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Jurisprudência


TJDF APC - 1060325-20130110647169APC

Ementa
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONVÊNIO Nº 01/2007 FIRMADO ENTRE O DETRAN/DF E O IRTDPJ/DF. TRANSFERÊNCIA DO REGISTRO DE CONTRATOS COM CLÁUSULA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE VEÍCULOS AUTOMOTORES PARA OS CARTÓRIOS EXTRAJUDICIAIS. SUPOSTOS ATOS ÍMPROBOS DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS QUE REGEM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. REJEIÇÃO DA PETIÇÃO INICIAL PELA SENTENÇA RECORRIDA. PREJUDICIAL DE PRESCRIÇÃO. ART. 23, I, DA LEI DE IMPROBIDADE. DANO AO ERÁRIO DECORRENTE DE ATO ÍMPROBO. DISCUSSÃO QUANTO À PRESCRITIBILIDADE NO RE 852.475-SP (TEMA 897). QUESTÃO IRRELEVANTE, NA ESPÉCIE, PARA O AFASTAMENTO DO PRAZO PRESCRICIONAL. EXISTÊNCIA DE OUTROS FUNDAMENTOS. NÃO SUSPENSÃO DO FEITO. CONTAGEM DO PRAZO A PARTIR DA CIÊNCIA INEQUÍVOCA DOS FATOS PELO LEGITIMADO ATIVO PARA A DEMANDA (ACTIO NATA) E/OU DA DESVINCULAÇÃO FUNCIONAL DO AGENTE PÚBLICO COM A ADMINISTRAÇÃO. PRECEDENTES. PRAZO EXTINTIVO INOCORRENTE. PREJUDICIAL REJEITADA. MÉRITO RECURSAL. FASE DA DEFESA PRELIMINAR. ANÁLISE DA JUSTA CAUSA OU DE INDÍCIOS SUFICIENTES PARA A ADMISSIBILIDADE DA PETIÇÃO INICIAL. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. CONDUTAS ÍMPROBAS. FARTOS ELEMENTOS INDICIÁRIOS. PRETENSÃO RECURSAL DE CONDENAÇÃO DOS RÉUS/APELADOS NAS SANÇÕES DO ART. 12 DA LEI 8.429/92. IMPOSSIBILIDADE. DEVIDO PROCESSO LEGAL. OBSERVÂNCIA DO RITO PROCEDIMENTAL DA LIA. CITAÇÃO E APRESENTAÇÃO DE CONTESTAÇÃO PELOS RÉUS. REGULAR INSTRUÇÃO DO FEITO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA CASSADA, COM JUÍZO POSITIVO DE RECEBIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. 1. Os réus/apelados levantaram preliminar de prescrição, tanto nas defesas preliminares ofertadas na instância primeira, quanto em sede das contrarrazões ao apelo do Ministério Público, com fundamento no art. 23, I, da Lei de Improbidade Administrativa, aduzindo que o réu/apelado Délio Cardoso Cézar da Silva deixou o cargo de Diretor-Geral do DETRAN/DF em 30 de abril de 2008 e a presente ação de improbidade somente foi ajuizada em 10 de maio de 2013, mais de 5 anos depois. 2. Não obstante a determinação de suspensão das demandas que versem sobre a questão da prescritibilidade ou não das ações de ressarcimento de danos causados ao erário por condutas ímprobas (RE 852.475-SP, tema 897), e apesar de o Ministério Público ter invocado o disposto no § 5º do art. 37 da Constituição Federal para rechaçar a ocorrência da prescrição, apoiando-se na alegação da imprescritibilidade das demandas ressarcitórias em favor da Fazenda Pública, tendo em vista que há fundamentos jurídicos diversos para afastar o prazo extintivo sustentado pelos apelados, deve-se dar regular seguimento ao julgamento aqui posto. 3.Deve-se aplicar ao caso o princípio da actio nata, de modo que somente a partir da ciência inequívoca do titular da demanda de improbidade, ou seja, do conhecimento dos fatos pela pessoa legitimada para a propositura da ação de improbidade, pode-se dar por iniciado o prazo prescricional, contando-se somente a partir daí o lapso temporal de 5 (cinco) anos previsto no art. 23, I, da LIA, haja vista que o art. 23 da Lei 8.429/92 incorporou a regra do § 1º do art. 142 da Lei 8.112/92 (AgRg no AREsp 658.035/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/10/2016, DJe 28/10/2016). 4. Na espécie, a ciência do Ministério Público do Distrito Federal, autor desta ação, somente veio a ser concretizada oficialmente quando recebeu do Ministério Público de Contas do Distrito Federal cópia da Representação 12/2008, que fora feita junto ao Tribunal de Contas do Distrito Federal para a apuração dos mesmos fatos, documento datado de 07 de novembro de 2008, tendo instaurado logo em seguida Procedimentode Investigação Preliminar, em 26 de novembro de 2008, transformado no ICP nº 08190.152067/09-99. 5. Portanto, contando-se o prazo prescricional a partir de novembro de 2008 e tendo sido proposta a demanda em maio de 2013, não se verifica o transcurso do prazo prescricional de 5 anos a que alude o inciso I do art. 23 da LIA. 6. E há outro fundamento para o afastamento da prescrição: o réu Délio Cardoso Cézar da Silva não se desvinculou da Administração Distrital ao sair do cargo de Diretor-Geral do DETRAN/DF, em abril de 2008, pois logo em seguida foi guindado para outro posto, o Cargo de Natureza Especial de Subsecretário da Subsecretaria de Trânsito, da Secretaria de Transportes do Distrito Federal, cargo de natureza política, do qual somente se afastou em 10 de novembro de 2008, após a veiculação de notícias na imprensa escrita acerca dos fatos tratados nesta demanda. 7. Põe-se em consideração, por conseguinte, o entendimento jurisprudencial de que a contagem do prazo prescricional para o exercício da pretensão condenatória quanto aos atos ímprobos praticados por agente público somente flui a partir da cessação do vínculo jurídico-funcional desse agente com a Administração Pública, o que, no caso, como vimos, somente ocorreu em 10 de novembro de 2008. 8. Nesse cenário, também por esse motivo, qual seja, contagem do prazo de 5 anos previsto no art. 23, I, da LIA somente a partir da desvinculação funcional do agente público com a Administração Pública Distrital, não há falar em prescrição para o exercício da pretensão condenatória em face do apelado Délio Cardoso Cézar da Silva e dos demais réus/apelados que, na condição de particulares, hajam concorrido e/ou se beneficiado dos atos ímprobos que lhes são imputados. Prejudicial de prescrição rejeitada. 9. Mérito Recursal. O Ministério Públicoaponta a prática de atos de improbidade administrativa previstos no art. 11 da Lei nº 8.429/92, relativamente à execução do Convênio nº 01/2007, celebrado entre o DETRAN/DF e o requerido IRTDPJ/DF - Instituto de Registro de Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas do Distrito Federal, a quem foi delegado o serviço de registro dos contratos com cláusula de alienação fiduciária em garantia, com repasse das informações ao órgão de trânsito, bem como gerenciamento da verba respectiva e retenção de 20% (vinte por cento)para aplicação narealização dos objetivos institucionais do DETRAN/DF. 10. O feito foi extinto, sem resolução do mérito, ainda no estágio da defesa preliminar, isto é, após a notificação dos réus e apresentação das respectivas defesas, bem como após a manifestação do Ministério Público. Isso porque o juízo a quo houve por bem rejeitar a inicial, fazendo-o justamente com amparo no comando do § 8º do art. 17 da LIA, acima transcrito, que autoriza tal pronunciamento judicial quando se reconheça a inexistência do ato de improbidade, a improcedência da ação e a inadequação da via eleita. 11. Aanálise do que contido nos autos, em caráter não exauriente, como é próprio da fase preliminar para o juízo de admissibilidade ou não da ação de improbidade administrativa, em que o julgador deve perscrutar apenas acerca da existência de justa causa ou indícios suficientes da ocorrência dos atos ímprobos apontados na inicial e as respectivas autorias, indica conclusão contrária à externada pela magistrada sentenciante, isto é, mostram-se presentes, a nosso juízo, os requisitos necessários para o prosseguimento da ação. 12. Em primeiro lugar, a despeito da questionável iniciativa do Parquet quanto à exclusão dos réus IRTDPJ/DF e Hércules Alexandre da Costa Benício do polo passivo da ação de improbidade, isto não implica o reconhecimento daquele órgão quanto à regularidade da execução do convênio, muito menos significa que tenha abdicado o Ministério Público de perseguir a condenação dos demais réus em relação aos atos que lhes digam respeito, haja vista que, afora a questão da alegada burla ao procedimento licitatório, subsistem indícios de que irregularidades de outras naturezas tenham sido praticadas. 12. Afora a questão da alegada burla ao procedimento licitatório, subsistem indícios de que irregularidades de outras naturezas tenham sido praticadas, havendo evidências de favorecimento das empresas indicadas (as requeridas JT Produções de Vídeo e Eventos Ltda. e AUX3 Serviços e Produções de Vídeo Ltda.), pelo próprio Diretor-Geral do DETRAN/DF para a execução de serviços, obras, projetos e demais atividades vinculadas aos objetivos institucionais do DETRAN/DF, nos termos previstos naquele convênio. 13. Há, outrossim, fortes indícios de que os recursos decorrentes dos registros dos contratos com cláusula de alienação fiduciária, ao menos parte dos 20% que o convênio autorizou serem retidos pelo IRTDPJ/DF, foram utilizados para benefício do próprio réu/apelado Délio Cardoso, que era sócio da empresa ré/apelada AUX3 Serviços e Produções de Vídeo Ltda, a qual executou parte dos serviços ou forneceu equipamentos para a outra empresa ré/apelada, JT Produções de Vídeo e Eventos Ltda, da qual era sócio o também réu/apelado Júlio César de Andrade, juntamente com o outro réu/apelado e seu irmão Editácio Vieira de Andrade, que também era sócio da AUX3 Serviços e Produções de Vídeo Ltda. 14. Relatórios da Divisão Especial de Crimes Contra a Administração Pública - DECAP, da Polícia Civil do Distrito Federal, condenação do réu Délio Cardoso Cézar da Silva no âmbito do Tribunal de Contas do Distrito Federal, bem como reconhecimento de sua responsabilidade também pelo Executivo (Subsecretaria de Tomada de Contas Especial - SUTCE, da Secretaria de Estado de Transparência e Controle - STC), que atestou ter havido inobservância ao regramento legal sobre o trato com a coisa pública e respectivo propósito de renunciar a receitas públicas sem qualquer amparo legal e não ter sido restituído aos cofres distritais o montante de R$ 3.052.556,94 (três milhões, cinqüenta e dois mil, quinhentos e cinqüenta e seis reais e noventa e quatro centavos) formam convicção suficientemente segura para o recebimento da inicial e apuração dos supostos atos ímprobos relatados pelo Ministério Público. 15. Mesmo afastando-se a discussão acerca da natureza da verba proveniente dos registros dos contratos de alienação fiduciária dos veículos automotores, ou seja, se seria pública (porque decorrente de preço público cuja arrecadação caberia ao órgão de trânsito) ou privada (porque advinda de emolumentos cobrados pelos Cartórios de Títulos e Documentos), questão sobre a qual o juízo a quo poderá se debruçar mais detidamente, se assim julgar necessário para a resolução da demanda, remanesceria a análise da questão quanto à correta aplicação e ausência de prestação de contas relativamente aos 20% (vinte por cento) dos recursos arrecadados com aqueles registros e que deveriam ser retidos pelo IRTDPJ/DF para aplicação em proveito do DETRAN/DF, nos temos do Convênio nº 001/2007. 16. Evidentemente, não pode ser acolhida a pretensão do Ministério Público exposta no presente apelo, no sentido de que os Apelados sejam condenados às penalidades previstas no inciso III do art. 12 da Lei nº 8.429/92, sob pena de burla ao procedimento previsto na Lei de Improbidade Administrativa e, portanto, violação ao contraditório e à ampla defesa, porquanto se confere aos demandados, em caso de recebimento da inicial, a oportunidade de apresentarem contestação, prosseguindo-se com a regular instrução do feito. 17. Asolução processual e tecnicamente aceitável, portanto, considerado o estágio processual em que encerrado o feito na primeira instância, é justamente atender-se ao pedido que o recorrente formulara na petição posta nos autos imediatamente antes da sentença impugnada, quando o Parquet, manifestando-se acerca das defesas preliminares apresentadas pelos réus, pugnou, quanto à inicial, o seu recebimento e a citação dos réus para apresentação de resposta, impondo-se a cassação da sentença recorrida e proferindo-se, desde já, o juízo positivo de admissibilidade da petição inicial, com determinação de prosseguimento do feito até a decisão final de mérito. 18. Recurso conhecido. Prejudicial de prescrição rejeitada. Provimento parcial do apelo, para cassar a sentença recorrida, receber a petição inicial e determinar o prosseguimento regular do feito, nos termos da Lei 8.429/92, até a sentença de mérito.

Data do Julgamento : 16/11/2017
Data da Publicação : 22/11/2017
Órgão Julgador : 4ª TURMA CÍVEL
Relator(a) : ROMULO DE ARAUJO MENDES
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