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Jurisprudência


TJDF APC - 1041376-20120710279433APC

Ementa
CONSUMIDOR. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL.AÇÃO REPARATÓRIA DE DANOS. PRELIMINARES: CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. JULGAMENTO EXTRA PETITA. REJEIÇÃO. MÉRITO: ALUNA INTEGRANTE DA EQUIPE DE HANDEBOL DO COLÉGIO. PERCEBIMENTO DE BOLSA INTEGRAL DE ESTUDOS. LESÃO NO JOELHO DIREITO DURANTE COMPETIÇÃO. RISCO INERENTE À ATIVIDADE ESPORTIVA. NECESSIDADE DE AFASTAMENTO. RETIRADA ABRUPTA DA BOLSA DE ESTUDOS. PRESSÃO PSICOLÓGICA POR PARTE DO TÉCNICO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. PRESSUPOSTOS PRESENTES. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. QUANTIFICAÇÃO. OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. RESTITUIÇÃO DAS MENSALIDADES COBRADAS. POSSIBILIDADE. PENSÃO POR ATO ILÍCITO. DESCABIMENTO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. HONORÁRIOS RECURSAIS ARBITRADOS. 1. Segundo o Enunciado Administrativo n. 3 do STJ, aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016), como é o caso dos autos, devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. Nessa situação, por força do Enunciado Administrativo n. 7 do STJ, é possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, com base no art. 85, § 11, do CPC/15. 2. A obrigatoriedade de uso da língua portuguesa em todos os atos e termos do processo (CPC/15, art. 192), além de corresponder a uma exigência que decorre de razões vinculadas à soberania nacional, constitui projeção concretizadora da norma do art. 13 da CF, que estabelece aquela como idioma oficial. Tal vedação guarda referência com os atos e termos processuais em sua totalidade, admitindo-se a citação de trechos em outro idioma, notadamente a título de complementaridade, como é o caso dos autos.Preliminar de cerceamento de defesa rejeitada. 3. Conforme art. art. 397 do CPC/73, vigente à época, é possível que as partes juntem aos autos novos documentos, a qualquer tempo, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos, ocasião em que será oportunizado o contraditório, no prazo de 5 dias (CPC/73, art. 398). 3.1. Considerando que os exames e documentos médicos foram realizados no curso processual, sendo acostados pela autora antes da finalização da Audiência de Instrução e Julgamento, com o intuito de contrapor os fatos narrados pela ré e reforçar os relatos da inicial, não há falar em extemporaneidade. 3.2. Ainda que ausente a intimação da parte para ciência dos documentos juntados, o ato processual somente será anulado quando demonstrado o prejuízo. Ademais, a nulidade dos atos processuais deve ser alegada pela parte na primeira oportunidade de manifestação nos autos (CPC/73, art. 245), o que não ocorreu. Preliminar de cerceamento de defesa rejeitada. 4. Estando a sentença em simetria com os pedidos formulados na petição inicial (CPC/15, arts.2º, 141, 322 e 492; CPC/73, arts. 2º, 128, 293 e 460), rejeita-se a preliminar de nulidade da decisão, por julgamento extra petita. 5. A controvérsia cinge-se à responsabilidade ou não da escola ré recorrente, para fins de pagamento de danos materiais e morais e, se o caso, delimitação do valor, tendo em vista as alegações da autora apelada de que sofreu pressão psicológica para que continuasse a participar das atividades esportivas da escola, na modalidade handebol, a despeito de lesões no joelho direito, que culminaram com a necessidade de intervenção cirúrgica, retirada da bolsa integral de estudos e impossibilidade de usufruto de bolsa atleta do governo. 6. A responsabilidade civil dos fornecedores de serviços, a cujo conceito se amolda a instituição de ensino ré, é objetiva, fundada no risco da atividade desenvolvida (CDC, art. 14; CC, arts. 186, 187, 927, 932, III, e 933), não se fazendo necessário perquirir acerca da existência de culpa.Em tais casos, basta a comprovação do liame de causalidade entre o defeito do serviço e o evento danoso experimentado pelo consumidor, cuja responsabilidade somente poderá ser afastada/minorada nas hipóteses de caso fortuito/força maior (CC, art. 393), inexistência do defeito (CDC, art. 14, § 3º, I) e culpa exclusiva do ofendido ou de terceiros (CDC, art. 14, § 3º, II). 7. Na espécie, é de se notar que autora recorrida, a convite da ré recorrente, passou a integrar o time de handebol do colégio, recebendo, em contrapartida, uma bolsa de estudos integral durante o período em esteve vinculada à escola (2009 a 2012). Não obstante a ausência de regulamentação expressa, para a manutenção da bolsa, havia a exigência de assiduidade, boas notas e frequência aos treinos. 7.1. O desempenho da atividade esportiva ocasionou à estudante sucessivas lesões físicas, conforme fotografias e laudos médicos apresentados, cujo tratamento foi custeado pela requerida. A entorse no joelho direito mais séria da autora ocorreu em outubro de 2011, o que a levou a ser operada na fase aguda do LCA. Ao retornar ao esporte, em 6/7/2012, sofreu nova lesão, com indicativo de uma segunda cirurgia. 7.2. Em razão da impossibilitada de dar continuidade às atividades esportivas, conforme atestado datado de 23/7/2012, comunicando a necessidade de afastamento por 150 dias, verifica-se que a escola ré promoveu, de forma abrupta, em 1º/8/2012, o cancelamento da bolsa integral de estudos da aluna, gerando os boletos para pagamento das mensalidades. 7.3. De fato, em momentos de treinamentos e/ou em competições esportivas, a atividade desenvolvida por uma atleta de handebol exige não só um desgaste psicológico, mas também físico, e que não raro resulta em lesões. Nesse viés, é de se observar que as lesões experimentadas pela autora, cujo tratamento foi custeado pela escola, estão ligadas diretamente ao desempenho da atividade esportiva de handebol, não sendo possível responsabilizar a ré com base nesse fato, por si só, até porque tal risco é inerente ao esporte. Todavia, verifica-se a existência de abusividade no que toca à retirada abrupta da bolsa de estudos integral após a lesão, bem como em relação à presença de pressão psicológica por parte do técnico responsável para que aquela voltasse aos treinos, respondendo a escola ré pelos prejuízos ocasionados. 8. O dano moral se relaciona diretamente com os prejuízos ocasionados a direitos da personalidade, cuja violação afeta diretamente à dignidade do indivíduo e constitui motivação suficiente para fundamentar uma ação compensatória dessa natureza (CF, art. 5º, V e X; CDC, art. 6º, VI). 8.1. No particular, a pressão psicológica exercida pelo técnico no período dedicado à prática de handebol (2009 a 2012), bem como a retirada abrupta da bolsa integral de estudos após a lesão séria no joelho direito, ultrapassam a esfera do mero dissabor e configuram abalo moral, notadamente por se tratar de adolescente. 8.2. A quantificação dos danos morais deve obedecer a critérios de razoabilidade e proporcionalidade, levando-se em conta, além da necessidade de compensação dos danos sofridos, as circunstâncias do caso, a gravidade do prejuízo, a situação do ofensor (escola) e a prevenção de comportamentos futuros análogos (função preventivo-pedagógica-reparadora-punitiva). Normativa da efetiva extensão do dano (CC, art. 944). Nesse passo, razoável o valor estabelecido na sentença, de R$ 25.000,00. 9. O critério para o ressarcimento dos prejuízos materiais encontra-se nos arts. 402 e 403 do CC, que compreende os danos emergentes (diminuição patrimonial ocasionada à vítima) e os lucros cessantes (frustração da expectativa de um lucro esperado), sendo necessária a demonstração da efetiva perda patrimonial. No particular, passível de restituição os valores das mensalidades cobrados após o cancelamento indevido da bolsa de estudos (31/7/2012 a 31/12/2012). 10. Conforme art. 950 do CC, caso a ofensa resulte defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou que lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas de tratamento e lucros cessantes até o fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu. 10.1. Na espécie, não há falar em pensionamento com base na impossibilidade de usufruto da bolsa-atleta categoria estudantil do governo (Lei n. 10.891/04), haja vista que a inscrição e o preenchimento dos requisitos fixados em lei não garantem sua contemplação (discricionariedade). Ademais, não há prova conclusiva atestando eventual redução parcial ou permanente de membro, para fins de deferimento da pensão. 11. Recurso conhecido; preliminares de cerceamento de defesa e de julgamento extra petita rejeitadas; e, no mérito, parcialmente provido para afastar a pensão por ato ilícito. Demais termos da sentença mantidos. Honorários recursais fixados.

Data do Julgamento : 23/08/2017
Data da Publicação : 29/08/2017
Órgão Julgador : 6ª TURMA CÍVEL
Relator(a) : ALFEU MACHADO
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