TJDF 198 - 1093735-07001294520178070018
CONSUMIDOR. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C DANOS MORAIS. TRANSFERÊNCIA DE VALORES PARA A CONTA CORRENTE DA AUTORA MEDIANTE FRAUDE. POSTERIORES SAQUES E COMPRAS. CARTÃO COM CHIP, SENHA NUMÉRICA E INDENTIFICAÇÃO POSITIVA (LETRAS). FRAUDE. INEXISTÊNCIA DE PROVA. BLOQUEIO DE CONTA CORRENTE POR MAIS DE 03 MESES. ABUSO DE DIREITO. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A questão exposta será analisada à luz das disposições do Código de Defesa do Consumidor (CDC), considerando que a relação jurídica existente entre as partes é a de fornecedor e de consumidor, nos termos dos arts. 2º e 3º daquele Diploma legal e da Súmula n. 297/STJ, incidindo, ainda, pelo diálogo das fontes, as normas do Código Civil. 1.1. Nesse viés, registre-se que a responsabilidade civil dos fornecedores de serviços, a cujo conceito se amolda o banco réu recorrente, é objetiva, fundada no risco da atividade desenvolvida, conforme arts. 14 do CDC e 186, 187 e 927 do CC, não se fazendo necessário perquirir acerca da existência de culpa. 1.2. No entanto, impende destacar que, diferentemente da teoria do risco integral, adotada excepcionalmente em nosso ordenamento, pela qual não se admite excludentes da responsabilidade civil, a teoria da responsabilidade objetiva calcada no direito consumerista, permite a alegação das excludentes da inexistência de defeito ou da culpa exclusiva da vítima, nos termos do art. 14, § 3º, I e II, do CDC. 2. A fraude identificada pela instituição financeira corresponde à transferência, pelo canal Banknet, do valor de dez mil reais da conta corrente da pessoa jurídica Coffee Break Ind Com Ltda para conta corrente da autora, conforme se verifica dos documentos ID 8594437. 2.1. Creditados os valores na conta corrente da autora, estes foram utilizados mediante cinco operações diferentes, especificamente, compra visa electron (duas vezes), saque banco 24 horas e saque em caixa eletrônico do BRB (duas vezes). 2.2. Uma vez transferidos os valores para a conta corrente da autora, não há qualquer prova de que o uso dos recursos decorra de operação fraudulenta, posto que realizado mediante cartão de crédito com chip, identificação positiva de letras e senha pessoal. Além disso, as operações ocorreram em três meios diferentes, sendo improvável fraude concomitante em todos eles. 3. Com efeito, é ônus do correntista manter sob sua guarda e vigilância o cartão e a senha, restando excluída a responsabilidade do banco quando comprovar inexistência de defeito na prestação do serviço ou culpa exclusiva da vítima, consoante dispõe o art. 14, § 3º, I e II do CDC. 3.1. O juiz decidirá a causa com base nas regras de experiência comum ou técnica. É de conhecimento geral a segurança no uso de cartão bancário provido de chip, identificação positiva de letras e senha pessoal, quando não negligenciado pelo usuário o sigilo de sua senha pessoal. 3.2. Deveras, a segurança das transações financeiras realizadas através de compras e de saques são tanto de responsabilidade da instituição financeira como do correntista, ante a necessidade de senha pessoal e intransferível para a efetivação. 3.3. No particular, não restou demonstrada falha no sistema de segurança do banco, assim não há nexo de causalidade entre o fato narrado e ação ou omissão do réu, afastando, por conseguinte, a declaração de inexistência de débito. 3.4. Importa consignar que ao contrário do afirmado pela apelante, não houve a inversão do ônus da prova quanto a não utilização do cartão pela autora. Isso porque, considerando a ausência de prova a ensejar a verossimilhança das alegações da autora, não há como inverter o ônus da prova nesse sentido. De outra forma não poderia ser, porquanto os saques foram efetivados mediante o uso de senha pessoal e intransferível. 4. Em que pese a restrição da conta corrente ter sido legítima em um primeiro momento, pois a conta foi utilizada para recebimento de valores oriundos de fraude, a manutenção do bloqueio da conta bancária destinada a recebimento de salário por mais de 3 (três) meses, configura evidente abuso de direito, segundo o disposto no art. 187 do Código Civil. 4.1. Este fato é suficiente para provocar situação desagradável, haja vista que a demandante ficou impossibilitada de usar numerário decorrente de salário, causando-lhe constrangimento, sendo, portanto, reparável através de condenação por danos morais. 4.2. Para configurar o dano moral dispensa-se a demonstração da dor, do constrangimento, da vergonha, pois se trata de dano in re ipsa, ou seja, decorre naturalmente do abuso de direito praticado, de maneira que, com lastro na responsabilidade objetiva, demonstrado o ilícito, repercute, inevitavelmente, na ofensa dos direitos da personalidade, gerando situação constrangedora na esfera íntima da apelante. 5. A quantificação dos danos morais deve obedecer a critérios de razoabilidade e proporcionalidade, levando-se em conta, além da necessidade de compensação dos danos sofridos, as circunstâncias do caso, a gravidade do prejuízo, a situação do ofensor (instituição bancária) e a prevenção de comportamentos futuros análogos. Normativa da efetiva extensão do dano (CC, art. 944). Nesse passo, razoável o valor de R$ 2.000,00. 6. Recurso conhecido e PROVIDO EM PARTE.
Ementa
CONSUMIDOR. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C DANOS MORAIS. TRANSFERÊNCIA DE VALORES PARA A CONTA CORRENTE DA AUTORA MEDIANTE FRAUDE. POSTERIORES SAQUES E COMPRAS. CARTÃO COM CHIP, SENHA NUMÉRICA E INDENTIFICAÇÃO POSITIVA (LETRAS). FRAUDE. INEXISTÊNCIA DE PROVA. BLOQUEIO DE CONTA CORRENTE POR MAIS DE 03 MESES. ABUSO DE DIREITO. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A questão exposta será analisada à luz das disposições do Código de Defesa do Consumidor (CDC), considerando que a relação jurídica existente entre as partes é a de fornecedor e de consumidor, nos termos dos arts. 2º e 3º daquele Diploma legal e da Súmula n. 297/STJ, incidindo, ainda, pelo diálogo das fontes, as normas do Código Civil. 1.1. Nesse viés, registre-se que a responsabilidade civil dos fornecedores de serviços, a cujo conceito se amolda o banco réu recorrente, é objetiva, fundada no risco da atividade desenvolvida, conforme arts. 14 do CDC e 186, 187 e 927 do CC, não se fazendo necessário perquirir acerca da existência de culpa. 1.2. No entanto, impende destacar que, diferentemente da teoria do risco integral, adotada excepcionalmente em nosso ordenamento, pela qual não se admite excludentes da responsabilidade civil, a teoria da responsabilidade objetiva calcada no direito consumerista, permite a alegação das excludentes da inexistência de defeito ou da culpa exclusiva da vítima, nos termos do art. 14, § 3º, I e II, do CDC. 2. A fraude identificada pela instituição financeira corresponde à transferência, pelo canal Banknet, do valor de dez mil reais da conta corrente da pessoa jurídica Coffee Break Ind Com Ltda para conta corrente da autora, conforme se verifica dos documentos ID 8594437. 2.1. Creditados os valores na conta corrente da autora, estes foram utilizados mediante cinco operações diferentes, especificamente, compra visa electron (duas vezes), saque banco 24 horas e saque em caixa eletrônico do BRB (duas vezes). 2.2. Uma vez transferidos os valores para a conta corrente da autora, não há qualquer prova de que o uso dos recursos decorra de operação fraudulenta, posto que realizado mediante cartão de crédito com chip, identificação positiva de letras e senha pessoal. Além disso, as operações ocorreram em três meios diferentes, sendo improvável fraude concomitante em todos eles. 3. Com efeito, é ônus do correntista manter sob sua guarda e vigilância o cartão e a senha, restando excluída a responsabilidade do banco quando comprovar inexistência de defeito na prestação do serviço ou culpa exclusiva da vítima, consoante dispõe o art. 14, § 3º, I e II do CDC. 3.1. O juiz decidirá a causa com base nas regras de experiência comum ou técnica. É de conhecimento geral a segurança no uso de cartão bancário provido de chip, identificação positiva de letras e senha pessoal, quando não negligenciado pelo usuário o sigilo de sua senha pessoal. 3.2. Deveras, a segurança das transações financeiras realizadas através de compras e de saques são tanto de responsabilidade da instituição financeira como do correntista, ante a necessidade de senha pessoal e intransferível para a efetivação. 3.3. No particular, não restou demonstrada falha no sistema de segurança do banco, assim não há nexo de causalidade entre o fato narrado e ação ou omissão do réu, afastando, por conseguinte, a declaração de inexistência de débito. 3.4. Importa consignar que ao contrário do afirmado pela apelante, não houve a inversão do ônus da prova quanto a não utilização do cartão pela autora. Isso porque, considerando a ausência de prova a ensejar a verossimilhança das alegações da autora, não há como inverter o ônus da prova nesse sentido. De outra forma não poderia ser, porquanto os saques foram efetivados mediante o uso de senha pessoal e intransferível. 4. Em que pese a restrição da conta corrente ter sido legítima em um primeiro momento, pois a conta foi utilizada para recebimento de valores oriundos de fraude, a manutenção do bloqueio da conta bancária destinada a recebimento de salário por mais de 3 (três) meses, configura evidente abuso de direito, segundo o disposto no art. 187 do Código Civil. 4.1. Este fato é suficiente para provocar situação desagradável, haja vista que a demandante ficou impossibilitada de usar numerário decorrente de salário, causando-lhe constrangimento, sendo, portanto, reparável através de condenação por danos morais. 4.2. Para configurar o dano moral dispensa-se a demonstração da dor, do constrangimento, da vergonha, pois se trata de dano in re ipsa, ou seja, decorre naturalmente do abuso de direito praticado, de maneira que, com lastro na responsabilidade objetiva, demonstrado o ilícito, repercute, inevitavelmente, na ofensa dos direitos da personalidade, gerando situação constrangedora na esfera íntima da apelante. 5. A quantificação dos danos morais deve obedecer a critérios de razoabilidade e proporcionalidade, levando-se em conta, além da necessidade de compensação dos danos sofridos, as circunstâncias do caso, a gravidade do prejuízo, a situação do ofensor (instituição bancária) e a prevenção de comportamentos futuros análogos. Normativa da efetiva extensão do dano (CC, art. 944). Nesse passo, razoável o valor de R$ 2.000,00. 6. Recurso conhecido e PROVIDO EM PARTE.
Data do Julgamento
:
03/05/2018
Data da Publicação
:
11/05/2018
Órgão Julgador
:
6ª Turma Cível
Relator(a)
:
ALFEU MACHADO
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