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Jurisprudência


TJDF APC - 1013921-20130111009936APC

Ementa
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SENTENÇA PROFERIDA NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. OBSERVÂNCIA À TEORIA DO ISOLAMENTO DOS ATOS PROCESSUAIS. LITICONSÓRCIO SIMPLES. DEFESAS DE NATUREZA COMUM. APRECIAÇÃO CONJUNTA DOS RECURSOS. PRELIMINAR DE VÍCIO DE JULGAMENTO EXTRA E ULTRA PETITA. SENTENÇA QUE ENQUADRA O ATO DE IMPROBIDADE EM DISPOSITIVO DIVERSO DO INDICADO NA INICIAL. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ADSTRIÇÃO/CONGRUÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. PRELIMINAR REJEITADA. MÉRITO. ATOS DE IMPROBIDADE QUE ATENTEM CONTRA OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO. DEMONSTRAÇÃO DO ELEMENTO SUBJETIVO DO DOLO. DESNECESSÁRIA A DEMONSTRAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO OU DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. PROVAS QUE DEMONSTRAM INEQUIVOCAMENTE A EXISTÊNCIA DE ESQUEMA DE COBRANÇA DE PROPINA PELOS RÉUS. CONDENAÇÃO MANTIDA. MULTA CIVIL. CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE MULTA CIVIL DE NOVENTA VEZES O VALOR DA REMUNERAÇÃO PERCEBIDA PELO AGENTE PÚBLICO. QUANTUM COMPATÍVEL COM A ALTA REPROVABILIDADE DA CONDUTA ÍMPROBA. ATENDENDO AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS. SENTENÇA MANTIDA. 1. Sabendo-se que a r. sentença foi proferida antes da vigência do Novo Código de Processo Civil, os atos processuais praticados e situações jurídicas consolidadas sob a égide da legislação processual anterior continuam por ela regulados, em observância à teoria do isolamento dos atos processuais. 2. O caso em exame é hipótese típica de litisconsórcio simples, em cada réu é sujeito de sua própria situação de direito material. Considerando que os réus apresentaram as apelações de maneira isolada, caso a matéria impugnada por um dos recorrentes seja de natureza comum, a defesa deste deve beneficiar os demais recorrentes, ainda que se trate de litisconsórcio simples, consoante inteligência do art. 509, caput, do CPC/73 (art. 1.005, caput, do CPC/2015). 3. Consoante entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça, Não infringe o princípio da congruência a decisão judicial que enquadra o ato de improbidade em dispositivo diverso do indicado na inicial, eis que deve a defesa ater-se aos fatos e não à capitulação legal (REsp 842.428/ES). 4. Alei processual civil reclama para a petição inicial a indicação dos fatos e fundamentos jurídicos do pedido, ou seja, sua causa remota (os fatos) e sua causa próxima (os fundamentos jurídicos). Em relação a esta última, não se exige do autor da ação que traga a fundamentação legal, o dispositivo legal que embasa a pretensão. Isso porque a subsunção dos fatos a uma regra legal é tarefa do julgador, que deve conhecer do direito objetivo (Da mihi factum, dabo tibi jus). Em outras palavras, pode o magistrado alterar a qualificação jurídica dos fatos quando entender que assim deve proceder, sendo este, inclusive, seu dever de ofício (iura novit curia). 5. Em se tratando de ação de improbidade administrativa, a correta capitulação legal é muitas vezes difícil de ser identificada. Por tal motivo que, conforme consignou o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Herman Benjamin, no voto condutor do REsp 817.557/ES (julgado em 02/12/2008), exige-se que a inicial da ação seja precisa quanto à narração dos fatos considerados ímprobos. Esse é o fundamento do pedido do Ministério Público, e não a indicação do dispositivo legal que embasa a pretensão. Preliminar de vício de julgamento extra e ultra petita rejeitada. 6. Autilização de prova emprestada é amplamente admitida pelos Tribunais pátrios, desde que observados os princípios do contraditório e da ampla defesa. 7. As provas orais colhidas no âmbito do processo criminal (Ação Penal nº 2010.01.1.187674-8), utilizadas nestes autos como prova emprestada (fl. 243), demonstram que os réus,se valendo de sua condição de funcionário público de um deles, em colaboração com os outros dois, de maneira dolosa, mediante divisão de tarefas, exigiam vantagem patrimonial de feirantes e quiosqueiros da Feira Permanente do Guará. 8. Os depoimentos são substanciosos, indicando que os réus cobravam dos feirantes e quiosqueiros vantagem econômica ilegal, para impedir a fiscalização da Administração Regional do Guará e, também, pela expedição dos termos de permissão de uso não qualificado, valendo-se, para tanto, do cargo de Diretor de Serviço Público da Administração Regional do Guará ocupado por um dos réus. Outrossim, as provas orais demonstram que, além de exigência de propina, os réus/apelantes exigiam dos quiosqueiros que contratassem com uma empresa determinada, e ameaçavam derrubar os quiosques dos comerciantes que recusavam o pagamento. 9. Não tendo o recorrente suscitado o impedimento ou suspeição das testemunhas oportunamente, descabida a análise da questão em sede de apelação, posto que evidente a ocorrência da preclusão temporal. E, ainda que assim não fosse, para o acolhimento da contradita de testemunha, deveria o suscitante demonstrar, de forma idônea, sua incapacidade, impedimento ou suspeição, o que não ocorreu na hipótese. 10. Além das provas orais colhidas, há ainda outros elementos probatórios que, em consonância com os depoimentos testemunhais, demonstram inequivocamente a existência de esquema de cobrança de propina pelos réus. 11. Evidente a presença do elemento subjetivo do dolo na conduta ilícita dos apelantes, tendo em vista que os agentes tinham plena consciência da ilicitude do ato praticado. 12. Segundo doutrina de Waldo Fazzio Júnior,o dolo aparece no contexto da improbidade administrativa, não como artifício indultor de engano que beneficia o agente, mas como consciência da ilicitude do ato que pratica e assunção de seus resultados. (Improbidade administrativa: doutrina, legislação e jurisprudência. 3ª ed. - São Paulo: Atlas, 2015. pág. 136) 13. Consoante entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça, o dolo que se exige para a configuração de improbidade administrativa é a simples vontade consciente de aderir à conduta, produzindo os resultados vedados pela norma jurídica - ou, ainda, a simples anuência aos resultados contrários ao Direito quando o agente público ou privado deveria saber que a conduta praticada a eles levaria -, sendo despiciendo perquirir acerca de finalidades específicas (AgRg no REsp 1539929/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/06/2016, DJe 02/08/2016). 14. Os réus não se desincumbiram do ônus previsto no artigo 333, II, do CPC/73, vigente quando da prolação da sentença, ou seja, deixaram eles de produzir provas quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. 15. Nos termos do art. 11 da Lei 8.429/92, havendo violação a quaisquer dos princípio que norteiam a Administração Pública (honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade), caberá punição dos envolvidos, sejam eles agentes públicos ou particulares que se relacionam com o Estado. Demonstrada a prática de atos de improbidade administrativa pelos recorrentes, evidenciada pela ocorrência de malferimento aos princípios da Administração Pública, é de rigor a manutenção da sentença condenatória. 16. Nos termos do parágrafo único do art.12 da Lei 8.429/92, o juiz ao fixar as penas previstas pelo ato de improbidade deve sopesar a extensão do dano causado, bem como o proveito patrimonial obtido pelo agente, atendendo ao princípio da proporcionalidade. 17. Adequado o valor da multa civil fixada pelo sentenciante, fixada em noventa vezes o valor da remuneração percebida por um dos réus, como Diretor de Serviços Públicos da Administração Regional do Guará à época dos fatos. Conforme bem consignou o magistrado a quo, as reprimendas devem ser fixadas bem acima do mínimo legal, pois envolvem o que há de mais odioso e sórdido nos atos de corrupção, a exigência de propina em meio à ameaças veladas no sentido de se criar embaraços à comércio de subsistência dos feirantes. Ademais, as vítimas são pessoas de baixo grau de instrução e facilmente intimidáveis, o que agrega maior grau de reprovabilidade às condutas. Ora, mirou-se em pessoas claramente hipossuficientes nos sentidos econômico e informacional. 18. Recursos conhecidos e desprovidos. Preliminar rejeitada. Sentença mantida.

Data do Julgamento : 19/04/2017
Data da Publicação : 15/05/2017
Classe/Assunto : Segredo de Justiça
Órgão Julgador : 1ª TURMA CÍVEL
Relator(a) : ROMULO DE ARAUJO MENDES
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