TJCE 0876868-53.2014.8.06.0001
ADMINISTRATIVO. REEXAME NECESSÁRIO. APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. FORNECIMENTO DE ALIMENTAÇÃO NUTRICIONAL. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES DA FEDERAÇÃO. DIREITO À SAÚDE. DEVER DO PODER PÚBLICO. HONORÁRIOS DEVIDOS PELO MUNICÍPIO À DEFENSORIA PÚBLICA ESTADUAL. CABIMENTO. AUSÊNCIA CONFUSÃO ENTRE O DEVEDOR ENTE MUNICIPAL E CREDOR DEFENSORIA PÚBLICA ESTADUAL. NÃO INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL. RECURSO DE APELAÇÃO PROPOSTO PELO ENTE MUNICIPAL CONHECIDO E NÃO PROVIDO. RECURSO DE APELAÇÃO PROPOSTO PELA DEFENSORIA PÚBLICA CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA APENAS PARA CONDENAR O MUNICÍPIO DE FORTALEZA AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
1. Cuida-se de Reexame Necessário e de Apelações Cíveis interpostas pela Defensoria Pública do Estado do Ceará e pelo Município de Fortaleza em face de sentença proferida pelo Juízo da 5ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Fortaleza, que ratificou a tutela antecipada concedida anteriormente e julgou parcialmente procedente o pedido formulado na exordial dos autos da Ação de Obrigação de Fazer, condenando o Município de Fortaleza a fornecer, por tempo indeterminado a alimentação enteral de que o autor necessita e conforme a prescrição médica, rejeitando, contudo, o pleito relacionado à indenização por danos morais. Outrossim, o magistrado originário deixou de condenar o município réu ao pagamento das custas processuais, em face da isenção legal prevista na Lei nº 12.381/94 e dos honorários advocatícios, com base na Súmula 421 do STJ.
2. A Defensoria Pública, na peça de apelação, insurge-se contra o capítulo da sentença que deixou de condenar o demandado ao pagamento dos honorários advocatícios em favor da Defensoria Pública. Defende que não se aplica ao caso o teor sumular 421/STJ, considerando a independência e autonomia da Defensoria Pública do Estado conferida na Emenda Constitucional Nº 80/2014, afastando, desta feita, o instituto civil da confusão. Aduz que os precedentes jurisprudenciais da súmula 421 são anteriores à promulgação da LC 132/2009 que estabeleceu a autonomia administrativa, orçamentária e financeira da Defensoria Pública, razão pela qual o referido enunciado encontra-se superado.
3. Nas razões recursais o ente municipal, argui os limites à responsabilidade solidária entre os entes federados que compõem o SUS, diante do risco de comprometimento de recursos financeiros originariamente orçados pelo município para aquisição de medicação da atenção básica, gerando um desequilíbrio, causado pelo efeito multiplicador da decisão judicial que obriga o requerido a prestar medicamentos e insumos, em prejuízo do interesse coletivo. Alega a sua incompetência, no âmbito da estrutura hierarquizada do SUS, para custear a aquisição dos medicamentos e insumos da atenção especializada, destinados ao tratamento das doenças de maior complexidade, como no presente caso. Sustenta a violação à reserva do possível.
4. O funcionamento do Sistema Único de Saúde SUS é de responsabilidade solidária da União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios, de maneira que quaisquer dessas entidades possuem legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetive a garantia do acesso à dietas/medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros.
5. A teor do art. 23, II, da Carta Magna é competência comum da União, Estado, Distrito Federal e Município zelar pela saúde, sendo solidária, portanto, a responsabilidade entre os entes da federação no que concerne ao fornecimento de alimentação nutricional, medicamentos, itens de saúde ou tratamento médico a quem tenha parcos recursos financeiros, razão pela qual, cabe ao impetrante escolher contra qual ente público deseja litigar.
6. O direito à saúde tem assento constitucional no direito à vida e na dignidade da pessoa humana, detendo absoluta prioridade e ostentando categoria de direito fundamental, devendo os entes da federação instituir políticas públicas para a promoção, proteção e recuperação da saúde da pessoa natural, incumbindo ao Judiciário determinar o cumprimento das prestações contidas nas políticas públicas que garantam acesso universal e igualitário aos serviços criados para atender ao dever do Estado. CF/88 art. 1º, III; arts. 5º, 6º, 196.
7. Não se trata de concessão de privilégio de situação individualizada em detrimento da coletividade, mas do suprimento de uma necessidade inarredável, abrangida pelo conceito de mínimo existencial, não havendo mácula ao princípio constitucional da isonomia, mas efetiva prestação do direito à saúde pelo poder público.
8. No ordenamento jurídico pátrio inexiste direito revestido de caráter absoluto, ocorrendo, na espécie ora analisada, aparente colisão/antinomia de princípios/direitos, quais sejam, o direito à vida dos pacientes de um lado e, do outro, a reserva do possível no aspecto limitação orçamentária do Poder Público, devendo o Judicante ponderar sua hermenêutica, assegurando o direito fundamental à vida.
9. A Súmula nº 421 do STJ consolidou a impossibilidade da Defensoria Pública em auferir honorários advocatícios quando advindos de sua atuação em desfavor da pessoa jurídica de direito público que integre a mesma Fazenda Pública. In casu, cabível o pagamento de honorários à Defensoria Pública vencedora pelo Município demandado, uma vez que não há confusão entre credor e devedor, não possuindo qualquer relação ou vínculo com a Defensoria Pública Estadual com a qual contende nesta lide, sendo pessoas jurídicas de direito público distintas.
10. Reformada a decisão de primeiro grau adversada, no sentido de condenar o Município de Fortaleza em honorários advocatícios, revertidos em favor da Defensoria Pública em 20% sobre o valor atualizado da causa, mantendo-se os demais capítulos da sentença recorrida.
11. Reexame Necessário e Recursos de Apelação conhecidos, para negar provimento à Remessa Necessária e ao Recurso interposto pelo Município de Fortaleza e prover a Apelação proposta pela parte autora.
ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 2ª Câmara Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade de votos, em conhecer do Reexame Necessário e dos Recursos de Apelação Cível, para negar provimento à Remessa Necessária e ao Recurso interposto pelo Município de Fortaleza e prover a Apelação proposta pela parte autora, nos termos do voto da Relatora, parte deste.
Fortaleza, 31 de janeiro de 2018.
Presidente do Órgão Julgador
DESEMBARGADORA MARIA IRANEIDE MOURA SILVA
Relatora
Ementa
ADMINISTRATIVO. REEXAME NECESSÁRIO. APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO ORDINÁRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. FORNECIMENTO DE ALIMENTAÇÃO NUTRICIONAL. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES DA FEDERAÇÃO. DIREITO À SAÚDE. DEVER DO PODER PÚBLICO. HONORÁRIOS DEVIDOS PELO MUNICÍPIO À DEFENSORIA PÚBLICA ESTADUAL. CABIMENTO. AUSÊNCIA CONFUSÃO ENTRE O DEVEDOR ENTE MUNICIPAL E CREDOR DEFENSORIA PÚBLICA ESTADUAL. NÃO INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL. RECURSO DE APELAÇÃO PROPOSTO PELO ENTE MUNICIPAL CONHECIDO E NÃO PROVIDO. RECURSO DE APELAÇÃO PROPOSTO PELA DEFENSORIA PÚBLICA CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA APENAS PARA CONDENAR O MUNICÍPIO DE FORTALEZA AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
1. Cuida-se de Reexame Necessário e de Apelações Cíveis interpostas pela Defensoria Pública do Estado do Ceará e pelo Município de Fortaleza em face de sentença proferida pelo Juízo da 5ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Fortaleza, que ratificou a tutela antecipada concedida anteriormente e julgou parcialmente procedente o pedido formulado na exordial dos autos da Ação de Obrigação de Fazer, condenando o Município de Fortaleza a fornecer, por tempo indeterminado a alimentação enteral de que o autor necessita e conforme a prescrição médica, rejeitando, contudo, o pleito relacionado à indenização por danos morais. Outrossim, o magistrado originário deixou de condenar o município réu ao pagamento das custas processuais, em face da isenção legal prevista na Lei nº 12.381/94 e dos honorários advocatícios, com base na Súmula 421 do STJ.
2. A Defensoria Pública, na peça de apelação, insurge-se contra o capítulo da sentença que deixou de condenar o demandado ao pagamento dos honorários advocatícios em favor da Defensoria Pública. Defende que não se aplica ao caso o teor sumular 421/STJ, considerando a independência e autonomia da Defensoria Pública do Estado conferida na Emenda Constitucional Nº 80/2014, afastando, desta feita, o instituto civil da confusão. Aduz que os precedentes jurisprudenciais da súmula 421 são anteriores à promulgação da LC 132/2009 que estabeleceu a autonomia administrativa, orçamentária e financeira da Defensoria Pública, razão pela qual o referido enunciado encontra-se superado.
3. Nas razões recursais o ente municipal, argui os limites à responsabilidade solidária entre os entes federados que compõem o SUS, diante do risco de comprometimento de recursos financeiros originariamente orçados pelo município para aquisição de medicação da atenção básica, gerando um desequilíbrio, causado pelo efeito multiplicador da decisão judicial que obriga o requerido a prestar medicamentos e insumos, em prejuízo do interesse coletivo. Alega a sua incompetência, no âmbito da estrutura hierarquizada do SUS, para custear a aquisição dos medicamentos e insumos da atenção especializada, destinados ao tratamento das doenças de maior complexidade, como no presente caso. Sustenta a violação à reserva do possível.
4. O funcionamento do Sistema Único de Saúde SUS é de responsabilidade solidária da União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios, de maneira que quaisquer dessas entidades possuem legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetive a garantia do acesso à dietas/medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros.
5. A teor do art. 23, II, da Carta Magna é competência comum da União, Estado, Distrito Federal e Município zelar pela saúde, sendo solidária, portanto, a responsabilidade entre os entes da federação no que concerne ao fornecimento de alimentação nutricional, medicamentos, itens de saúde ou tratamento médico a quem tenha parcos recursos financeiros, razão pela qual, cabe ao impetrante escolher contra qual ente público deseja litigar.
6. O direito à saúde tem assento constitucional no direito à vida e na dignidade da pessoa humana, detendo absoluta prioridade e ostentando categoria de direito fundamental, devendo os entes da federação instituir políticas públicas para a promoção, proteção e recuperação da saúde da pessoa natural, incumbindo ao Judiciário determinar o cumprimento das prestações contidas nas políticas públicas que garantam acesso universal e igualitário aos serviços criados para atender ao dever do Estado. CF/88 art. 1º, III; arts. 5º, 6º, 196.
7. Não se trata de concessão de privilégio de situação individualizada em detrimento da coletividade, mas do suprimento de uma necessidade inarredável, abrangida pelo conceito de mínimo existencial, não havendo mácula ao princípio constitucional da isonomia, mas efetiva prestação do direito à saúde pelo poder público.
8. No ordenamento jurídico pátrio inexiste direito revestido de caráter absoluto, ocorrendo, na espécie ora analisada, aparente colisão/antinomia de princípios/direitos, quais sejam, o direito à vida dos pacientes de um lado e, do outro, a reserva do possível no aspecto limitação orçamentária do Poder Público, devendo o Judicante ponderar sua hermenêutica, assegurando o direito fundamental à vida.
9. A Súmula nº 421 do STJ consolidou a impossibilidade da Defensoria Pública em auferir honorários advocatícios quando advindos de sua atuação em desfavor da pessoa jurídica de direito público que integre a mesma Fazenda Pública. In casu, cabível o pagamento de honorários à Defensoria Pública vencedora pelo Município demandado, uma vez que não há confusão entre credor e devedor, não possuindo qualquer relação ou vínculo com a Defensoria Pública Estadual com a qual contende nesta lide, sendo pessoas jurídicas de direito público distintas.
10. Reformada a decisão de primeiro grau adversada, no sentido de condenar o Município de Fortaleza em honorários advocatícios, revertidos em favor da Defensoria Pública em 20% sobre o valor atualizado da causa, mantendo-se os demais capítulos da sentença recorrida.
11. Reexame Necessário e Recursos de Apelação conhecidos, para negar provimento à Remessa Necessária e ao Recurso interposto pelo Município de Fortaleza e prover a Apelação proposta pela parte autora.
ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos, acorda a 2ª Câmara Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade de votos, em conhecer do Reexame Necessário e dos Recursos de Apelação Cível, para negar provimento à Remessa Necessária e ao Recurso interposto pelo Município de Fortaleza e prover a Apelação proposta pela parte autora, nos termos do voto da Relatora, parte deste.
Fortaleza, 31 de janeiro de 2018.
Presidente do Órgão Julgador
DESEMBARGADORA MARIA IRANEIDE MOURA SILVA
Relatora
Data do Julgamento
:
31/01/2018
Data da Publicação
:
31/01/2018
Classe/Assunto
:
Apelação / Remessa Necessária / Honorários Advocatícios
Órgão Julgador
:
2ª Câmara Direito Público
Relator(a)
:
MARIA IRANEIDE MOURA SILVA
Comarca
:
Fortaleza
Comarca
:
Fortaleza
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