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Jurisprudência


TJDF APC - 1022934-20130111370329APC

Ementa
CIVIL. PROCESSO CIVIL. DIREITO INTERTEMPORAL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. BEM PARTICULAR. REGISTRO PÚBLICO. PRESENÇA DOS REQUISITOS FORMAIS E REAIS. ART. 1.238 CÓDIGO CIIVIL. MODO DE AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA DE PROPRIEDADE. DIREITO CONSTITUCIONALMENTE GARANTIDO. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS. USO E OCUPAÇÃO DO SOLO. OMISSÃO ESTATAL. RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS. SENTENÇA MANTIDA. I. Calha destacar que tendo em vista as regras de direito intertemporal, os atos processuais e situações jurídicas consolidadas sobre a égide da legislação processual anterior continuam por ela reguladas, tanto é assim que o Novo Código de Processo Civil fez questão de consagrar literalmente a teoria do isolamento dos atos processuais, em seu artigo 14(Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.). II. Sendo assim, no caso em apreço, os atos processuais e situações jurídicas que se consolidaram sobre o manto do Código de Processo Civil de 1973, por ele continuarão sendo regidos, ante o direito subjetivo-processual adquirido. III. A usucapião é modo originário de aquisição da propriedade de imóvel pela posse prolongada da coisa e, no caso em exame, tratando-se da modalidade extraordinária, é qualificada pela moradia habitual do domínio do imóvel nos termos dispostos no artigo 1.238 do Código Civil. IV. Em nosso ordenamento jurídico, são três os requisitos essenciais, três características específicas, que tornam a posse passível de usucapião em quaisquer de suas modalidades, a posse mansa e pacífica, justa, duradoura e contínua, o animus domini, que é a intenção do dono/possuidor de ter a coisa possuída como sua, e a fluência do tempo. V. No caso dos autos, os requisitos pessoais estão presentes, eis que a pretensa adquirente é pessoa capaz, e não está formulando sua pretensão contra ascendentes, descendentes, cônjuges ou incapazes (pessoas contra as quais não corre a prescrição, inclusive aquisitiva). Tampouco trata-se de pretensão de condômino em relação ao bem comum (neste ponto, cabe observar que, malgrado se intitulem condomínios, as comunidades de pessoas nestes assentamentos ilegais quando existentes, qualificam-se mais adequadamente como associações civis, posto que não atendem aos requisitos para a qualificação de condomínios, no sentido técnico-jurídico do termo). VI. Quanto aos requisitos reais, também podem ser constatados no caso concreto. Com efeito, o bem perseguido pelo autor encontra-se encravado em área registrada em nome de particular, ou seja, não é bem fora de comércio, como o bem público, contra o qual pesa a proibição constitucional de submissão à usucapião. Em que pese à informação do Distrito Federal, atribuindo a propriedade do bem a município, o registro do imóvel indica situação diversa, ou seja, a propriedade pela pessoa que reside no pólo passivo desta relação processual. VII. O imóvel em que busca o apelado o reconhecimento da usucapião, qual seja, Avenida São Paulo, Quadra 24, Casa 22, Setor Tradicional Planaltina /DF, está inserido em área devidamente registrada em nome de particular, nos termos do documento de fl. 08, portanto, não há que se falar em bem público. Nesse sentido, expressamente declarou o Distrito Federal, inicialmente, à fl. 100 quando manifestou seu não interesse em ingressar no feito, haja vista tratar-se de imóvel de propriedade particular, não obstante, em momento posterior, voltou atrás em sua manifestação para dizer que gostaria de ingressar no feito, na qualidade de interveniente anômalo, diante, apenas, da questão urbanística. VIII. Dentre os requisitos da usucapião não consta a obrigatoriedade de regularização urbanístico-registrária da área maior onde situado o imóvel usucapiendo. Ao contrário, por ser modo originário de aquisição de propriedade, não há qualquer mácula o fato de que a área maior onde o imóvel usucapiendo está inserido seja relativa a loteamento irregularmente implantado, pois uma vez procedente a ação, se for o caso, a área destacar-se-á da porção maior, tornando-se independente e de propriedade daqueles que a reclamaram. IX. Em que pese os apelantes defenderem a função social do direito à propriedade, invocarem a defesa do desenvolvimento ordenado e sustentável da cidade, prejuízos à coletividade em face da ausência de plano urbanístico e danos ambientais, entendo que tais alegações embora muito pertinentes não servem de fundamento para o provimento dos recursos ora manejados, na medida em que, tal como bem lançado na sentença, verifico que a pretensão da aquisição originária da propriedade do bem descrito na inicial dos autos preenche todos os requisitos exigidos, como já salientado, a posse mansa e pacífica, o animus domini e a fluência temporal estabelecido por lei. X. O registro da propriedade é efeito secundário da declaração de propriedade, e não requisito para a sua configuração. Tanto é assim que o art. 1.241 do Código Civil define, como finalidade da ação judicial de usucapião, a mera declaração da aquisição da propriedade, ressalvando, em seu parágrafo único, que a declaração obtida na forma deste artigo constituirá título hábil para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. Ou seja, a sentença constitui título que embasa o registro da propriedade, mas o aperfeiçoamento de tal registro deverá observar outros requisitos objetivos, como adiante se exporá. No mesmo sentido caminha o art. 941 do Código de Processo Civil de 73, ou seja, delimita-se ali, como objeto da ação de usucapião, a mera declaração da propriedade, ao passo que o art. 945 do mesmo estatuto deixa claro que a transcrição registral da sentença de declaração da usucapião é efeito da mesma sentença, mas que tal efeito subordina-se à satisfação das obrigações fiscais. XI. Em que pese a subordinação do registro de aquisição da propriedade pender do desmembramento das matrículas após a regularização do loteamento onde está encravado o imóvel, poderá o autor promover a averbação do conteúdo desta sentença à margem da matrícula una atualmente existente, o que importa em relevantes conseqüências jurídicas, não só relativamente ao próprio direito de propriedade, que pode ser oposto inclusive contra o anterior proprietário da área, como também ao direito de preferência para o registro consumado, tão logo isso se faça possível. XII. A usucapião de imóvel fruto de loteamento irregular, de área urbana não regularizada pelo Poder Público, não pode ser obstado em decorrência dessa circunstância, porque eventual descompasso com as regras locais de ordenação do solo se curva à primazia da função social da propriedade, razão pela qual não vejo como temerário o reconhecimento de um direito constitucionalmente garantido, haja vista que a situação do apelado consolidou-se há mais de duas décadas, não podendo ser penalizado pela ausência de fiscalização e repressão ao crime do parcelamento irregular do solo, realidade no Distrito Federal, bem como ante a ausência de interesse do Estado na regularização da área denominada como Setor Tradicional de Planaltina. XIII. Apelações conhecidas e desprovidas. Sentença mantida.

Data do Julgamento : 31/05/2017
Data da Publicação : 09/06/2017
Órgão Julgador : 3ª TURMA CÍVEL
Relator(a) : GILBERTO PEREIRA DE OLIVEIRA
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