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Jurisprudência


TJDF APC - 1034967-20150110176418APC

Ementa
CIVIL. PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. I) APELAÇÃO DA RÉ. PEDIDO DE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO AUTORAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE IMPRENSA. ART. 5º, INCISOS IV E XIV, E ART. 220 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NOTÍCIA DE INTERESSE PÚBLICO. SERVIÇO DE SAÚDE. NECESSIDADE DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO PARA DIVULGAÇÃO DE IMAGEM. FIGURA NÃO PÚBLICA. EXPRESSÃO SEM CARÁTER INJURIADOR OU DIFAMATÓRIO. EXCESSO NO DEVER DE INFORMAR. PONDERAÇÃO COM DIREITOS DE PERSONALIDADE. VIDA PRIVADA, NOME, HONRA, IMAGEM. ART. 5º, INCISOS V E X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DANO MORAL. OCORRÊNCIA. DEVER DE INDENIZAR. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. II) APELAÇÃO DO AUTOR. MAJORAÇÃO DO QUANTUM FIXADO A TÍTULO DE DANOS MORAIS. IMPROCEDÊNCIA. OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. REDISTRIBUIÇÃO DOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. POSSIBILIDADE. PARÂMETRO. VALOR DA CAUSA. SE CADA LITIGANTE FOR EM PARTE VENCIDO E VENCEDOR, OS ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA DEVEM SER PROPORCIONALMENTE DISTRIBUÍDOS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. III) HONORÁRIOS RECURSAIS. APLICABILIDADE. NOVA SISTEMÁTICA DO CPC/2015. IV) APELAÇÃO DA RÉ CONHECIDA E IMPROVIDA. APELAÇÃO DO AUTOR CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. 1 - Por liberdade de pensamento, de expressão ou de manifestação, entende-se a proteção constitucional conferida a toda mensagem passível de comunicação, assim como toda opinião, convicção, comentário, avaliação ou julgamento sobre qualquer temática, seja relevante ou não aos olhos do interesse público, dotada ou não de valor (FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. 6. ed. Salvador: Juspodvm, 2014, p. 369). Por liberdade de imprensa depreende-se a possibilidade de um indivíduo publicar opiniões e ideologias ou dispor de acesso à informação por meio da utilização dos meios de comunicação, sem interferência do Estado. 1.1 - Com efeito, a Constituição Federal, em seus arts. 5º, IV e XIV, e 220, garante a livre manifestação do pensamento e a liberdade de imprensa, como forma de satisfação do direito coletivo de informação, sendo indispensável ao regime democrático. Afinal, a transmissão de informações enseja a difusão de idéias/debates, possibilitando à sociedade, como destinatária da informação, o exercício do juízo crítico e a formação de opinião. 2 - Não se pode olvidar, ainda, que, dentre os direitos e garantias fundamentais, o texto constitucional também se preocupou, nos seus incisos V e X do artigo 5º, em resguardar a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, garantindo, em caso de violação, a correspondente indenização por danos morais e materiais, além do direito de resposta. 2.1 - Ainda que a liberdade de imprensa encontre amparo na Constituição Federal, esta não é absoluta e deve ser exercitada com consciência e responsabilidade, em obediência a outros valores também protegidos pelo mesmo texto, como a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. 3 - Diante da colisão de direitos constitucionais, como é o caso do direito de personalidade e da liberdade de informação e imprensa, cabe ao julgador sopesar/ponderar os interesses em conflito e dar prevalência àquele que segundo as circunstâncias jurídicas e fáticas for mais justo, mediante a utilização da proporcionalidade, tendo o C. STJ, estabelecido no REsp 1624388/DF, de relatoria do Exmo. Sr. Min. Rel. Marco Aurélio Bellizze, como critérios de ponderação, a verificação: a) do compromisso ético com a informação verossímil; b) da preservação dos chamados direitos da personalidade, entre os quais incluem-se os direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade; e c) da vedação de veiculação de crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa (animus injuriandi vel diffamandi). 3.1 - Prevalecendo os direitos de personalidade sobre o de liberdade de informação, para que haja o dever de reparação, à luz dos arts. 12, 186, 187 e 927 do CC, faz-se necessária a presença de certos requisitos da responsabilidade civil subjetiva/aquiliana, a saber: (I) o ato ilícito; (II) a culpa em seu sentido lato sensu (que engloba o ato doloso e o culposo em sentido estrito); (III) o nexo etiológico que une a conduta do agente ao prejuízo experimentado pela parte ofendida; e (IV) o dano, este como elemento preponderante da responsabilidade civil, sem o qual não há o que reparar. 4 - Na espécie, o autor propôs ação de obrigação de fazer com pedido de indenização por danos materiais e morais em desfavor da ré, sob o fundamento de ela ter veiculado matéria que atingiu sua dignidade, imagem, honra e nome, tendo pleiteado indenização por danos materiais em razão do tempo que permaneceu sem participar das atividades do Projeto Mais Médicos para o Brasil e, consequentemente, sem receber a respectiva bolsa, auxílio moradia e alimentação; indenização por danos morais; e a exclusão de qualquer registro, menção, insinuação ou cópia com o nome, imagem ou qualquer outro dado que remetesse à pessoa do autor, especialmente os que contivessem expressões injuriosas. 4.1 - Segundo consta dos autos, o autor foi procurado pela ré para conceder entrevista acerca dos seus primeiros dias de atividade como bolsista do Projeto Mais Médicos para o Brasil, reportagem essa que foi devidamente divulgada. Não obstante, dias depois, a ré tornou a procurar o autor com o propósito de colher nova avaliação, momento em que tomou conhecimento de que este havia se afastado por razões pessoais (viagem particular para o exterior) três dias após assumir o cargo, o que motivou reportagens de título Médico deixa posto de saúde no Novo Gama (GO) três dias depois de começar a atender (fl.51), Doutor Picareta entra de férias após três dias de começar o trabalho (fl. 50 e 52) e Clínico do Programa Mais Médicos entra de férias após três dias de trabalho (fl. 55), posteriormente espalhadas nos demais veículos de comunicação, mormente pela internet (fls. 54, 56 e 71). 4.2 - No caso sob análise, embora não exista vínculo de trabalho entre o autor e a Administração Pública, é incontroverso o fato de que aquele executava uma atividade em benefício do interesse público, por meio do Termo de Adesão e Compromisso celebrado com Ministério da Saúde para adesão ao Projeto Mais Médicos para o Brasil (fls. 119/121), percebendo bolsa auxílio custeada pela União, fato este que leva a enquadrá-lo na categoria de particular que atua em colaboração com o Poder Público, espécie de agente público. 4.2.1 - À evidência, todo agente público está sob permanente vigília da cidadania. E quando o agente estatal não prima por todas as aparências de legalidade e legitimidade no seu atuar oficial, atrai contra si fortes suspeitas de um comportamento antijurídico francamente sindicável pelos cidadãos. Nesse contexto, o exercício concreto da liberdade de imprensa assegura ao jornalista o direito de noticiar eventuais irregularidades cometidas pelos agentes públicos ante sua relação de inerência com o interesse público, e que não é aprioristicamente suscetível de censura, mesmo que legislativa ou judicialmente intentada. 4.2.2 - Não obstante, em que pese a transparência que deve nortear todas as ações da Administração Pública, deve-se proteger a vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais, impedindo a exposição do individuo a constrangimentos ou interferências de terceiros ou mesmo do Estado, sem prévio consentimento, salvo expressa determinação legal em contrário, mormente quando não se tratar de pessoa de imagem pública. 4.2.3 - Além disso, o interesse público quando da veiculação da imagem deve estar diretamente vinculado ao conteúdo divulgado, sendo necessária uma avaliação da intenção do agente veiculador de simplesmente noticiar um fato para a sociedade ou de macular a imagem de uma pessoa, de forma a tornar legitima ou ilegítima a divulgação. 4.2.4 - Caso constatada a ilegitimidade da divulgação da imagem, preceitua o art. 20 do Código Civil de 2002 que, salvo se autorizadas ou necessárias à administração da justiça ou a manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas. 4.2.5 - No caso posto sub judice, embora a ré tenha informado que seu intuito era meramente informativo, ao noticiar o afastamento do autor das atividades vinculadas ao Projeto Mais Médicos para o Brasil por motivo de viagem para o exterior, veiculou a sua imagem sem que referida parte tivesse consentido, de forma que referida parte se tornou alvo de constrangimentos por parte da sociedade, que passou a vê-lo como portador de má índole, restando configurado excesso quanto ao exercício do direito de informação, de liberdade de expressão e de imprensa por parte da ré. 4.3 - Excedeu, também, a ré em seu direito de informar ao ultrapassar os limites legais e constitucionais assegurados pela liberdade de imprensa, violando direito de personalidade, por veicular notícia com expressão Doutor Picareta, atribuindo ao autor adjetivo negativo em nítido intuito difamatório e injuriador à sua honra, devendo, por consectário, responder pelo abuso que cometeu. 4.4 - Presente o nexo de causalidade entre a conduta da ré e o dano causado à honra e imagem do autor, a manutenção da condenação ao pagamento de indenização pelos danos morais por ele suportados, bem como a exclusão da expressão injuriosa e da imagem do autor das notícias de fls. 50, 51, 52, 55 e 56 é medida que se impõe. 5 - No que concerne ao valor fixado em primeira instância, este deve ser arbitrado segundo o prudente arbítrio do juiz, balizado pelos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, levando-se em conta, além da necessidade de reparação dos danos sofridos, as circunstâncias do caso, a gravidade do prejuízo, a situação da parte autora da lesão, a condição do polo ofendido e a prevenção de comportamentos futuros análogos. Essa indenização não pode ser fonte de enriquecimento sem causa da vítima (CC, art. 884) e nem de empobrecimento do devedor. 5.1 - O quantum não visa à restituição integral do prejuízo (restitutio in integrum), pela própria impossibilidade de retorno ao status quo ante, atuando apenas na função compensatória, devendo, portanto, cumprir a normativa que trata da efetiva extensão do dano, por inteligência do art. 944 do Código Civil (A indenização mede-se pela extensão do dano). 5.2 - Em homenagem aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, levando em conta a situação peculiar dos autos e a capacidade financeira das partes envolvidas, o valor consignado na r. sentença atende aos efeitos pedagógico-preventivo-punitivo, impondo-se assim a manutenção do importe fixado pelo d. Juízo a quo, por não ser excessivo a ponto de beirar o enriquecimento ilícito nem ínfimo, que não coíba novas práticas. 6 - Quanto ao pedido de redistribuição dos honorários sucumbenciais, estabelece o art. 85, §2º, do CPC, referida verba será fixada entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos o grau de zelo do profissional; o lugar de prestação do serviço; a natureza e a importância da causa; e o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. 6.1 - Depreende-se do dispositivo legal retrodisposto, a existência parâmetros ordinários para a fixação dos honorários sucumbenciais: sobre valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa. 6.2 - Na espécie, considerando que o autor pretendeu a condenação da ré a uma obrigação de fazer (retirada de registro, menção ou insinuação com seu nome, imagem ou quaisquer outros dados que remetessem à sua pessoa, especialmente os que contém expressões injuriosas) e de pagar (indenização por danos materiais - R$ 57.122,05 e por danos morais - em quantia a ser fixada pelo julgador), tendo logrado êxito, na instância a quo, quanto aos pedidos relacionados à obrigação de fazer e à indenização por danos morais, os honorários de sucumbência deveriam ter sido fixados sobre o valor da condenação. 6.2.1 - Não obstante, o disposto, analisadas as circunstâncias do caso, considerando que o valor da condenação ao pagamento de indenização por danos morais foi de R$ 6.000,00 (seis mil reais), a fixação de percentual respeitado o limite o mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ensejará reformatio in pejus em desfavor do autor, o que não é permitido, salvo se a parte adversa tivesse recorrido da mesma matéria. 6.2.2 - Visando a conferir digna remuneração ao trabalho dos patronos, o critério que melhor o remunera é o do valor da causa, tendo em vista que, em razão de o autor não ter feito qualquer estimativa quanto ao pedido de indenização por danos morais, deixando respectivo importe ao livre arbítrio do julgador, tornou-se hercúleo o trabalho a ser despendido a fim de aferição do proveito econômico das partes, motivo pelo qual sua fixação em 10% do valor da causa mostra-se razoável ao fim pretendido. 6.3 - Considerando que dos 3 (três) pedidos insertos da petição inicial o autor logrou êxito em relação a 2 (dois), a mencionada verba sucumbencial deve ser distribuída na proporção de 70% em benefício do autor e de 30% em favor da ré. 7 - O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º (20%) e 3º para a fase de conhecimento (§ 11, do art. 85, do CPC/2015). 7.1 - Levando-se em conta o trabalho adicional nesta fase, na qual apenas o autor logrou parcial êxito em seu apelo, somente no tocante ao pedido de redistribuição dos honorários sucumbenciais, cabível a condenação das partes ao pagamento de honorários recursais fixados 5% do valor da causa, na proporção de 60% em favor do autor e de 40% em favor da ré, em contemplação aos §§ 2º, e 11, do art. 85, do CPC. 8 - Apelação da ré conhecida e improvida. Apelação do autor parcialmente provida apenas para redistribuir os honorários advocatícios sucumbenciais, estes fixados em 10% sobre o valor da causa, distribuídos na proporção de 70% em benefício do autor e de 30% em favor da ré. Honorários recursais fixados.

Data do Julgamento : 26/07/2017
Data da Publicação : 01/08/2017
Órgão Julgador : 6ª TURMA CÍVEL
Relator(a) : ALFEU MACHADO
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