAR PROVIMENTO ao recurso de LUCIANA CRISTINA DOS SANTOS SOUSA, bem como CONHECER E DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de DOUGLAS ANDERSON DOS SANTOS. De ofício, redução das penas fixadas para os delitos de receptação e posse ilegal de arma de fogo de uso restrito, nos termos do voto do Relator e mantidas as demais disposições da sentença.
Fortaleza, 12 de junho de 2018
DESEMBARGADOR MÁRIO PARENTE TEÓFILO NETO
Relator
Data do Julgamento
:
12/06/2018
Data da Publicação
:
12/06/2018
Classe/Assunto
:
Apelação / Tráfico de Drogas e Condutas Afins
Órgão Julgador
:
1ª Câmara Criminal
Relator(a)
:
MARIO PARENTE TEÓFILO NETO
Comarca
:
Fortaleza
Comarca
:
Fortaleza
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