TJDF 1728 - 1054537-00063878320158070018
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CAUSA DE PEDIR. ABERTURA. APURAÇÃO DOS FATOS. QUALIFICAÇÃO JURÍDICA. IRRELEVÂNCIA. HIPÓTESE DOS AUTOS. UTILIZAÇÃO DE BEM PÚBLICO. FINALIDADE. PRIVADA. COMPROMETIMENTO DA ATIVIDADE PÚBLICA. INDISPONIBILIDADE DO INTERESSE PÚBLICO. IMPROBIDADE CONFIGURADA. NORMA DE REGÊNCIA. CAPITULAÇÃO. TESES DEFENSIVAS. AFASTAMENTO. SANÇÕES. ADEQUAÇÃO AO CASO CONCRETO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Cuida-se de Ação Civil Pública por Improbidade Administrativa movida pelo Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios por atos de mesma natureza, tipificados no art. 9°, caput e inc. IV e XI, da Lei n° 8.429/92, fundados, segundo a petição inicial, na utilização indevida pelo demandado de bens públicos e de pessoal a serviço da Administração Pública para a realização de serviços de interesse pessoal; 2. A causa de pedir no bojo da ação civil pública se orienta e determina pela descrição dos fatos e sua correlação com o pedido, a ponto de não assumir considerável relevância eventual equívoco na qualificação jurídica feita pelo autor na inicial, inclusive porque, em semelhança ao que ocorre no âmbito do Direito Penal, em demanda desta espécie, o réu se defende dos fatos que lhe são imputados. 3. Afigura-se possível ao julgador modificar a capitulação legal feita pelo autor se, demonstrada a efetiva prática dos fatos narrados, a qualificação jurídica se adequa a dispositivo diverso daquele capitulado na inicial. Não se olvide, ademais, que a Lei de Improbidade Administrativa estabelece um parâmetro de sanção bastante semelhante para todas as infrações, muito embora com acréscimos específicos para cada uma das modalidades de ato ímprobo, de sorte que as penas de perda da função pública, suspensão dos direitos políticos e pagamento de multa civil são comuns a quaisquer dos tipos elencados. 3.1. Além disso, há uma relação de subsidiariedade entre as infrações previstas na Lei n° 8.429/92, pois quaisquer dos atos de improbidade administrativa poderiam perfeitamente se subsumir à redação do art. 11, já que as condutas previstas nos arts. 9, 10 e 10-A, ao fim e ao cabo, acabam por violar os deveres da honestidade, imparcialidade e legalidade. Assim, ainda que o legislador tenha, em tais dispositivos, previsto circunstâncias específicas e penalidades ampliadas, adequadas a cada ato (art. 12, inc. I, II e IV), permitiu que, em não se constatando infração mais grave, seja o fato chancelado pela proteção insculpida no art. 11; 4. Conquanto não eivada de extrema gravidade, a justificar o exaurimento das sanções elencadas na norma de regência, como busca o órgão do parquet, à toda evidência, a conduta do réu não pode ser taxada de adequada, de regular, pois não lhe era esperado agir da forma como agiu, ao revés, era-lhe, sim, exigido que agisse diversamente, posto que não só utilizou, e isso é inequívoco, bem público para fim diverso do interesse público, como, evidentemente, prejudicou a própria prestação do serviço público a ser cargo. 4.1. Servidor público que, autorizado a conduzir veículo oficial com o fim exclusivo de cumprir diligência reputada urgente, dele se apropria para se deslocar a local onde ocorria suposta prática ocupação e loteamento irregular de área pública, inclusive transportando no interior do veículo materiais normalmente utilizados para a prática criminosa, fato que acabou por acarretar sua prisão em flagrante; 5. Como corolário de princípio basilar do regime jurídico administrativo, qual seja, o princípio da indisponibilidade do interesse público, a utilização de qualquer bem público está plena e estritamente vinculada à atividade pública à qual afetado, não podendo o agente público, portanto, dele dispor, inclusive pelo fato de o administrador atuar como mero gestor da coisa pública; 6. Evidente na espécie, a prática de ato ímprobo, nos moldes elencados na peça de entrada, eis que conforme o tipo normativo previsto no art. 9°, inc. IV, da Lei n° 8.429/92, constitui ato de improbidade administrativa utilizar em obra ou serviço particular veículo de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades previstas no art. 1° do mesmo diploma legal, dentre as quais se inclui o Distrito Federal, a subsumir-se, plenamente, ao teor normativo, o contexto fático narrado nos autos; 7. O demandado se utilizou de bem público para fim privado (art. 9°, inc. IV, da Lei n° 8.429/92), fim este aparentemente ilícito, e, com isso, violou também o dever de honestidade e legalidade (art. 11, caput), derivando daí, inclusive, seu dolo, já que a utilização se deu de forma consciente e deliberada, ainda que travestida sob pretexto diverso, o qual, além de não corroborado pela prova dos autos, na verdade, pouco importa, posto que para o reconhecimento do ato de improbidade administrativa e aplicação das sanções inerentes é suficiente o dolo genérico. Jurisprudência do STJ; 8. O fato de o processo administrativo disciplinar ter sido arquivado não interfere no julgamento da ação de improbidade, quiçá impede a condenação do demandado, seja porque há, inequivocamente, uma independência entre as instâncias, seja pela própria fragilidade na conclusão do procedimento em âmbito administrativo, ante o fato de, na espécie, a Comissão Permanente de Sindicância ter fundamentado seu parecer exclusivamente na alegação de o Poder Judiciário ter promovido o arquivamento do inquérito resultante das investigações, sem maiores indagações quanto ao motivo do arquivamento e sem emitir qualquer juízo de valor sobre a conduta do demandado, fundamente, inclusive, equivocado pois os fatos, sob a órbita criminal, continuam em apuração; 9. A cumulação das sanções previstas no art. 12 da Lei n° 8.429/92 não é obrigatória, abrindo-se ao magistrado a possibilidade de aplicar apenas uma daquelas legalmente previstas, consoante repute adequada e suficiente às circunstâncias do caso, entendimento que se sustenta, inclusive, pela própria redação do art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa, que permite a aplicação isolada ou cumulativa das sanções. Precedentes; 10. Levando em consideração os parâmetros previstos no art. 12, parágrafo único, da Lei n° 8.429/92, quais sejam a extensão do dano e o proveito patrimonial obtido pelo agente, creio não haver fundamento para aplicação de todas as penas eleitas pelo legislador, considerando que o ato do réu, conquanto ímprobo e plenamente censurável, restringiu-se, como visto, à utilização indevida de bem público em finalidade estritamente particular, ainda que em detrimento da prestação do serviço e, inclusive, da dignidade da instituição, o que, todavia, não autoriza a exasperação das penalidades previstas no sistema; 11. Na espécie, afigura-se adequada e suficiente a aplicação ao demandado da multa civil prevista no art. 12, inc. III, da Lei n° 8.429/92, fixada em 10 (dez) vezes o valor de sua remuneração à época dos fatos, devidamente atualizada. Inadmissível, porque desproporcional aos fatos, a determinação da perda do cargo, e, nessa mesma toada, até por incompatibilidade lógica, as sanções de suspensão dos direitos políticos e proibição de contratar com o Poder Público, considerando que a ocorrência destas prejudicaria a própria investidura do réu no cargo público que ocupa; 12. Recurso conhecido e parcialmente provido. Julgada parcialmente procedente a pretensão inicial.
Ementa
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CAUSA DE PEDIR. ABERTURA. APURAÇÃO DOS FATOS. QUALIFICAÇÃO JURÍDICA. IRRELEVÂNCIA. HIPÓTESE DOS AUTOS. UTILIZAÇÃO DE BEM PÚBLICO. FINALIDADE. PRIVADA. COMPROMETIMENTO DA ATIVIDADE PÚBLICA. INDISPONIBILIDADE DO INTERESSE PÚBLICO. IMPROBIDADE CONFIGURADA. NORMA DE REGÊNCIA. CAPITULAÇÃO. TESES DEFENSIVAS. AFASTAMENTO. SANÇÕES. ADEQUAÇÃO AO CASO CONCRETO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Cuida-se de Ação Civil Pública por Improbidade Administrativa movida pelo Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios por atos de mesma natureza, tipificados no art. 9°, caput e inc. IV e XI, da Lei n° 8.429/92, fundados, segundo a petição inicial, na utilização indevida pelo demandado de bens públicos e de pessoal a serviço da Administração Pública para a realização de serviços de interesse pessoal; 2. A causa de pedir no bojo da ação civil pública se orienta e determina pela descrição dos fatos e sua correlação com o pedido, a ponto de não assumir considerável relevância eventual equívoco na qualificação jurídica feita pelo autor na inicial, inclusive porque, em semelhança ao que ocorre no âmbito do Direito Penal, em demanda desta espécie, o réu se defende dos fatos que lhe são imputados. 3. Afigura-se possível ao julgador modificar a capitulação legal feita pelo autor se, demonstrada a efetiva prática dos fatos narrados, a qualificação jurídica se adequa a dispositivo diverso daquele capitulado na inicial. Não se olvide, ademais, que a Lei de Improbidade Administrativa estabelece um parâmetro de sanção bastante semelhante para todas as infrações, muito embora com acréscimos específicos para cada uma das modalidades de ato ímprobo, de sorte que as penas de perda da função pública, suspensão dos direitos políticos e pagamento de multa civil são comuns a quaisquer dos tipos elencados. 3.1. Além disso, há uma relação de subsidiariedade entre as infrações previstas na Lei n° 8.429/92, pois quaisquer dos atos de improbidade administrativa poderiam perfeitamente se subsumir à redação do art. 11, já que as condutas previstas nos arts. 9, 10 e 10-A, ao fim e ao cabo, acabam por violar os deveres da honestidade, imparcialidade e legalidade. Assim, ainda que o legislador tenha, em tais dispositivos, previsto circunstâncias específicas e penalidades ampliadas, adequadas a cada ato (art. 12, inc. I, II e IV), permitiu que, em não se constatando infração mais grave, seja o fato chancelado pela proteção insculpida no art. 11; 4. Conquanto não eivada de extrema gravidade, a justificar o exaurimento das sanções elencadas na norma de regência, como busca o órgão do parquet, à toda evidência, a conduta do réu não pode ser taxada de adequada, de regular, pois não lhe era esperado agir da forma como agiu, ao revés, era-lhe, sim, exigido que agisse diversamente, posto que não só utilizou, e isso é inequívoco, bem público para fim diverso do interesse público, como, evidentemente, prejudicou a própria prestação do serviço público a ser cargo. 4.1. Servidor público que, autorizado a conduzir veículo oficial com o fim exclusivo de cumprir diligência reputada urgente, dele se apropria para se deslocar a local onde ocorria suposta prática ocupação e loteamento irregular de área pública, inclusive transportando no interior do veículo materiais normalmente utilizados para a prática criminosa, fato que acabou por acarretar sua prisão em flagrante; 5. Como corolário de princípio basilar do regime jurídico administrativo, qual seja, o princípio da indisponibilidade do interesse público, a utilização de qualquer bem público está plena e estritamente vinculada à atividade pública à qual afetado, não podendo o agente público, portanto, dele dispor, inclusive pelo fato de o administrador atuar como mero gestor da coisa pública; 6. Evidente na espécie, a prática de ato ímprobo, nos moldes elencados na peça de entrada, eis que conforme o tipo normativo previsto no art. 9°, inc. IV, da Lei n° 8.429/92, constitui ato de improbidade administrativa utilizar em obra ou serviço particular veículo de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades previstas no art. 1° do mesmo diploma legal, dentre as quais se inclui o Distrito Federal, a subsumir-se, plenamente, ao teor normativo, o contexto fático narrado nos autos; 7. O demandado se utilizou de bem público para fim privado (art. 9°, inc. IV, da Lei n° 8.429/92), fim este aparentemente ilícito, e, com isso, violou também o dever de honestidade e legalidade (art. 11, caput), derivando daí, inclusive, seu dolo, já que a utilização se deu de forma consciente e deliberada, ainda que travestida sob pretexto diverso, o qual, além de não corroborado pela prova dos autos, na verdade, pouco importa, posto que para o reconhecimento do ato de improbidade administrativa e aplicação das sanções inerentes é suficiente o dolo genérico. Jurisprudência do STJ; 8. O fato de o processo administrativo disciplinar ter sido arquivado não interfere no julgamento da ação de improbidade, quiçá impede a condenação do demandado, seja porque há, inequivocamente, uma independência entre as instâncias, seja pela própria fragilidade na conclusão do procedimento em âmbito administrativo, ante o fato de, na espécie, a Comissão Permanente de Sindicância ter fundamentado seu parecer exclusivamente na alegação de o Poder Judiciário ter promovido o arquivamento do inquérito resultante das investigações, sem maiores indagações quanto ao motivo do arquivamento e sem emitir qualquer juízo de valor sobre a conduta do demandado, fundamente, inclusive, equivocado pois os fatos, sob a órbita criminal, continuam em apuração; 9. A cumulação das sanções previstas no art. 12 da Lei n° 8.429/92 não é obrigatória, abrindo-se ao magistrado a possibilidade de aplicar apenas uma daquelas legalmente previstas, consoante repute adequada e suficiente às circunstâncias do caso, entendimento que se sustenta, inclusive, pela própria redação do art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa, que permite a aplicação isolada ou cumulativa das sanções. Precedentes; 10. Levando em consideração os parâmetros previstos no art. 12, parágrafo único, da Lei n° 8.429/92, quais sejam a extensão do dano e o proveito patrimonial obtido pelo agente, creio não haver fundamento para aplicação de todas as penas eleitas pelo legislador, considerando que o ato do réu, conquanto ímprobo e plenamente censurável, restringiu-se, como visto, à utilização indevida de bem público em finalidade estritamente particular, ainda que em detrimento da prestação do serviço e, inclusive, da dignidade da instituição, o que, todavia, não autoriza a exasperação das penalidades previstas no sistema; 11. Na espécie, afigura-se adequada e suficiente a aplicação ao demandado da multa civil prevista no art. 12, inc. III, da Lei n° 8.429/92, fixada em 10 (dez) vezes o valor de sua remuneração à época dos fatos, devidamente atualizada. Inadmissível, porque desproporcional aos fatos, a determinação da perda do cargo, e, nessa mesma toada, até por incompatibilidade lógica, as sanções de suspensão dos direitos políticos e proibição de contratar com o Poder Público, considerando que a ocorrência destas prejudicaria a própria investidura do réu no cargo público que ocupa; 12. Recurso conhecido e parcialmente provido. Julgada parcialmente procedente a pretensão inicial.
Data do Julgamento
:
18/10/2017
Data da Publicação
:
23/10/2017
Órgão Julgador
:
7ª Turma Cível
Relator(a)
:
GISLENE PINHEIRO
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