TJDF 198 - 1088773-07079201920178070001
DIREITO CIVIL. CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C DANOS MORAIS. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE. REJEITADA. INCIDÊNCIA DO CDC. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS. MATRÍCULA EFETIVADA, MAS PENDENTE DE CONFIRMAÇÃO DE TURMA PELA INSTITUIÇÃO DE ENSINO. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO AO ALUNO. COBRANÇA DE VALORES REFERENTES A SERVIÇOS NÃO USUFRUÍDOS PELO CONSUMIDOR. INFRINGÊNCIA AO DIREITO À INFORMAÇÃO CLARA E SUFICIENTE E À BOA-FÉ OBJETIVA. NÃO VINCULAÇÃO DO CONSUMIDOR. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. VALORES NÃO DEVIDOS. COBRANÇA INDEVIDA. DANOS MORAIS. COBRANÇA INDEVIDA DE DIVIDA INEXISTENTE POR MEIOS VEXATÓRIOS. COBRANÇA DE DÍVIDA INDEVIDA, POR VÁRIOS MEIOS, DURANTE RAZOÁVEL PERÍODO. COBRANÇA POR EMAIL PARA TERCEIRO, COLEGA DE TRABALHO, POR VÁRIOS MÊSES. CONSTRANGIMENTO E ABUSO POR EXCESSO NA COBRANÇA. INFRINGÊNCIA AO ART. 42 DO CDC. DÍVIDA NÃO DEVIDA PELO AUTOR. DANO MORAL CARACTERIZADO. MONTANTE DA COMPENSAÇÃO. MINORAÇÃO. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APELO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. 1. A preliminar de não conhecimento do recurso, ante a inobservância do princípio da dialeticidade, suscitada em contrarrazões, deve ser rejeitada, haja vista que, ainda que reprisadas as teses aventadas na contestação também no bojo do apelo, é possível apreender as razões de fato e de direito pelas quais a parte autora ataca a sentença, buscando a sua reforma. 1.1. De acordo com o entendimento esposado pelo Superior Tribunal de Justiça, a interpretação deve ser orientada em parâmetro lógico-sistemático, afastando, com mais razão ainda, a alegação de que o recurso padece do vício apontado. Preliminar rejeitada. 2. Configura-se a relação de consumo da qualificação das partes como fornecedor (instituição de ensino ré) e consumidor (aluno autor), na forma dos art. 2º e 3º, respectivamente, do Código de Defesa do Consumidor, bem como de a relação jurídica entabulada entre aquelas visar a prestação de serviços educacionais ao consumidor como destinatário final. 3. Estatui o Código de Defesa do Consumidor que a transparência nas relações, que culmina no direito de informação, tida no contexto das relações de consumo, constitui direito básico do consumidor, bem como objetiva, mediatamente, a melhoria do próprio mercado de consumo. 4. Compulsando-se os autos, aufere-se que não apenas restou demonstrado, senão também inconteste, que a matrícula fora realizada por e-mail, bem como que o autor não dispunha, naquele momento, nem em qualquer outro fora informado, das informações referentes à certeza da formação da turma, nem tampouco de provável data para início das atividades. 4.1. Ao autor, embora matriculado, não restou suficientemente esclarecido quanto ao serviço a ser prestado, não tendo sido comprovada qualquer orientação específica de como proceder, onde consultar ou qual o setor responsável por tal informação, nem tampouco esclarecido quanto tempo devia o aluno aguardar pela confirmação da turma. 4.2. In casu, não apenas a instituição de ensino não comunicou o aluno da confirmação da turma e do início das atividades, como não respondeu aos contatos por ele efetuados no intuito de obter tais informações, tendo, no entanto, lançado as respectivas cobranças. 5. A argumentação da ré, ora apelante, no sentido de que a responsabilidade pela verificação da existência de turma, bem assim, nesse caso, do calendário acadêmico, seria do interessado, matriculado sem a certeza da formação da turma, não se demonstra suficiente para afastar a falha no serviço por violação aos princípios da transparência, informação e boa-fé objetiva, consagrados nos artigos 4º, caput e inciso III, e 6º, inciso III, da Lei 8.078/1990. 5.1. Constatada a falha na prestação do serviço quanto à adequada, prévia, clara e suficiente informação ao consumidor, este não fica vinculado ao contrato, não sendo, portanto, devidos os valores cobrados a título de prestação de serviços educacionais das quais o autor não obteve qualquer proveito, não por sua mera liberalidade ou por desistência, senão pela absoluta ausência de informação essencial relativa à confirmação de turma no curso de interesse, posto que indisponível no momento da matrícula, e da sua data de início, cuja responsabilidade pelo esclarecimento e comunicação ao autor era, no caso delineado nos autos, da instituição de ensino ré. 5.2. Ao fim e ao cabo, cabia à instituição de ensino ré adotar postura mais diligente no trato de seus negócios, averiguando a regularidade da dívida, antes de proceder à cobrança, inclusive mediante terceirização dessa atividade, bem assim à efetivação de ato restritivo, em prol dos deveres de cuidado e segurança, não sendo crível que repasse os obstáculos no desempenho de suas atividades (fortuito interno) ao consumidor, inocente e hipossuficiente. 6. Inquestionável a caracterização de dano moral (CF, art. 5º, V e X; CDC, art. 6º, VI c/c 42), decorrente do abuso na cobrança pela instituição ré, não apenas em decorrência da ameaça de anotação indevida do nome do consumidor em cadastro de restrição ao crédito, obstada pela intervenção judicial, mas também em razão dos inúmeros, indevidos e impertinentes contatos via SMS, e-mails e cartas comprovadamente enviadas ao autor, e principalmente pelo reiterado envio de cobranças a colega de trabalho do réu, durante vários meses, o que, sem dúvidas constitui aviltamento indevido do nome e abalo à sua credibilidade e idoneidade pessoal e profissional do consumidor. 6.1. O valor dos danos morais, em qualquer situação, deve ser arbitrado em consonância com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, ou seja, sem exacerbação dos valores, a fim de não conduzir ao famigerado enriquecimento sem causa (CC, art. 884), e proporcional ao dano causado. Há de se atentar para a extensão da dor, do sentimento, das marcas deixadas pelo evento danoso, e ainda as condições sociais e econômicas da pessoa obrigada (in casu, instituição de ensino superior de grande porte), além da prevenção de comportamentos futuros análogos. 6.2. Sob esse prisma, em homenagem aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, impõe-se minorar a verba compensatória fixada pelo Juízo a quo a título de danos morais para o montante de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), porquanto este melhor atende às peculiaridades do caso concreto e às finalidades acima delineadas (reprovabilidade da conduta, repercussão na esfera íntima do ofendido, caráter educativo, capacidade econômica da parte), não sendo excessiva a ponto de beirar o enriquecimento ilícito, nem ínfima, que não coíba novas práticas. 7. O tribunal, ao julgar o recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo-lhe vedado, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º (20%) e 3º para a fase de conhecimento (§ 11, do art. 85, do CPC/2015). 7.1. Nesse prisma, inobstante o parcial provimento do apelo, em se tratando de alteração do quantum dos danos morais, não há se falar em alteração da sucumbência quanto ao pleito principal, os honorários foram majorados para 16% (dezesseis por cento) do valor atualizado da condenação em favor do causídico da parte autora. 8. Apelo conhecido, preliminar rejeitada e, no mérito, parcialmente provido tão somente para minorar o valor da condenação em danos morais, mantida a sentença quanto ao demais. Honorários recursais fixados.
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DIREITO CIVIL. CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C DANOS MORAIS. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE. REJEITADA. INCIDÊNCIA DO CDC. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS. MATRÍCULA EFETIVADA, MAS PENDENTE DE CONFIRMAÇÃO DE TURMA PELA INSTITUIÇÃO DE ENSINO. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO AO ALUNO. COBRANÇA DE VALORES REFERENTES A SERVIÇOS NÃO USUFRUÍDOS PELO CONSUMIDOR. INFRINGÊNCIA AO DIREITO À INFORMAÇÃO CLARA E SUFICIENTE E À BOA-FÉ OBJETIVA. NÃO VINCULAÇÃO DO CONSUMIDOR. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. VALORES NÃO DEVIDOS. COBRANÇA INDEVIDA. DANOS MORAIS. COBRANÇA INDEVIDA DE DIVIDA INEXISTENTE POR MEIOS VEXATÓRIOS. COBRANÇA DE DÍVIDA INDEVIDA, POR VÁRIOS MEIOS, DURANTE RAZOÁVEL PERÍODO. COBRANÇA POR EMAIL PARA TERCEIRO, COLEGA DE TRABALHO, POR VÁRIOS MÊSES. CONSTRANGIMENTO E ABUSO POR EXCESSO NA COBRANÇA. INFRINGÊNCIA AO ART. 42 DO CDC. DÍVIDA NÃO DEVIDA PELO AUTOR. DANO MORAL CARACTERIZADO. MONTANTE DA COMPENSAÇÃO. MINORAÇÃO. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APELO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. 1. A preliminar de não conhecimento do recurso, ante a inobservância do princípio da dialeticidade, suscitada em contrarrazões, deve ser rejeitada, haja vista que, ainda que reprisadas as teses aventadas na contestação também no bojo do apelo, é possível apreender as razões de fato e de direito pelas quais a parte autora ataca a sentença, buscando a sua reforma. 1.1. De acordo com o entendimento esposado pelo Superior Tribunal de Justiça, a interpretação deve ser orientada em parâmetro lógico-sistemático, afastando, com mais razão ainda, a alegação de que o recurso padece do vício apontado. Preliminar rejeitada. 2. Configura-se a relação de consumo da qualificação das partes como fornecedor (instituição de ensino ré) e consumidor (aluno autor), na forma dos art. 2º e 3º, respectivamente, do Código de Defesa do Consumidor, bem como de a relação jurídica entabulada entre aquelas visar a prestação de serviços educacionais ao consumidor como destinatário final. 3. Estatui o Código de Defesa do Consumidor que a transparência nas relações, que culmina no direito de informação, tida no contexto das relações de consumo, constitui direito básico do consumidor, bem como objetiva, mediatamente, a melhoria do próprio mercado de consumo. 4. Compulsando-se os autos, aufere-se que não apenas restou demonstrado, senão também inconteste, que a matrícula fora realizada por e-mail, bem como que o autor não dispunha, naquele momento, nem em qualquer outro fora informado, das informações referentes à certeza da formação da turma, nem tampouco de provável data para início das atividades. 4.1. Ao autor, embora matriculado, não restou suficientemente esclarecido quanto ao serviço a ser prestado, não tendo sido comprovada qualquer orientação específica de como proceder, onde consultar ou qual o setor responsável por tal informação, nem tampouco esclarecido quanto tempo devia o aluno aguardar pela confirmação da turma. 4.2. In casu, não apenas a instituição de ensino não comunicou o aluno da confirmação da turma e do início das atividades, como não respondeu aos contatos por ele efetuados no intuito de obter tais informações, tendo, no entanto, lançado as respectivas cobranças. 5. A argumentação da ré, ora apelante, no sentido de que a responsabilidade pela verificação da existência de turma, bem assim, nesse caso, do calendário acadêmico, seria do interessado, matriculado sem a certeza da formação da turma, não se demonstra suficiente para afastar a falha no serviço por violação aos princípios da transparência, informação e boa-fé objetiva, consagrados nos artigos 4º, caput e inciso III, e 6º, inciso III, da Lei 8.078/1990. 5.1. Constatada a falha na prestação do serviço quanto à adequada, prévia, clara e suficiente informação ao consumidor, este não fica vinculado ao contrato, não sendo, portanto, devidos os valores cobrados a título de prestação de serviços educacionais das quais o autor não obteve qualquer proveito, não por sua mera liberalidade ou por desistência, senão pela absoluta ausência de informação essencial relativa à confirmação de turma no curso de interesse, posto que indisponível no momento da matrícula, e da sua data de início, cuja responsabilidade pelo esclarecimento e comunicação ao autor era, no caso delineado nos autos, da instituição de ensino ré. 5.2. Ao fim e ao cabo, cabia à instituição de ensino ré adotar postura mais diligente no trato de seus negócios, averiguando a regularidade da dívida, antes de proceder à cobrança, inclusive mediante terceirização dessa atividade, bem assim à efetivação de ato restritivo, em prol dos deveres de cuidado e segurança, não sendo crível que repasse os obstáculos no desempenho de suas atividades (fortuito interno) ao consumidor, inocente e hipossuficiente. 6. Inquestionável a caracterização de dano moral (CF, art. 5º, V e X; CDC, art. 6º, VI c/c 42), decorrente do abuso na cobrança pela instituição ré, não apenas em decorrência da ameaça de anotação indevida do nome do consumidor em cadastro de restrição ao crédito, obstada pela intervenção judicial, mas também em razão dos inúmeros, indevidos e impertinentes contatos via SMS, e-mails e cartas comprovadamente enviadas ao autor, e principalmente pelo reiterado envio de cobranças a colega de trabalho do réu, durante vários meses, o que, sem dúvidas constitui aviltamento indevido do nome e abalo à sua credibilidade e idoneidade pessoal e profissional do consumidor. 6.1. O valor dos danos morais, em qualquer situação, deve ser arbitrado em consonância com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, ou seja, sem exacerbação dos valores, a fim de não conduzir ao famigerado enriquecimento sem causa (CC, art. 884), e proporcional ao dano causado. Há de se atentar para a extensão da dor, do sentimento, das marcas deixadas pelo evento danoso, e ainda as condições sociais e econômicas da pessoa obrigada (in casu, instituição de ensino superior de grande porte), além da prevenção de comportamentos futuros análogos. 6.2. Sob esse prisma, em homenagem aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, impõe-se minorar a verba compensatória fixada pelo Juízo a quo a título de danos morais para o montante de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), porquanto este melhor atende às peculiaridades do caso concreto e às finalidades acima delineadas (reprovabilidade da conduta, repercussão na esfera íntima do ofendido, caráter educativo, capacidade econômica da parte), não sendo excessiva a ponto de beirar o enriquecimento ilícito, nem ínfima, que não coíba novas práticas. 7. O tribunal, ao julgar o recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo-lhe vedado, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º (20%) e 3º para a fase de conhecimento (§ 11, do art. 85, do CPC/2015). 7.1. Nesse prisma, inobstante o parcial provimento do apelo, em se tratando de alteração do quantum dos danos morais, não há se falar em alteração da sucumbência quanto ao pleito principal, os honorários foram majorados para 16% (dezesseis por cento) do valor atualizado da condenação em favor do causídico da parte autora. 8. Apelo conhecido, preliminar rejeitada e, no mérito, parcialmente provido tão somente para minorar o valor da condenação em danos morais, mantida a sentença quanto ao demais. Honorários recursais fixados.
Data do Julgamento
:
13/04/2018
Data da Publicação
:
18/04/2018
Órgão Julgador
:
6ª Turma Cível
Relator(a)
:
ALFEU MACHADO
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