TJDF APC - 1057193-20160111007798APC
DIREITO CIVIL, IMOBILIÁRIO E DIREITO DO CONSUMIDOR. INCORPORAÇÃOIMOBILIÁRIA. UNIDADE AUTÔNOMA. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. PRAZO DEENTREGA. PREVISÃO DE DILATAÇÃO SEM NECESSIDADE DE JUSTIFICAÇAO. LEGITIMIDADE. TERMO FINAL. INOBSERVÂNCIA PELA CONSTRUTORA. INADIMPLEMENTO CULPOSO DA CONSTRUTORA. ELISÃO DA MORA. CONCLUSÃO DO IMÓVEL E COLOCAÇÃO À DISPOSIÇÃO DA ADQUIRENTE. ATRASO NO PAGAMENTO DAS PARCELAS DO PREÇO PELA ADQUIRENTE. RESCISÃO. POSSIBILIDADE. PEDIDO DE RESCISÃO ADVINDO DA ADQUIRENTE. MANIFESTAÇÃO SUBSEQÜENTE A ELISÃO DA MORA E A RESCISÃO EXTRAJUDICIAL DO CONTRATO. COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO. VEDAÇÃO. RESOLUÇÃO DO CONTRATO POR CULPA DA COMPRADORA. LEGITIMIDADE. EFETIVAÇÃO. LEILÃO EXTRAJUDICIAL (LEI 4.591/64, ART. 63). INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA SOB REGIME DE EMPREITADA. RETENÇÃO INTEGRAL DAS PARCELAS PAGAS. IMPOSSIBILIDADE. DIÁLOGO DAS FONTES NORMATIVAS. NEGÓCIO SUJEITO À LEI DE CONSUMO. APLICAÇÃO DA CLÁUSULA PENAL. INCIDÊNCIA. RETENÇÃO DE PARTE DO VERTIDO. PREÇO. ADIMPLEMENTO NO CURSO DO NEGÓCIO. DEVOLUÇÃO. IMPERATIVO LEGAL. DECOTE DE DESPESAS ADMINISTRATIVAS. POSSIBILIDADE. CLÁUSULA PENAL. MODULAÇÃO. INDENIZAÇÃO A TÍTULO DE LUCROS CESSANTES. CABIMENTO. MORA DA ALIENANTE QUALIFICADA. JUROS MORATÓRIOS. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. RESCISÃO. CULPA DA ADQUIRENTE. TERMO INICIAL. DATA DO TRÂNSITO EM JULGADO. ÔNUS DASUCUMBÊNCIA. IMPUTAÇÃO À AUTORA. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. POSTULAÇÃO. PREPARO. RECOLHIMENTO. ATO INCOMPATÍVEL COM A BENESSE. LEILÃO EXTRAJUDICIAL DO IMÓVEL PROMETIDO. ANULAÇÃO. INTERESSE DE DEBATER A QUESTÃO. INEXISTÊNCIA. APELAÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL. ENCARGOS SUCUMBENCIAIS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA E PROPORCIONAL. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. DISTRIBUIÇÃO. (CPC, ART. 85, § 2º). 1. Conquanto postuladas as benesses da justiça gratuita, o preparo do apelo implica a prática de ato incompatível com a postulação, e, outrossim, não havendo qualquer pedido volvido ao reprisamento do vínculo negocial, mas tão somente destinado a modular a culpa pelo seu desfazimento e os efeitos que irradiara, não pode o recurso ser conhecido quanto aos pontos por ausência de interesse recursal legítimo. 2. Arescisão do contrato de promessa de compra no ambiente extrajudicial não obsta nem encerra óbice para que o contratante resida em juízo com o escopo de debater as cláusulas contratuais que nortearam o vínculo e seu desfazimento, à medida que, conquanto resolvido o negócio, seus efeitos se irradiaram, legitimando que o convencionado seja debatido e, se o caso, modulado, notadamente porque o eventual acolhimento da pretensão é passível de produzir o resultado almejado no espectro fático, carecendo de respaldo o provimento extintivo que omite essa providência. 3. Apromessa de compra e venda de imóvel em construção que enlaça em seus vértices pessoa jurídica cujo objeto social está destinado à construção e incorporação de imóvel inserido em empreendimento imobiliário e pessoa física destinatária final de apartamento negociado qualifica-se como relação de consumo, pois emoldura-se linearmente na dicção dos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor, devendo os dissensos derivados do negócios serem resolvidos à luz das premissas normativas firmados por esse estatuto legal. 4. Desde que pactuada em prazo razoável e compatível com o porte do empreendimento a ser executado, não se reveste de ilegalidade ou abusividade a cláusula que prevê a prorrogação do prazo de entrega do imóvel em construção prometido à venda, independentemente de justa causa, pois encerra a previsão regulação consoante a natureza das atividades inerentes à construção civil, pois sujeita a fatores que, conquanto previsíveis, não estão afetados à álea de previsibilidade sistemática e precisa da construtora, tais como as intempéries climáticas, a falta de mão-de-obra, de materiais e maquinários, legitimando que se acautele e estabeleça a prorrogação como fórmula justamente de viabilizar a conclusão do empreendimento dentro do prazo estimado e participado ao adquirente. 5. Conquanto a expedição e registro da carta de habite-se não sejam aptos a comprovarem a entrega do imóvel, pois somente se materializa com a disposição da unidade ao adquirente, induzem à constatação de que o imóvel fora concluído e está em condições de ser habitado, devendo ser assimilados como fatos aptos a ilidirem a mora da construtora e promitente vendedora quanto à obrigação que assumira de construir e entregar o imóvel. 6. Elidida a mora da construtora e incorporadora mediante a obtenção e registro da carta de habite-se, não se afigura consoante o princípio da boa-fé objetiva que, conquanto colocado o imóvel à disposição da adquirente, invoque a inadimplência resolvida como fato apto a legitimar a rescisão da promessa de compra e venda fundada na culpa da promissária vendedora, pois suplantado pelo adimplemento da obrigação, encerrando manifestação formulada sob essa realidade comportamento contraditório, postura não tolerada no ambiente obrigacional. 7. Acláusula geral da boa-fé objetiva, com larga aplicação nas relações obrigacionais, exerce múltiplas funções, desde a fase anterior à formação do vínculo, passando pela sua execução, até a fase posterior ao adimplemento da obrigação: interpretação das regras pactuadas (função interpretativa - Código Civil, artigo 113), criação de novas normas de conduta (função integrativa - artigo 422) e limitação dos direitos subjetivos (função de controle contra o abuso de direito - artigo 187). 8. Sob sua função de controle, a boa-fé objetiva atua com o fim de evitar o abuso de direito pelo seu titular, vedando que a parte assuma comportamentos contraditórios no desenvolvimento da relação obrigacional, o que resulta na vedação do venire contra factum proprium, o que se verifica com a manifestação do adquirente visando rescindir a promessa de compra e venda que concertara com a imputação de culpa à alienante fundada no atraso na conclusão e entrega do imóvel prometido após a elisão da mora e colocação do imóvel à sua disposição. 9. Ilidida a mora imprecada à construtora mediante a conclusão do imóvel e averbação da carta de habite-se e, outrossim, colocação do imóvel à disposição da adquirente, já não se afigura viável que invoque a mora da construtora como apta a ensejar a rescisão decorrente do seu inadimplemento, ensejando a apreensão da legitimidade da rescisão extrajudicial do compromisso de compra e venda por culpa da promissária compradora se, após a elisão da mora pela construtora, incorrera em atraso no pagamento da parcela do preço referente às chaves, na conformidade da boa-fé contratual e do princípio que veda o comportamento contraditório e, ainda, do princípio de que o direito não pode ser usado para socorrer aqueles que dormem ou que negligenciam seu uso ou defesa (dormientibus non succurrit jus). 10. O efeito imediato da rescisão do compromisso de compra e venda motivada por iniciativa da promitente vendedora ante o inadimplemento da promissária compradora é a restituição dos contratantes ao estado em que se encontravam antes da entabulação do negócio, modulados os efeitos do distrato em conformidade com a inadimplência da adquirente, que ensejara a frustração do negócio, determinando que seja responsabilizada por eventuais prejuízos advindos de sua conduta à alienante. 11. De acordo com o preceituado pelo artigo 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor, são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estabeleçam obrigações iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em franca desvantagem ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou equidade, presumindo-se exagerada, na forma do disposto no § 1º, inciso III, desse mesmo dispositivo, a vantagem que se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. 12. O STJ, sob a ótica da legislação de consumo, há muito firmara entendimento segundo o qual o compromissário comprador de imóvel que não mais reúne condições econômicas de suportar os encargos do contrato - assim como a promitente vendedora ante o inadimplemento do promissário comprador - tem o direito de rescindir o contrato, sendo legítima a retenção de parte do valor pago a título de despesas administrativas realizadas pela promitente vendedora em percentual oscilante entre 10% e 25% do valor pago, o qual deverá ser fixado à luz das circunstâncias do caso, sendo legítimo ao Juiz agastar o percentual contratualmente previsto quando se mostrar oneroso ou excessivo para o consumidor. 13. Acláusula contratual que, defronte o fato de que o empreendimento está sendo erigido sob a forma de incorporação imobiliária sob o regime da empreitada, autoriza que, diante do atraso no pagamento das parcelas do preço pela promissária compradora, a promitente vendedora dê por rescindido o negócio e aliene via leilão extrajudicial os direitos aquisitivos sobre o imóvel a terceiro e adjudique o imóvel com base no direito de preferência, retendo todas as quantias vertidas, a depender do lance ofertado, reveste-se de abusividade, tornando-se ilegítima e intolerável, pois sujeita a promissária adquirente a condição iníqua e desconforme com a boa-fé contratual, devendo ser modulada mediante a aplicação do disposto na lei de consumo mediante a aplicação do diálogo das fontes normativas. 14. Alei das incorporações imobiliárias contempla 03 formas de incorporação, a direta pelo incorporador, no qual erigirá diretamente o empreendimento e a contratação é ultimada de forma direta entre o incorporador e o adquirente (Lei 4.591/64. art. 41), a incorporação por administração, em que a incorporação e alienação são realizadas a preço de custo( Lei nº 4.591, art. 58), e a incorporação por empreitada, a preço fixo ou reajustável por índices previamente determinados (Lei 4.591/64, art. 55), estando cada qual sujeita a disciplina própria. 15. O empreendimento imobiliário erigido sob o regime de incorporação imobiliária na modalidade da empreitada (Lei 4.591/64, art. 55), no qual a incorporadora é responsável pela construção e entrega do imóvel aos adquirentes, desenvolvidas suas atividades com o móvel do lucro, descerra relação de consumo se a adquirente é pessoa física e almejara a aquisição como destinatária final, pois, sob essa natureza de incorporação, a incorporadora se enquadra no conceito de fornecedora, tornando ilegítima a cláusula inserta no contrato como se se cuidasse de incorporação realizada sob a forma de construção direta ou por administração que permite, diante da inadimplência da adquirente, a alienação da unidade e a retenção integral do preço já vertido. 16. Tratando-se de incorporação imobiliária levada a efeito sob o regime da modalidade da empreitada, descerrando relação de consumo concertada entre a incorporadora e a adquirente na conformidade do diálogo das fontes normativas, a cláusula contratual que regula os efeitos da mora e a rescisão do negócio deve ser modulada na conformidade do disposto pela legislação de consumo, que coíbe, nas promessas de compra e venda cujo preço é pago de forma parcelada, a retenção, rescindido o contrato por culpa do consumidor, da íntegra das parcelas vertidas pelo alienante (CDC, art. 53). 17. Rescindida a promessa de compra e venda antes da entrega do imóvel negociado e não tendo a construtora experimentado outros prejuízos derivados da inadimplência além das despesas administrativas que tivera com a formalização e distrato do contrato, a multa rescisória no montante de 20% (vinte por cento) do valor do imóvel afigura-se onerosa e abusiva por vilipendiar a comutatividade do contrato e, desvirtuando-se da sua destinação, transmudar-se em fonte de incremento patrimonial indevido, legitimando que seja revisada e fixada em ponderação com o que despendera de forma a ser prestigiada a gênese e destinação da estipulação. 18. Amodulação dos efeitos da rescisão da promessa de compra e venda por ter emergido da iniciativa da promitente vendedora ante o inadimplemento da promissária compradora consubstancia simples consequência do desfazimento do negócio, estando debitado ao juiz o dever de, aferindo a excessividade da cláusula penal, revê-la até mesmo de ofício, pois, afinado com os princípios da boa-fé objetiva e com a função social do contrato que se qualificam como nortes da novel codificação, o novel legislador civil estabelecera a mitigação da cláusula penal como medida imperativa, e não como faculdade ou possibilidade (CC, art. 413). 19. Oatraso injustificado na conclusão e entrega do imóvel em construção prometido à venda traduz inadimplemento contratual culposo da construtora e vendedora, determinando que, irradiando efeitos materiais, pois privara a adquirente do uso do imóvel desde a data prometida até a data em que a mora fora ilidida pela construtora, sejam compostos os danos ocasionados à comprador traduzidos nos frutos que deixara de auferir com a fruição direta ou locação do apartamento, pois consubstanciam lucros cessantes que efetivamente deixara de auferir. 20. Configurado o atraso injustificado na entrega do imóvel prometido à venda, considerado, inclusive, o prazo de prorrogação convencionado, ensejando que a consumidora ficasse privada de dele usufruir economicamente durante o interstício em que perdurara a mora da construtora, assiste-lhe o direito de ser compensada pecuniariamente pela vantagem econômica que deixara de auferir no interregno em que persistira a mora, cujo montante deve ser aferido com lastro nos alugueres que poderiam ter sido gerados pela unidade imobiliária, pois refletem os lucros cessantes que deixara de auferir enquanto privado do uso da coisa(CC, art. 476). 21. O fato de a vendedora optar, diante da inadimplência da adquirente, pela rescisão da promessa de compra e venda não afeta o direito que assiste à promissária comprodora de ser compensada pelos frutos que deixara de auferir e presumivelmente seriam gerados pela unidade, traduzindo lucros cessantes, no período compreendido entre a mora da alienante e a data da suspensão do pagamento dass parcelas, pois, adimplente durante o atraso na entrega do imóvel, e irradiando o contrato os efeitos que lhe são inerentes, deixara de auferir o que poderia irradiar se houvesse sido o imóvel negociado entregue na data comprometida. 22. O parcial acolhimento da pretensão formulada, resultando em êxito e decaimento ponderados se balanceado o reclamado e o objetido, enseja a caracterização da sucumbência recíproca e proporcional, emergindo da inferência a necessidade de as verbas sucumbenciais serem rateadas de forma a serem conformadas ao preceituado pelo legislador processual, vedada a compensação (CPC, artigos 85, § 14, e86). 23. Encerrando a ação pretensão de natureza condenatória e acolhido parcialmente o pedido, os honorários advocatícios devidos aos patronos das partes como contrapartida pelos serviços que realizaram, ponderados os trabalhos efetivamente executados, o zelo com que se portaram, o local e tempo de execução dos serviços e a natureza e importância da causa, devem, necessariamente, ser mensurados em percentual incidente sobre o valor da condenação, observados os parâmetros mínimo e máximo estabelecidos pelo legislador e ponderados o êxito e decaimento obtidos (NCPC, art. 85, §2º). 24. Apelação parcialmente conhecida e parcialmente provida. Unânime.
Ementa
DIREITO CIVIL, IMOBILIÁRIO E DIREITO DO CONSUMIDOR. INCORPORAÇÃOIMOBILIÁRIA. UNIDADE AUTÔNOMA. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. PRAZO DEENTREGA. PREVISÃO DE DILATAÇÃO SEM NECESSIDADE DE JUSTIFICAÇAO. LEGITIMIDADE. TERMO FINAL. INOBSERVÂNCIA PELA CONSTRUTORA. INADIMPLEMENTO CULPOSO DA CONSTRUTORA. ELISÃO DA MORA. CONCLUSÃO DO IMÓVEL E COLOCAÇÃO À DISPOSIÇÃO DA ADQUIRENTE. ATRASO NO PAGAMENTO DAS PARCELAS DO PREÇO PELA ADQUIRENTE. RESCISÃO. POSSIBILIDADE. PEDIDO DE RESCISÃO ADVINDO DA ADQUIRENTE. MANIFESTAÇÃO SUBSEQÜENTE A ELISÃO DA MORA E A RESCISÃO EXTRAJUDICIAL DO CONTRATO. COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO. VEDAÇÃO. RESOLUÇÃO DO CONTRATO POR CULPA DA COMPRADORA. LEGITIMIDADE. EFETIVAÇÃO. LEILÃO EXTRAJUDICIAL (LEI 4.591/64, ART. 63). INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA SOB REGIME DE EMPREITADA. RETENÇÃO INTEGRAL DAS PARCELAS PAGAS. IMPOSSIBILIDADE. DIÁLOGO DAS FONTES NORMATIVAS. NEGÓCIO SUJEITO À LEI DE CONSUMO. APLICAÇÃO DA CLÁUSULA PENAL. INCIDÊNCIA. RETENÇÃO DE PARTE DO VERTIDO. PREÇO. ADIMPLEMENTO NO CURSO DO NEGÓCIO. DEVOLUÇÃO. IMPERATIVO LEGAL. DECOTE DE DESPESAS ADMINISTRATIVAS. POSSIBILIDADE. CLÁUSULA PENAL. MODULAÇÃO. INDENIZAÇÃO A TÍTULO DE LUCROS CESSANTES. CABIMENTO. MORA DA ALIENANTE QUALIFICADA. JUROS MORATÓRIOS. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. RESCISÃO. CULPA DA ADQUIRENTE. TERMO INICIAL. DATA DO TRÂNSITO EM JULGADO. ÔNUS DASUCUMBÊNCIA. IMPUTAÇÃO À AUTORA. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. POSTULAÇÃO. PREPARO. RECOLHIMENTO. ATO INCOMPATÍVEL COM A BENESSE. LEILÃO EXTRAJUDICIAL DO IMÓVEL PROMETIDO. ANULAÇÃO. INTERESSE DE DEBATER A QUESTÃO. INEXISTÊNCIA. APELAÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL. ENCARGOS SUCUMBENCIAIS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA E PROPORCIONAL. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. DISTRIBUIÇÃO. (CPC, ART. 85, § 2º). 1. Conquanto postuladas as benesses da justiça gratuita, o preparo do apelo implica a prática de ato incompatível com a postulação, e, outrossim, não havendo qualquer pedido volvido ao reprisamento do vínculo negocial, mas tão somente destinado a modular a culpa pelo seu desfazimento e os efeitos que irradiara, não pode o recurso ser conhecido quanto aos pontos por ausência de interesse recursal legítimo. 2. Arescisão do contrato de promessa de compra no ambiente extrajudicial não obsta nem encerra óbice para que o contratante resida em juízo com o escopo de debater as cláusulas contratuais que nortearam o vínculo e seu desfazimento, à medida que, conquanto resolvido o negócio, seus efeitos se irradiaram, legitimando que o convencionado seja debatido e, se o caso, modulado, notadamente porque o eventual acolhimento da pretensão é passível de produzir o resultado almejado no espectro fático, carecendo de respaldo o provimento extintivo que omite essa providência. 3. Apromessa de compra e venda de imóvel em construção que enlaça em seus vértices pessoa jurídica cujo objeto social está destinado à construção e incorporação de imóvel inserido em empreendimento imobiliário e pessoa física destinatária final de apartamento negociado qualifica-se como relação de consumo, pois emoldura-se linearmente na dicção dos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor, devendo os dissensos derivados do negócios serem resolvidos à luz das premissas normativas firmados por esse estatuto legal. 4. Desde que pactuada em prazo razoável e compatível com o porte do empreendimento a ser executado, não se reveste de ilegalidade ou abusividade a cláusula que prevê a prorrogação do prazo de entrega do imóvel em construção prometido à venda, independentemente de justa causa, pois encerra a previsão regulação consoante a natureza das atividades inerentes à construção civil, pois sujeita a fatores que, conquanto previsíveis, não estão afetados à álea de previsibilidade sistemática e precisa da construtora, tais como as intempéries climáticas, a falta de mão-de-obra, de materiais e maquinários, legitimando que se acautele e estabeleça a prorrogação como fórmula justamente de viabilizar a conclusão do empreendimento dentro do prazo estimado e participado ao adquirente. 5. Conquanto a expedição e registro da carta de habite-se não sejam aptos a comprovarem a entrega do imóvel, pois somente se materializa com a disposição da unidade ao adquirente, induzem à constatação de que o imóvel fora concluído e está em condições de ser habitado, devendo ser assimilados como fatos aptos a ilidirem a mora da construtora e promitente vendedora quanto à obrigação que assumira de construir e entregar o imóvel. 6. Elidida a mora da construtora e incorporadora mediante a obtenção e registro da carta de habite-se, não se afigura consoante o princípio da boa-fé objetiva que, conquanto colocado o imóvel à disposição da adquirente, invoque a inadimplência resolvida como fato apto a legitimar a rescisão da promessa de compra e venda fundada na culpa da promissária vendedora, pois suplantado pelo adimplemento da obrigação, encerrando manifestação formulada sob essa realidade comportamento contraditório, postura não tolerada no ambiente obrigacional. 7. Acláusula geral da boa-fé objetiva, com larga aplicação nas relações obrigacionais, exerce múltiplas funções, desde a fase anterior à formação do vínculo, passando pela sua execução, até a fase posterior ao adimplemento da obrigação: interpretação das regras pactuadas (função interpretativa - Código Civil, artigo 113), criação de novas normas de conduta (função integrativa - artigo 422) e limitação dos direitos subjetivos (função de controle contra o abuso de direito - artigo 187). 8. Sob sua função de controle, a boa-fé objetiva atua com o fim de evitar o abuso de direito pelo seu titular, vedando que a parte assuma comportamentos contraditórios no desenvolvimento da relação obrigacional, o que resulta na vedação do venire contra factum proprium, o que se verifica com a manifestação do adquirente visando rescindir a promessa de compra e venda que concertara com a imputação de culpa à alienante fundada no atraso na conclusão e entrega do imóvel prometido após a elisão da mora e colocação do imóvel à sua disposição. 9. Ilidida a mora imprecada à construtora mediante a conclusão do imóvel e averbação da carta de habite-se e, outrossim, colocação do imóvel à disposição da adquirente, já não se afigura viável que invoque a mora da construtora como apta a ensejar a rescisão decorrente do seu inadimplemento, ensejando a apreensão da legitimidade da rescisão extrajudicial do compromisso de compra e venda por culpa da promissária compradora se, após a elisão da mora pela construtora, incorrera em atraso no pagamento da parcela do preço referente às chaves, na conformidade da boa-fé contratual e do princípio que veda o comportamento contraditório e, ainda, do princípio de que o direito não pode ser usado para socorrer aqueles que dormem ou que negligenciam seu uso ou defesa (dormientibus non succurrit jus). 10. O efeito imediato da rescisão do compromisso de compra e venda motivada por iniciativa da promitente vendedora ante o inadimplemento da promissária compradora é a restituição dos contratantes ao estado em que se encontravam antes da entabulação do negócio, modulados os efeitos do distrato em conformidade com a inadimplência da adquirente, que ensejara a frustração do negócio, determinando que seja responsabilizada por eventuais prejuízos advindos de sua conduta à alienante. 11. De acordo com o preceituado pelo artigo 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor, são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estabeleçam obrigações iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em franca desvantagem ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou equidade, presumindo-se exagerada, na forma do disposto no § 1º, inciso III, desse mesmo dispositivo, a vantagem que se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. 12. O STJ, sob a ótica da legislação de consumo, há muito firmara entendimento segundo o qual o compromissário comprador de imóvel que não mais reúne condições econômicas de suportar os encargos do contrato - assim como a promitente vendedora ante o inadimplemento do promissário comprador - tem o direito de rescindir o contrato, sendo legítima a retenção de parte do valor pago a título de despesas administrativas realizadas pela promitente vendedora em percentual oscilante entre 10% e 25% do valor pago, o qual deverá ser fixado à luz das circunstâncias do caso, sendo legítimo ao Juiz agastar o percentual contratualmente previsto quando se mostrar oneroso ou excessivo para o consumidor. 13. Acláusula contratual que, defronte o fato de que o empreendimento está sendo erigido sob a forma de incorporação imobiliária sob o regime da empreitada, autoriza que, diante do atraso no pagamento das parcelas do preço pela promissária compradora, a promitente vendedora dê por rescindido o negócio e aliene via leilão extrajudicial os direitos aquisitivos sobre o imóvel a terceiro e adjudique o imóvel com base no direito de preferência, retendo todas as quantias vertidas, a depender do lance ofertado, reveste-se de abusividade, tornando-se ilegítima e intolerável, pois sujeita a promissária adquirente a condição iníqua e desconforme com a boa-fé contratual, devendo ser modulada mediante a aplicação do disposto na lei de consumo mediante a aplicação do diálogo das fontes normativas. 14. Alei das incorporações imobiliárias contempla 03 formas de incorporação, a direta pelo incorporador, no qual erigirá diretamente o empreendimento e a contratação é ultimada de forma direta entre o incorporador e o adquirente (Lei 4.591/64. art. 41), a incorporação por administração, em que a incorporação e alienação são realizadas a preço de custo( Lei nº 4.591, art. 58), e a incorporação por empreitada, a preço fixo ou reajustável por índices previamente determinados (Lei 4.591/64, art. 55), estando cada qual sujeita a disciplina própria. 15. O empreendimento imobiliário erigido sob o regime de incorporação imobiliária na modalidade da empreitada (Lei 4.591/64, art. 55), no qual a incorporadora é responsável pela construção e entrega do imóvel aos adquirentes, desenvolvidas suas atividades com o móvel do lucro, descerra relação de consumo se a adquirente é pessoa física e almejara a aquisição como destinatária final, pois, sob essa natureza de incorporação, a incorporadora se enquadra no conceito de fornecedora, tornando ilegítima a cláusula inserta no contrato como se se cuidasse de incorporação realizada sob a forma de construção direta ou por administração que permite, diante da inadimplência da adquirente, a alienação da unidade e a retenção integral do preço já vertido. 16. Tratando-se de incorporação imobiliária levada a efeito sob o regime da modalidade da empreitada, descerrando relação de consumo concertada entre a incorporadora e a adquirente na conformidade do diálogo das fontes normativas, a cláusula contratual que regula os efeitos da mora e a rescisão do negócio deve ser modulada na conformidade do disposto pela legislação de consumo, que coíbe, nas promessas de compra e venda cujo preço é pago de forma parcelada, a retenção, rescindido o contrato por culpa do consumidor, da íntegra das parcelas vertidas pelo alienante (CDC, art. 53). 17. Rescindida a promessa de compra e venda antes da entrega do imóvel negociado e não tendo a construtora experimentado outros prejuízos derivados da inadimplência além das despesas administrativas que tivera com a formalização e distrato do contrato, a multa rescisória no montante de 20% (vinte por cento) do valor do imóvel afigura-se onerosa e abusiva por vilipendiar a comutatividade do contrato e, desvirtuando-se da sua destinação, transmudar-se em fonte de incremento patrimonial indevido, legitimando que seja revisada e fixada em ponderação com o que despendera de forma a ser prestigiada a gênese e destinação da estipulação. 18. Amodulação dos efeitos da rescisão da promessa de compra e venda por ter emergido da iniciativa da promitente vendedora ante o inadimplemento da promissária compradora consubstancia simples consequência do desfazimento do negócio, estando debitado ao juiz o dever de, aferindo a excessividade da cláusula penal, revê-la até mesmo de ofício, pois, afinado com os princípios da boa-fé objetiva e com a função social do contrato que se qualificam como nortes da novel codificação, o novel legislador civil estabelecera a mitigação da cláusula penal como medida imperativa, e não como faculdade ou possibilidade (CC, art. 413). 19. Oatraso injustificado na conclusão e entrega do imóvel em construção prometido à venda traduz inadimplemento contratual culposo da construtora e vendedora, determinando que, irradiando efeitos materiais, pois privara a adquirente do uso do imóvel desde a data prometida até a data em que a mora fora ilidida pela construtora, sejam compostos os danos ocasionados à comprador traduzidos nos frutos que deixara de auferir com a fruição direta ou locação do apartamento, pois consubstanciam lucros cessantes que efetivamente deixara de auferir. 20. Configurado o atraso injustificado na entrega do imóvel prometido à venda, considerado, inclusive, o prazo de prorrogação convencionado, ensejando que a consumidora ficasse privada de dele usufruir economicamente durante o interstício em que perdurara a mora da construtora, assiste-lhe o direito de ser compensada pecuniariamente pela vantagem econômica que deixara de auferir no interregno em que persistira a mora, cujo montante deve ser aferido com lastro nos alugueres que poderiam ter sido gerados pela unidade imobiliária, pois refletem os lucros cessantes que deixara de auferir enquanto privado do uso da coisa(CC, art. 476). 21. O fato de a vendedora optar, diante da inadimplência da adquirente, pela rescisão da promessa de compra e venda não afeta o direito que assiste à promissária comprodora de ser compensada pelos frutos que deixara de auferir e presumivelmente seriam gerados pela unidade, traduzindo lucros cessantes, no período compreendido entre a mora da alienante e a data da suspensão do pagamento dass parcelas, pois, adimplente durante o atraso na entrega do imóvel, e irradiando o contrato os efeitos que lhe são inerentes, deixara de auferir o que poderia irradiar se houvesse sido o imóvel negociado entregue na data comprometida. 22. O parcial acolhimento da pretensão formulada, resultando em êxito e decaimento ponderados se balanceado o reclamado e o objetido, enseja a caracterização da sucumbência recíproca e proporcional, emergindo da inferência a necessidade de as verbas sucumbenciais serem rateadas de forma a serem conformadas ao preceituado pelo legislador processual, vedada a compensação (CPC, artigos 85, § 14, e86). 23. Encerrando a ação pretensão de natureza condenatória e acolhido parcialmente o pedido, os honorários advocatícios devidos aos patronos das partes como contrapartida pelos serviços que realizaram, ponderados os trabalhos efetivamente executados, o zelo com que se portaram, o local e tempo de execução dos serviços e a natureza e importância da causa, devem, necessariamente, ser mensurados em percentual incidente sobre o valor da condenação, observados os parâmetros mínimo e máximo estabelecidos pelo legislador e ponderados o êxito e decaimento obtidos (NCPC, art. 85, §2º). 24. Apelação parcialmente conhecida e parcialmente provida. Unânime.
Data do Julgamento
:
25/10/2017
Data da Publicação
:
03/11/2017
Órgão Julgador
:
1ª TURMA CÍVEL
Relator(a)
:
TEÓFILO CAETANO
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